Reportagem

Conflito ambiental em Aracruz

Movimentos de defesa do ambiente, comunidade e diversos segmentos da sociedade lutam na Justiça para impedir a destruição de ecossistemas e de recursos marinhos no distrito de Santa Cruz, em Aracruz, no litoral capixaba.

Em Aracruz, no estado do Espírito Santo, as comunidades e as entidades populares, ambientais, aldeias indígenas tupiniquim e guarani e outros segmentos da sociedade lutam na Justiça, junto aos órgãos federais, Ministério do Meio Ambiente, Ibama, etc. estaduais e municipais, com apoio do Ministério Público e da Advocacia Geral da União, para impedir a destruição de ecossistemas e recursos marinhos e costeiros ameaçados pela implantação de indústria primário-extrativista de calcário marinho. A Thotham Industrial pretende obter licença ambiental do Ibama para retirar cerca de 50 mil ton/mês de algas calcárias, numa vasta extensão desde Santa Cruz (Aracruz) até Nova Almeida, litoral da Serra. A área foi eleita pelo biólogo Augusto Ruschi, na década de 60, como sede do segundo laboratório de biologia marinha a ser cosntruída no Brasil emm preferência a várias outras regiões marinhas brasileiras.

O prefeito de Aracruz, Luiz Carlos Cacá Gonçalves (PSDB “doou” por decreto uma área de 50 mil m2 para que a empresa Thotham Industrial instale seu porto e pátio de secagem no distrito de Santa Cruz, em terras da Reserva Ecológica dos Manguezais dos rios Piraquê-mirim e Piraquê-açu (criada pela Lei Municipal 994/86), pertencentes aos índios Tupiniquim e Guarani e protegidas por leis federais. A matéria-prima seria dragada próximo da costa e do estuário desses rios e escoada em sua foz por grandes embarcações, ameaçando uma infinidade de riquezas naturais e a sustentabilidade das aldeias indígenas e dos milhares de habitantes tradicionais. Notícia publicada no jornal Gazeta Mercantil de 18 de novembro de 1999 deixou claro que a Thotham é apenas uma ponta do iceberg de um projeto de transformar a área da Reserva Ecológica dos Manguesais numa região portuária-industrial.

Para os cientistas éticos a atividade mineradora causará danos irreversíveis ao meio ambiente, à população, à pesca, e provocará a extinção de espécies raras e erosão nas praias. Um grupo técnico formado por pesquisadores do Museu Nacional do Índio e da Funai já esteve no local e constatou que toda a área pertence realmente aos índios. O relatório do estudo do GT foi acatado pela Funai e anexado ao processo de licenciamento do Ibama, despachando contra o licenciamento. O advogado da Thotham, João Luiz Caetano, entretanto, alegou que a Thotham possui uma liminar da Justiça Federal autorizando a reintegração de posse do terreno e, segundo ele, independente do relatório da Funai, “existem recursos jurídicos que possibilitam a impugnação do laudo final”.

A certeza dos empresários e de alguns políticos de que sairão vitoriosos está no poder econômico que está por trás da iniciativa (basta dizer que um dos sócios é da família Marinho, Eduardo Marinho Christoph). Recentemente eles se reuniram em Brasília com o Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, e com o Ministro da Justiça, José Gregori, para pressionar a liberação da licença pelo Ibama (subordinado ao MMA) e da área em Santa Cruz pela Funai (MJ).

Junto à população mais carente da região a Thotham está utilizando de outros artifícios: no Natal/1999 mandou cartões aos munícipes e distribuiu cestas básicas condicionando a entrega dos alimentos à assinatura de uma lista que posteriormente foi transformada em abaixo-assinado em favor da empresa além de criar promessas falsas de empregos para a população carente, o que se prova pela documentação entregue à Seama-ES e ao Ibama-DF que cita poucos cargos, a maioria técnicos e administrativos.

Várias ações na Justiça e processos no Ministério Público e órgãos ambientais tentam impedir que não só os ecossistemas associados da região – costeiro, estuarino, manguezal, restinga, mata-atlântica e mangue-marítimo (raro, estudado por Ruschi) – sejam preservados mas também as belezas naturais próprias para o eco-turismo, gerando emprego e renda, ao invés de causar prejuízos às atividades dos pescadores e das populações tradicionais.

O documento Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) entregue pela empresa ao Ibama contrasta totalmente com opiniões de outros cientistas especializados no assunto, além do que esse documento elaborado para subsidiar o licenciamento foi realizado em menos de 4 meses, tempo insignificante para o real aprofundamento dos estudos e avaliações de impacto sócio-ambiental que tal atividade mineradora marinha realmente necessitaria para subsidiar um levantamento dessa natureza.

Para impedir não só a exploração de algas calcárias no litoral capixaba mas também outras atividades predatórias, várias entidades, organizações em defesa do meio ambiente, lideranças indígenas, comunitárias e outros segmentos da sociedade capixaba entregaram, em Brasília, o projeto de criação da Área de Proteção Ambiental (APA) de Santa Cruz. Na ocasião, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho designou que o diretor de Unidades de Conservação e Vida Silvestre do Ibama, Luiz Márcio Haddad Santos, providenciasse a documentação necessária para que o Presidente FHC decretasse sua criação em junho próximo, no dia do meio ambiente. Depois, em reunião com as entidades, o Presidente do Ibama, Hamilton Casara, também pronunciou-se pela necessidade de se criar uma área de proteção ambiental na região.

A APA de Santa Cruz será a segunda APA no Espírito Santo, num total de 1.018,6 km2 dos quais 913,8 km2 em mar e 104,8 km2 no continente. No mar a proteção se estenderá até a profundidade de 50 m, a uma distância média de 36 quilômetros da costa. Além do banco de algas calcárias na foz do rio Piraquê-açu, a APA de Santa Cruz visa preservar da dragagem da Thotham o boto Sotalia fluviatilis (único local de ocorrência no ES) e as algas Laminaria (conhecida como “bananeira”), plantas de mais de 40 metros de altura, além de espécies ainda não conhecidas pela ciência. Visa também estimular nova orientação sócio-econômica na região, a partir de projetos de conservação e educação ambiental à população.

Manifestação

No Dia do Índio (19 de abril) a manifestação começou com um ato político organizado pela Associação Indígena Tupiniquim-Guarani. No terreno ocupado lideranças indígena das cinco aldeias (Caieiras Velha, Irajá, Pau-Brasil. Tekoã Porã e Três Palmeiras) e seus familiares reafirmaram a propriedade imemorial do local e denunciaram os problemas que vem enfrentando como até mesmo envenenamento da água de seu posto médico e falta de apoio dos poderes públicos principalmente da prefeitura de Aracruz que fala de meio ambiente e do índio somente em suas peças publicitárias.

Os índios mantiveram a decisão de continuar a ocupação do terreno que a Thotham Industrial Ltda recebeu da prefeitura. Às vésperas de findar o prazo dado pela Justiça Federal para serem expulsos de sua terra eles ligaram, através de um mutirão das aldeias, um cano de água da rede pública para abastecer as famílias. A decisão da Justiça Federal que favoreceu a Thotham – dando um prazo de 20 dias para a Funai retirar os índios -, foi suspensa através de um mandado de segurança que a Funai deu entrada em Brasília. Agora o órgão aguarda decisão final da questão.

Mais informações com:
Guido Magalhães (AMIP) – guidomm@terra.com.br (0 XX 27 250-6082) tel/fax

Arnaldo Cesar, jornalista – fcmrest@terra.com.br (0 XX 27 250-6085)

José Alexandre Buaiz Filho – (advogado) – (0 XX 27 223-0803)

Deixe um comentário