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A devastação da Amazônia está apenas começando

Partes entrevistou, por e-mail, Rodolfo Salm, biólogo e pesquisador do Projeto Pinkaiti. Rodolfo explica o que é o projeto e afirma que “o grande desafio é convencer as pessoas de que a floresta deve ser preservada a todo custo”. O biólogo Rodolfo está redigindo sua tese de doutorado sobre a ecologia de palmeiras da grande porte da região Amazônia a ser apresentada a Escola de Ciências Ambientais da Universidade de East Anglia (UK).

Rodolfo Salm é pesquisador do Projeto Pinkaití, se formou em Biologia no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.

O que é precisamente o projeto Pinkaiti? Como surgiu, o que propõe e quais os resultados obtidos?

O Projeto Pinkaití é uma criação dos índios Kayapo. O índio Paulo Paiacan, prevendo a destruição das populações de mogno na floresta, decidiu junto com lideranças da aldeia Aukre que nenhuma árvore de mogno seria cortada em uma parte substancial de seu território, que então seria reservada para estudos e a preservação da espécie.

Em 1988, discutiam-se planos para construção de uma série de hidroelétricas ao longo do Rio Xingu, que inundariam o território de Aukre e a floresta do Pinkaití. Paiacan liderou a mobilização dos indígenas que, com apoio do que é hoje o Instituto Socioambiental (ISA), conseguiram suspender o projeto. Projeto de hidroelétricas que agora volta a nos ameaçar dentre outros do Avança Brasil.

No famoso encontro dos povos indígenas de Altamira, movimento chave para barrar as hidroelétricas do Xingú, Paiacan conheceu Barbara Zímmerman, a atual diretora do nosso projeto. Bárbara, junto com os Kayapo, demarcaram uma extensa área nas margens do rio Pinkaití. Nela, com o apoio da Conservation International do Brasil, construíram a base de pesquisas do nosso projeto. Desde então, uma série de estudantes e pesquisadores brasileiros e estrangeiros, de várias áreas como ecologia, antropologia e cinema tem frequentado o Pinkaití.

A nossa meta é o fomento de um debate intenso e profundo dos problemas de conservação da Amazônia, envolvendo os povos indígenas, a sociedade brasileira e a comunidade internacional. Hoje, já podemos dizer que estamos começando a organizar este debate. Fizemos algumas palestras e exposições, conseguimos trazer os índios do Aukre para falar a estudantes de São Paulo e Belo Horizonte. Temos também uma lista de discussão, associada a uma página na Internet, onde membros de universidades, instituições governamentais, imprensa e ONGs discutem a preservação da Amazônia.

Os trabalhos da base de pesquisas também estão progredindo. Sabemos um bocado mais sobre a ecologia da floresta do Pinkaití que quando esta base foi criada. A base de pesquisas é estratégica para o estudo das florestas tropicais. Isso porque, enquanto em vastas áreas da Amazônia o impacto do homem sobre a mata é profundo, cortando árvores e levando animais à extinção, a floresta do Pinkaití é extremamente preservada.

Nesta área, nunca houve corte de madeira para fins comerciais. Os kayapo também decidiram abrir mão de caçar na floresta do Pinkaití, que tem alta densidade de mamíferos de grande porte. Mesmo animais muito vulneráveis à caça como antas, ariranhas, queixadas, e araras azuis são frequentemente encontrados no Pinkaití.

Na sua visão qual deve ser o papel do povo da Amazônia diante do processo de globalização?

A Terra vive hoje uma crise global de perda de biodiversidade. A destruição de espécies em larga escala e a deterioração generalizada de ecossistemas é o processo mais relevante de nossa época. Eric Hobsbawn, escrevendo sobre o século XX, concluiu que destruição da biodiversidade terá consequências mais profundas que qualquer mudança tecnológica ou cultural que a humanidade
possa estar vivendo. Como as florestas tropicais são os ecossistemas terrestres de mais alta biodiversidade e Amazônia é o último grande bloco de florestas com chances de sobreviver a este século, o papel do povo da Amazônia é evidentemente o de zelar pela preservação desta floresta.

É possível um programa de desenvolvimento sustentável na Amazônia e em que condições?

Não gosto do termo “desenvolvimento sustentável”. Ele não diz nada apesar de ser amplamente utilizado, geralmente para confundir pessoas de boa fé e enfeitar projetos que nada tem de sustentável. Agora, quanto a possibilidade de se viver na região Amazônica sem a destruição da floresta sim, isso é possível. O homem fez isso por 12.000 anos, desde que ocupou a região, e foi somente a partir da metade do século XX que a devastação da floresta em larga escala começou. É claro que as formas de faze-lo não são simples. A população da região Amazônica está explodindo, impulsionada por imigrantes que não sabem como conviver com a floresta e novas cidades estão pipocando ao longo de toda a bacia. Mas também temos novas possibilidades para preservação.

Quais os desafios da luta pela preservação da Amazônia?

O grande desafio é convencer as pessoas de que a floresta deve ser preservada a todo custo. A imediata reação é a pergunta: e as pessoas que vivem nela? E é justamente pelas pessoas que vivem nela que a floresta Amazônica deve ser preservada. Não existe nenhuma incompatibilidade entre qualidade de vida, definida como saúde e felicidade, seja lá como possamos medi-la, e a preservação da floresta. Muito pelo contrário, enquanto se vive muito bem nas áreas onde há floresta, a vida é dura nas áreas onde ela foi destruída.
A manutenção da floresta também pode nos render uma série de novos benefícios. Por exemplo: somente para não fazer nada, apenas guardando o carbono que esta na mata para amenizar o efeito estufa, o Brasil poderia ganhar de 2 a 5 bilhões de dólares por ano. Dinheiro que poderia ser investido na saúde e na educação do povo que viveria apenas de cuidar da floresta. É claro que esse é somente o valor que nos foi oferecido por guardar o carbono. Se falarmos na água doce, na riqueza genética, na beleza da região, podemos pechinchar muito mais. Mas para isso temos que querer preservar, coisa que o estado brasileiro não quer.

O desmatamento tem um efeito devastador na Amazônia. Em que ritmo esta devastação tem caminhado?

A devastação da Amazônia está apenas começando. A bacia Amazônica ainda é um mundo verde. Hoje, mais de 80% da floresta ainda está de pé a as grandes áreas devastadas se concentram em regiões tradicionalmente ocupadas como a foz do Amazonas e no entorno de estradas, construídas nas últimas décadas. Apesar deste quadro positivo, a situação da floresta é dramática. Uma rede de estradas está se formando ao longo de toda a Bacia Amazônica, abrindo pela primeira vez acesso a vastas áreas em seu coração. Quem quiser entender o efeito de uma estrada sobre a floresta basta olhar o rasgo vermelho dividindo a floresta Amazônica, criado pela rodovia Belém – Brasília. Graças a ela, o sul do Pará é hoje a área onde mais se derrubam florestas no mundo.

Para visualizar o processo basta pensar numa casa de madeira queimando, com fogo por todos os lugares, mas com 80% ainda intacta. É claro, o fogo apenas começou! É essa a nossa situação, e o povo brasileiro, que é o morador, está muito tranquilo, afinal, 80% da Amazônia ainda não está queimando.

É viável o ecoturismo na Amazônia?

Sim, é viável. É claro que se o ecoturismo vai ser bom ou ruim para a mata e as pessoas que nela vivem, vai depender de como estes projetos são pensados.
Nós estamos discutimos planos para ter turistas visitando o Pinkaití e a aldeia Aukre.
É claro que o turismo não pode ser a única solução para uma região gigantesca como a Amazônia, mas tem que ser considerado. Se esses projetos vão ser bons ou ruins vai depender de uma série de coisas. Até o do impacto dos turistas sobre a vida das comunidades pode ser um problema grave. É por isso que muita gente ligada ao Pinkaití é contra o turismo na área e nós ainda estamos somente discutindo. Todos concordamos que os Kayapo precisam de dinheiro e que a beleza de seu território preservado tem potencial turístico, mas é uma questão delicada.

Não dá para pensar na Amazônia como uma Disneylandia e achar que isso vai ser bom. Muita gente acha que o ecoturismo é a solução de todos os problemas, mas não é.

Turistas americanos e europeus vão à África ver gorilas, crentes que estão passeando e ainda por cima salvando o planeta. Acontece que de noite tomam banho quente, esquentado com a lenha a mata onde moravam os gorilas. Não é o chamado “consumo verde” que vai salvar o planeta.

Qual o futuro da região?

Acho melhor pensar que não sei. Se nada de extraordinário acontecer logo, o futuro vai ser terrível. Enquanto na mata virgem se vive o paraíso, as áreas desmatadas são verdadeiros infernos. Infernos de calor, fumaça, miséria, doença e violência. Se a floresta Amazônica inteira queimar, como é provável que aconteça logo, toda a região viverá esse drama. Um dos índios que discursou semana passada na câmara dos deputados disse: “Os brancos vivem da alma dos índios, destruída da mata e destruídos os índios, os brancos vão se destruir, e depois virá a guerra”. Mas o futuro da região Amazônica ainda está em nossas mãos, aguardando decisão.

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