Reportagem

Violência nos estádios de futebol

Violência nos estádios de futebol
Por Eduardo Carmona Bota

Revista Partes – Ano V – janeiro de 2005 – nº 53

O debate em torno da violência nos estádios brasileiros começou exatamente no dia 23 de janeiro de 1992 durante uma disputa do mais tradicional torneio de futebol de juniores do País: a Copa São Paulo. As equipes do São Paulo F.C e do E.C. Corinthians Paulista disputavam uma vaga na final da competição.

O acanhado estádio Nicolau Alayon, localizado na Zona oeste da capital paulista era o palco da partida, estava lotado, o jogo era equilibrado e muito disputado; um autêntico clássico paulista, a partida foi para prorrogação, o São Paulo foi mais eficiente e marca o gol que lhe garantiria na final da competição. Alguns minutos depois, um estrondo assusta todo o abarrotado estádio.Um torcedor cai na arquibancada, abre-se um espaço vazio na torcida uniformizada Gaviões da Fiel. Era possível ver um torcedor caído, que leva as mãos ao rosto. Depois, o País descobriria que aquele torcedor corintiano se chamava Rodrigo de Gáspari, e havia sido atingido no rosto por uma bomba de fabricação caseira. Poucos dias depois, o Brasil acompanharia com enorme tristeza a morte de Gáspari no hospital das Clínicas. O garoto não resistiu aos ferimentos; tinha penas 13 anos de idade.

Muito pouca se descobriu sobre os autores do atentado.E a escalada de violência nos estádios Brasileiros continuou a partir da morte de Gáspari. Houve a batalha do Pacaembu em 1995, entre torcedores são-paulinos e palmeirenses, uma verdadeira” batalha campal”, onde torcedores enfurecidos se agrediram com “paus e pedras”, onde acabou com mais uma morte,o garoto Márcio Gasparim de 16 anos, morto a pauladas e com a destruição do interior do estádio Paulo Machado de Carvalho. Como não se bastasse estas mortes em maio deste ano, mais uma tragédia aconteceu, o torcedor do Corinthians Marcos Gabriel Cardoso Soares de 16 anos foi morto em mais uma guerra de torcidas organizadas, Marcos foi espancado por palmeirenses, na estação Barra Funda do metrô.Marcos não pertencia a nenhuma torcida organizada, ia para o estádio sem a camisa de seu clube, mas estava com alguns corinthianos, quando se deparou com milhares de palmeirenses onde houve o confronto e foi espancado. Foi levado para pronto socorro e liberado, no dia seguinte, mas passou mal e foi levado ao Hospital, não resistiu e morreu por causa de um traumatismo craniano. Até agora ninguém foi responsabilizado pelo assassinato do garoto.

O ministro dos esportes Agnelo Queiroz, disse em um seminário sobre segurança pública em Brasília, que o controle da violência nos estádios de futebol é uma questão que deve envolver toda a sociedade.

O estádio de futebol é um espaço democrático do esporte e deve ser preservado e fala também sobre o estatuto do torcedor, que fixam medidas para coibir a violência e a punição para torcedores que participarem de atos ilícitos.

Outra pessoa importante ligada a coibição da violência nos estádios de futebol, é o inglês John de Quidt, que é secretário executivo da Football Lisensing Authryt (FLA), órgão responsável pela reestruturação dos estádios ingleses, considerado um dos maiores especialistas no assunto. Quidt irá expor a autoridades brasileiras sua experiência no combate a violência na Inglaterra que será de suma importância esta troca de informações entre os dois Países.

Quando se começou a investigar sobre violência nos estádios de futebol de São Paulo, em 1994 o promotor de Justiça Fernando Capez se surpreendeu:15% dos integrantes de torcidas organizadas tinham antecedentes criminais. Só a mancha – verde, do Palmeiras, com 21 mil associados,havia cerca de 3.150 marginais infiltrados, disfarçados de torcedores.

Capez é um dos sete promotores que integra o grupo designado pela procuradoria Geral da Justiça do Estado São Paulo para enfrentar a violência nos estádios de futebol. O Ministério Público descobriu que muita gente ligada ao tráfico de drogas, roubo e latrocínio eram integrantes de torcidas organizadas.

Segundo a socióloga Heloísa Helena Baldy dos Reis, professora e pesquisadora da Universidade de Campinas (SP) e Doutora em Direito de segurança social, na Espanha, pesquisa sobre o assunto a dez anos, sob o enfoque das relações entre o futebol e torcedor.

Heloísa identificou que a agressividade do torcedor aumenta à medida que ele começa a perder identidades. ”O jovem com problemas familiares, excluído da escola de um sistema de atendimento público de qualidade identifica-se com outros excluídos,que encontram nas torcidas organizadas um interlocutor para extravasar os seus anseios.”

Para Heloísa Helena, a Espanha é o País que melhor implantou o tratado contra a violência, do conselho da Europa, de 1985. Para isso, o governo Espanhol criou a coordenação de segurança de alto escalão da Polícia Nacional.

Nesse processo, os clubes fizeram sua parte. Por exemplo, vendem até 95% dos ingressos antes do início dos campeonatos, graças a um rigoroso calendário. Assim eliminam os cambistas e guardam a identificação dos torcedores, facilitando encontrá-los em caso de tumultos, pois os assentos são numerados e um circuito interno de tv controla o comportamento do público.

Na avaliação da pesquisadora, o futebol é uma atividade de domínio privado, mas de interesse público. Por isso, a questão da segurança deve ser tratada com responsabilidade do poder público.

As tragédias no mundo causadas por assassinos e vândalos que se infiltram no futebol:

Março de 1946: 33 mortos durante um jogo entre Golton Wanderes e Wolverhampton, pela Copa da Inglaterra.

Maio de 1964: 300 mortos no jogo entre Peru e Argentina, no estádio Nacional de Lima.

Junho de 1968: No clássico Boca Jrs. e River Plate, em Buenos Aires, morreram 73 torcedores, após sinais de incêndio numa arquibancada.

Outubro de 1962: Morrem 60 pessoas no jogo Spartak e Haarlem em Moscou.

Abril de 1985: Juventus e Liverpool disputam o título europeu de clubes no estádio de Heysel, em Bruxelas. Os Hooligans transformam a paixão em fúria:38 mortos.

Maio de 1985: 52 mortos em incêndio nas arquibancadas de madeira do estádio de Bradford, na Inglaterra.

Junho de 1988: O palmeirense Cléo Sostenes é a primeira vítima da briga de torcida no Brasil.Ele é assassinado com dois tiros.

Maio de 1989: Em Sheffield, na Inglaterra, morrem 95 pessoas antes do início de Liverpool e Nottingham Forest, vítimas de estádio super lotado.

Janeiro de 1992: Morre o primeiro torcedor dentro de um estádio de futebol, Rodrigo de Gáspari de 13 anos,atingido por uma bomba de fabricação caseira,no jogo São Paulo e Corinthians, pela taça São Paulo de Juniores.

Agosto de 1995: Torcedores da Mancha – verde e Independente se agridem num jogo entre Palmeiras e São Paulo. Márcio Gasparím, morre após ser espancado a pauladas.

Maio de 2004: Morre torcedor corinthiano de 16 anos, Marcos Gabriel em confronto com palmeirenses na estação Barra Funda do metrô.

 

Entrevista com torcedor ligado a torcida organizada:

Fernando Ferreira, integrante da Gaviões da Fiel:

Eduardo: Você já se envolveu em brigas de torcidas?

Fernando: Alguns tumultos sempre acontecem, mas não procuro briga às vezes somos obrigados a brigar para nos defender.

Eduardo: O que você acha das mortes que vem acontecendo ao longo dos anos?

Fernando: Claro que não é legal, mas quem está nesse meio está sujeito a isto mesmo.

Eduardo: Então quem vai para um estádio assistir um jogo de futebol está sabendo que pode não voltar para casa?

Fernando: é.

Eduardo: E você acha isso normal?

Fernando: Normal não é , mas….. fazer o quê?

Eduardo: Você levaria seu filho a um estádio de futebol?

Fernando: Não tenho filhos.

Eduardo : E se tivesse?

Fernando: se não existe.

 

Eduardo Carmona Bota é estudante de jornalismo em São Paulo

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