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(In)disciplina escolar e fatores sociais: uma reflexão

(IN) DISCIPLINA ESCOLAR E FATORES SOCIAIS: UMA REFLEXÃO

 

Jafer da Silva Freitas*[i]

Murilo Saes da Cruz*[ii]

 

RESUMO 

Jafer Silva Freitas -Graduado em Educação Física (Licenciatura) pela Universidade Estadual de Maringá. E-mail: jafersf@hotmail.com

Devido à atual relevância da indisciplina escolar como fator-problema para o processo de ensino, objetivou-se neste artigo analisar alguns fatores sobre o comportamento dos alunos dentro das salas de aula e sua relação com o modo de produção capitalista na atualidade. A contribuição deste artigo é refletir sobre a disciplina, orientada pelos professores, como forma de desmistificação da sociedade capitalista, apontando alguns caminhos entendidos como coerentes para tal objetivo. 

Palavras-chave: capitalismo, indisciplina escolar, desmistificação da sociedade, transformação social.

ABSTRACT

Due to the current relevance of school discipline as a factor-problem for the teaching process, this article aimed to analyze some factors on the behavior of students within the classrooms and their relationship to the capitalist mode of production today. The contribution of this paper is to discuss the discipline, guided by teachers as a form of demystification of capitalist society, pointing out some ways seen as consistent for such purpose.

Keywords: capitalism, school indiscipline, demystification of society, social transformation

INTRODUÇÃO

Murilo Saes da Cruz -Graduado em Geografia (Licenciatura) pela Universidade Estadual de Maringá. E-mail: murilosaes@hotmail.com

No cotidiano escolar, a (in) disciplina (fazendo referência ao comportamento do alunado, seja disciplinado ou não), tornou-se uma das grandes preocupações dos educadores e gestores da educação. A indisciplina, atualmente, é encarada como um dos grandes fatores-problema para o desenvolvimento da prática docente e do “sucesso” do processo de ensino tornando-se, também, tema de discussão pelos membros da comunidade extra-escolar, suscitando reflexões de senso comum e muitas vezes um saudosismo intenso, principalmente dos tempos de ditadura, onde a disciplina dos alunos se conseguia pela rigidez e autoridade. Neste sentido, o objetivo deste artigo é contribuir com uma reflexão sobre a (in) disciplina escolar e sua relação com o modo de produção capitalista de forma a analisar a importância do direcionamento da disciplina para a desmistificação da sociedade.

(IN) DISCIPLINA ESCOLAR: ALGUMAS ABORDAGENS

Como a escola não está descolada dos determinantes sociais, econômicos e políticos, e seus atores (educadores, alunos, etc.) possuem realidades distintas, a análise da indisciplina deve envolver os diversos fatores internos e externos influentes nas relações estabelecidas na escola. O conceito de indisciplina, portanto, terá diversas formas de interpretação de acordo com os valores culturais e os contextos de cada sociedade, levando-se em consideração as classes sociais, as diferentes instituições e as vivências de cada indivíduo, não sendo um conceito universal (REGO, 1996, p.84-85).

Devido às diferentes concepções, a caracterização de um comportamento indisciplinado dependerá, portanto, dos padrões e normas já estabelecidos. Se a disciplina for compreendida pelo comportamento dentro das regras e normas ao qual se estabelece no ambiente escolar, a indisciplina será compreendida como o desrespeito ou a não aceitação destas normas, onde muitas vezes os alunos querem chamar a atenção agindo de maneira indisciplinada, como também pelo fato dos alunos desconhecerem tais normas (AQUINO, 1996 p.9; MELO, 1996, p.81).

Em relação às práticas escolares, os alunos podem manifestar a indisciplina na medida em que consideram chatas ou triviais as atividades propostas, colocando em foco a abordagem dos conteúdos em sala e a preparação e envolvimento nas atividades (DOYLE, 1986, p. 425). Se tomarmos como parâmetro a autoridade do professor perante a classe, a disciplina pode ser compreendida pelo respeito à autoridade docente, porém, se a indisciplina se manifestar, pode indicar a não aceitação desta autoridade, considerando esta autoridade como ilegítima, representando a desvinculação com a mesma. Por outro lado, a indisciplina pode manifestar-se pela dificuldade do professor em assumir ou expressar esta autoridade. Pode-se também, compreender a indisciplina não como comportamento agressivo, onde os alunos não fazem silêncio, não colaboram, mas sim no aspecto da desatenção, da não motivação e não interação com a aula caracterizando a indisciplina passiva. Este tipo de indisciplina se revela no cotidiano escolar quando os alunos querem “passar despercebidos” pelos professores não contribuindo para que o processo de ensino alcance êxito (VASCONCELLOS, 2004 p.95).

Nestes casos acima, a indisciplina indicaria a desvinculação do aluno com o currículo escolar, com o planejamento e organização da aula, com as condições de ensino e com a autoridade do professor (SIMON, 2009, p. 4659). Desta forma, para se compreender a indisciplina escolar é necessária a análise da relação professor-aluno e das influências externas ao qual se estabelece em sala de aula, local imediato da ação docente, e também de influências externas, como esforço para a compreensão do comportamento dos alunos e dos conflitos originados nesta relação.

RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO

 

Sendo para o professor uma relação profissional uma vez que este possui vínculo empregatício com a instituição escolar e para o aluno uma relação involuntária, devido à obrigatoriedade do currículo escolar, a relação professor-aluno torna-se conflituosa. Conforme Fernández Enguita (1990):

 “a escola é um cenário permanente de conflitos (…). O que acontece na aula é o resultado de um processo de negociação informal (…) entre o que o professor/a ou a instituição escolar querem que os alunos/as façam e o que estes estão dispostos a fazer.

As influências externas que interferem nesta relação são descritas por Sacristán (1999 p.69), no qual se refere ao “Sistema de Práticas Educativas Aninhadas” em que a prática profissional do professor e o processo de ensino-aprendizagem são condicionados, sendo estas influências provindas do: a) Sistema Social, b) Sistema Escolar, c) Escola e d) Sala de Aula. Contudo, vale pontuar a relevância de determinantes sociais que antecipam o momento da aprendizagem na sala de aula, dentro e principalmente fora da escola, como esforço para a compreensão da indisciplina escolar e assim buscar uma solução prática para direcionar esse comportamento.

A escola, assim como qualquer outra instituição dentro da sociedade capitalista, está para atender aos interesses dos grupos hegemônicos. Conforme afirma Giroux (1988 p. 9), a pedagogia foi reduzida a implementação de técnicas metodológicas em função da eficiência e gerenciamento do ensino.

Nesta perspectiva crítica, a educação está sendo conduzida a favor dos interesses econômicos de produção, ou seja, a transferência da lógica de organização empresarial para dentro da organização escolar causando reflexos nítidos na sala de aula como, entre outros fatores, as dificuldades da docência e a indisciplina dos alunos.

Nesse sentido, Sacristán (1998, p.18) corrobora a lógica de que a instituição escolar deve dar respostas ao sistema social e se empenhar em pelo menos duas grandes tarefas. A primeira é caracterizada pelo trabalho de socialização dos alunos na escola, preparando-os para sua futura inserção no mundo do trabalho e a segunda, a formação cidadã para sua intervenção na vida pública para que possa manter a dinâmica e equilíbrio nas outras instituições e normas de convivência social caracterizando o conformismo com a desigualdade inerente do sistema capitalista.

A vida em sociedade pressupõe a criação e o cumprimento de regras e normas para o bom funcionamento do sistema. Considerando essa lógica, a escola também deverá criar e implementar normas para o seu funcionamento (REGO, 1996 p.83). No entanto, é importante salientar que as regras e normas no âmbito social não são criadas democraticamente, servindo a interesses de uma minoria opressora, da mesma forma, as regras criadas para o ambiente escolar não são feitas em consenso com os alunos.

No entanto, a respeito da disciplina dos professores e alunos, Saviani (2008 p. 53-54), relata que os pais dos alunos das classes trabalhadoras compreendem que para aprender é preciso disciplina e exigem dos professores a garantia do aprendizado de conteúdos mais ricos caso seus filhos não sejam disciplinados para tal esforço, de modo que a ausência destes conhecimentos impossibilitará estes de participarem da sociedade.

Portanto, o presente artigo propõe uma reflexão sobre o direcionamento desta indisciplina, compreendida como manifestação prática do aluno e sua desvinculação com o currículo escolar, de modo a buscar a consciência crítica na desmistificação da realidade, ou seja, oferecer ao aluno por meio dos conteúdos ministrados em sala de aula, subsídios para compreensão da sociedade capitalista e suas contradições, objetivando a transformação social.

Também é válido salientar que em nenhum momento esse processo será conquistado sem um esforço docente no sentido de entender a realidade em que ele se insere, para que assim, por meio de suas ações e estratégias metodológicas, consiga mostrar ao aluno as barbáries do mundo atual atribuída ao modo de produção do capital[3]. Seria um processo de transformação do comportamento do aluno que FREIRE (1970 p. 88) coloca nitidamente em seus escritos:

Uma das questões centrais com o que temos de lidar é a promoção de posturas rebeldes em posturas revolucionárias que nos engajam no processo radical de transformação do mundo. A rebeldia é ponto de partida indispensável, é deflagração da justa ira, mas não é suficiente. A rebeldia enquanto denúncia precisa se alongar até uma posição mais radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente anunciadora. A mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho. (Ibid)

Portanto, ao adentrar em uma sala de aula, o silêncio por parte dos alunos é necessário, desde que estes não se portem como se fossem “mudos” (MELO et. al., 2007, p 83), mas que aos poucos o professor mostre que uma organização dentro de uma sala de aula que parta diretamente dos próprios alunos lhes darão bases e subsídios para se organizarem fora da escola, nas diversas instituições da sociedade para reconquistarem os poucos direitos humanos que ainda existem, começarem a repensar sua situação social de oprimido e considerar a necessidade de transformação do modo de produção capitalista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As diferentes abordagens teóricas buscam compreender os diferentes aspectos da indisciplina escolar analisando os fatores que influenciam no comportamento dos alunos. Nas condições atuais, esta reflexão ganha importância devido aos problemas e conflitos decorrentes da indisciplina, sendo apontada como um dos grandes fatores-problema no processo de ensino.

O presente estudo buscou a reflexão das diferentes análises sobre (in) disciplina, bem como os fatores externos que influenciam no cotidiano escolar, buscando apontamento teórico sobre a importância da disciplina como meio para organização dos alunos dentro e fora da escola, com o objetivo na desmistificação da sociedade de classes e suas contradições. Vale ressaltar que a escola, nesta concepção, não é encarada como a “salvação” da sociedade ou meio para solução dos problemas contraditórios, mas sim, um espaço onde o ensino mais direcionado pode, de modo inicial, dar base para a compreensão do mundo e, a longo prazo, proporcionar ferramentas para a transformação social. Este direcionamento se concretiza no ensino da forma de pensar e analisar os fatos em seu aspecto histórico, antes mesmo dos conteúdos a serem ensinados.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AQUINO, J. G. Indisciplina na escola, Alternativas Teóricas e Praticas. 6.ed. São Paulo: Sammus, 1996.

DOYLE, W. Classroom organization and management. In: Handbook of research on teaching. A project of the American education. 3ª ed. New York: Mac Millan, 1986, p.

FERNÁNDEZ ENGUITA, M. La escuela a examen. Eudema, Madrid, 1990.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.

GIROUX, H. A escola critica e a política cultural. 2ª ed. São Paulo: Cortez, autores associados, 1988.

MELO, F. M. et al . Indisciplina em Sala-de-Aula: Uma discussão sobre o conceito e suas implicações. Revista Terra e Cultura, nº 44, 2007, p.81-85. Disponível em: http://web.unifil.br/docs/revista_eletronica/terra_cultura/n44/terra_44-6.pdf. Acesso em: 09/04/2011.

REGO, T. C. R. A Indisciplina e o processo educativo: uma análise na perspectiva Vygotskiana. In: AQUINO, J. G. (Org.) Indisciplina na Escola: Alternativas teóricas e práticas. 11 ed. São Paulo: Summus, 1996. P. 101-127.

SACRISTÁN, J. G. Consciência e Ação Sobre a Prática como Libertação Profissional dos Professores. In: Nóvoa, A Profissão Professor. Porto Editora, 1999, p. 63-92.

SACRISTÁN, J. G.; PÉREZ GÓMEZ, A. I. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre Artmed, 1998.

SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação política. 40 ed. Campinas: SP, Autores associados, 2008.

SCHMIDT, L.; HOLZMANN, M.; CARVALHO, M. A. A disciplina na sala de aula: educação ou repressão. In: D’ANTOLA, A. Disciplina na escola: autoridade versus autoritarismo. São Paulo, EPU, 1989.

SIMON, I. Indisciplina e Autoridade na Escola. IX Congresso Nacional de Educação. PUC-PR, 2009.

 VASCONCELLOS, C. S. (In)disciplina: Construção da disciplina consciente e interativa em sala de aula e na escola. 15 ed. São Paulo: Libertad, 2004.

FORMA DE CITAÇÃO DO TEXTO:

FREITAS, Jafer da Silva; CRUZ, Murilo Saes da. (In) Disciplina Escolar e Fatores Sociais: Uma Reflexão. Revista P@rtes (São Paulo)… (dados sobre a edição e outros).

 

[i] Graduado em Educação Física (Licenciatura) pela Universidade Estadual de Maringá. E-mail: jafersf@hotmail.com

[ii] Graduado em Geografia (Licenciatura) pela Universidade Estadual de Maringá. E-mail: murilosaes@hotmail.com

[3] ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001. p. 15 – 119.

 

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