Entrevistas

Em nome da lei

Em nome da lei
Entrevista de Armando Coelho Neto
Por Marta Mendes Siqueira

 

Dr. Armando Coelho Neto é formado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, jornalismo pela USP e atualmente delegado da Polícia Federal.

Nascido em Recife de uma família humilde o Dr. Armando contou em sua entrevista no dia 05/05/2004 da sua difícil trajetória e conquista em lutar por um dos sonhos que hoje realizou.”Sempre estudei em colégio público e estudar com esforço é o único caminho para conquistar um bom futuro, não conheço outro caminho”. Diz o Dr. Armando.

Em sua entrevista ele mostrou em todo tempo seu esforço em conquistar cada meta e de que forma brilhante chegou a São Paulo, após ter passado em um concurso público para escrivão, depois Delegado da Polícia Federal, cada desafio vencido nos diversos lugares que foi transferido a trabalho como autoridade deste país.

Muitíssimo simpático esbanjando atenção e bom humor, o Dr. Armando mostrou grande carinho pelos universitários e o desejo de levar a cada um deles o conhecimento da sua luta pela legalização da rádio comunitária.

Em sua conversa relatou sobre suas palestras em todo o Brasil em busca de conscientização para que a lei implementada no país funcione. Mostrou também o interesse em passar alguns vídeos para os alunos.

Entrevista concedida a Marta Mendes dia 06/05/2004 no Sindicato do Delegado de Polícia do Estado de São Paulo na Avenida Ipiranga 1097 10º sala 102 

 

1- Em que situação está a discussão sobre a legalização da radio comunitária?

A solução continua pendente. As agências da Anatel foram fechadas em várias cidades e os processo ficaram acumulados. Com a eleição do Lula, Miro Teixeira criou uma comissão que elaborou um vasto relatório, propondo a reformulação da lei e anistia para as pessoas indiciadas e devolução de equipamentos apreendidos. O relatório foi praticamente ignorado. Os fechamentos continuam e os movimentos populares também. Eu diria que a situação é quase a mesma, embora mais recentemente a Polícia Federal tenha dissolvido o GRAC – Grupo de Repressão às Rádios Clandestinas. Este grupo era uma operação especial. Mas a repressão de rotina continua.

2- Por que não há mobilização por parte do povo, um movimento popular, se a rádio é para o povo?

O povo, em sua grande maioria, desconhece o movimento. Pelo contrário, influenciado pela propaganda terrorista da Abert – Associação Brasileira de Rádio e Televisão, o povo tem denunciado as pequenas emissoras. Mas vários segmento da sociedade está organizado e dirigido para este tema. Basta ver as incontáveis associações existentes, tais como Fórum Democracia na Comunicação, a Abraço, Amarc (Ass. Mundial de Rádios Comunitárias), sem falar nas associações locais.

3- Por que os políticos que lançaram mão da rádio comunitária no passado, hoje não as ajudam?

Como se pode observar, as forças dominadoras, as classes dominantes urdiram um mundo para eles há bastante tempo. Tudo o que vemos é a ponta de iceberg.

Basta ver um cidadão de boa vontade como o Lula, hoje virado pelo avesso. O Fernando Henrique mandou esquecer o que ele leu. O problema das rádios é político e não jurídico. Tudo que se vê, se assiste no Brasil está nas mãos de poucas famílias. Jereissati manda no Ceará, Sarney no Maranhão, Magalhães na Bahia e vai por aí­ afora. Eles controlam os meios de comunicação e os dados publicados em meu livro são estarrecedores. Com um país assim estruturado, não posso afirmar porque da mudança. De qualquer forma, existem parlamentares que até hoje são fiéis às suas origens.

4- Qual o seu verdadeiro motivo de lutar pela legalização da rádio?

Não acredito nas pesquisas que negam a influência dos meios de comunicação no povo. Não posso acreditar que um povo que não e que são se informa pelo rádio e tv consiga sair imune de uma programação marcada pela violência, alienação, estimulando o consumo sem haja uma contrapartida. É preciso que haja um canal alternativo. Por outro lado, as rádios estão prostituídas.

Vários artistas, inclusive os de discutível valor, estão á mingua de espaço.

Tem o problema da linguagem alternativa, a cultura da fraternidade estimulada por emissoras comunitárias. Tudo isso é esquecido. Não vejo saída na cultura. A verdadeira revolução cultural poderá vir através dela… Eu poderia discorrer longamente sobre isso, principalmente citando exemplos. Não sei o que passa na cabeça de um jovem estimulado ao consumo, ao desejo, sem a contrapartida a altura. Se isso desencadeia um processo de revolta, de violência eu não sei. Mas não pode fazer bem. Vem a cultura do corpo, da grife, tudo o mais. As pequenas emissoras podem oferecer uma contra-mola nisso tudo.

5- Como e de que maneira o professor José Carlos Rocha tem influenciado a sua vida em relação a radio comunitária?

Fui aluno do José Carlos na ECA. Eu vi o entusiasmo dele com a juventude que buscava espaço. Ele incendiava a galera e até hoje ele acredita nas rádios.

Infelizmente o movimento mudou muito, mas ele é um obstinado pelo tema. Não faço nada conscientemente influenciado por ele, mas sei que sou o resultado

de todas as experiências que vivi. Por outro lado, ele me incentivou e colaborou muito quando soube que eu estava trabalhando esse tema na Escola Superior do Ministério Público. Ele é uma fonte de consulta riquíssima, mas sempre trilhamos caminhos independentes.

6- O que o Doutor diz do fechamento da Rádio Tupi, apesar de ser legalizada ela é acusada pela AESP de atuar como irregular e de interferir através das ondas outras emissoras.

Não tomei conhecimento deste caso, mas posso afirmar que não há novidade nisso. Em São Paulo, pouquíssimas emissoras de radio, mesmo as grandes, são regulares. Interferência é conversa fiada num mundo moderno de hoje. Tudo é questão de ajuste…

7- De que maneira o universitário poderia estar cooperando para legalizar a rádio comunitária ou mesmo acelerar seu processo?

Não vejo solução fora da mobilização, da pressão. Atualmente está reaquecendo a febre das rádios livres e na medida do possível tenho incentivado, com base na liberdade de expressão, na autonomia universitária.

A universidade é espaço livre, é o centro da irreverência, desobediência.

Fazer ciência com dogmas, inclusive legais, sociais, religiosos é estagnar o conhecimento. Se você não pode pesquisar isso porque é feio, aquilo porque é pecado, isso por é isso… É sob esse mote da mudança, da mobilização que eles precisam se organizar. Uma rádio na universidade já é uma grande contribuição.

 

Marta Mendes Siqueira, é estudante de jornalismo

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