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Metodologia Científica ou a dor e a delícia de aprender a ler e escrever na graduação

Metodologia Científica ou a dor e a delícia de aprender a ler e escrever na graduação
Por Josélia Gomes Neves
publicado em 13/02/2006 como www.partes.com.br/educacao/metodologia.asp

Resumo: O presente texto refere-se a uma reflexão elaborada a partir das experiências vivenciadas em função do desenvolvimento da disciplina Metodologia da Pesquisa Científica ministrada na educação superior. Trata de sistematizar importantes referenciais verificados ao longo deste processo no que diz respeito às relações de acadêmicas e acadêmicos com este campo do conhecimento. Pretende ainda possibilitar a avaliação da prática pedagógica, uma vez que os aspectos evidenciados poderão ser compartilhados e ainda se constituir em pistas valiosas para o aperfeiçoamento do trabalho docente, enquanto tematização da prática.Palavras-chave: Metodologia Científica, Práxis Pedagógica, Conhecimento Humano.

Josélia Gomes Neves Possui graduação em Pedagogia pela Fundação Universidade Federal de Rondônia (1989) – UNIR, especialização em Psicopedagogia (UCAM) e Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela UNIR (2004). Atualmente é professora assistente da Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Leciona no Curso de Pedagogia. Estuda e pesquisa na área da Educação e Alfabetização Intercultural, Educação Escolar em contextos indígenas, Didática Etnoambiental, Relações Sociais de Gênero/Currículo. Desde janeiro de 2007 é aluna do Curso de Doutorado em Educação Escolar da UNESP – Campus de Araraquara.
shiva.ro@uol.com.br

As propostas atuais de formação de professores e professoras (FREIRE, 1991; FERREIRA, 2003; PERRENOUD, 2000; CONTRERAS, 2002), vêm evidenciando a importância de se assegurar progressivamente nas instituições de ensino, locais específicos para aperfeiçoamento da prática pedagógica. Um dos referenciais proposto a esse respeito, é a formação continuada, que pode se viabilizar de várias formas, tais como: inserção docente em programas de pós-graduação lato sensu – as especializações ou strito sensu – relativo aos cursos de mestrado e doutorado, a instalação de grupos de estudo no local de trabalho, a participação em eventos relacionados à área de atuação – âmbito local ou nacional e outras situações em que o professor ou a professora tenha oportunidade de refletir sobre o trabalho pedagógico que realiza com os seus alunos e alunas.

Consideramos particularmente a tematização da prática – momento em que o professor ou a professora se debruça sobre o objeto de estudo em questão que é o seu fazer pedagógico no cotidiano da sala de aula. Pensamos que a reflexão formalizada neste artigo, se aproxima de uma situação em que o trabalho docente é analisado, indagações são respondidas e intervenções são produzidas. A atualização da prática pedagógica requer a construção de novos conhecimentos até para dar conta de responder e interpretar os desafios da realidade presente, mas há também que se considerar a permanente revisão destes saberes, o que está sendo satisfatório e o que é preciso mudar na reflexão sobre a prática. O parâmetro desta avaliação é sem dúvida a aprendizagem dos alunos e alunas, objetivo prioritário da tarefa do educador, da educadora.

Nesta perspectiva, nos propomos a compartilhar neste artigo, perguntas, considerações, desafios e desejos que vêm se manifestando em nosso fazer na sala de aula com discentes dos mais variados cursos, como Pedagogia, Direito e Administração. Temos muito claro que o desafio maior é o de organizar os saberes, na perspectiva apontada por MORIN (2001, p. 36), de que:

O conhecimento das informações ou dos dados isolados é insuficiente. É preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que adquiram sentido. Para ter sentido a palavra necessita do texto, que é o próprio contexto, e o texto necessita do contexto no qual se enuncia. Desse modo, a palavra ‘amor’ muda de sentido no contexto religioso e no contexto profano, e uma declaração de amor não tem o mesmo sentido de verdade se é enunciada por um sedutor ou um seduzido.

      Logo no início da disciplina, é de hábito, solicitarmos dos acadêmicos e acadêmicas que registrem por meio de uma produção escrita as suas expectativas quanto a disciplina Metodologia da Pesquisa Científica, os resultados desta consulta têm sido muito interessantes: manifestam o interesse de compreender a ciência, aprender a fazer pesquisa, melhorar suas leituras – conhecer novas técnicas de estudo, saber escrever bons textos e sobretudo, compreender melhor a teoria, entendido aqui neste texto como as redes lançadas para capturar aquilo que denominamos mundo: para racionalizá-lo, explicá-lo, dominá-lo. Nossos esforços são no sentido de tornar as malhas da rede mais estreitas. (POPPER, 1972, p.  61)

Nosso objetivo principal ao ministrar esta disciplina é o de apresentar instrumentos necessários para a realização de trabalho de pesquisa objetivando a construção do conhecimento dos acadêmicos e acadêmicas de forma a favorecer-lhes uma leitura e escrita mais eficiente, pesquisa e redação com embasamento científico elaborados segundo as técnicas da ABNT. Considerando as necessidades de aprendizagens postas, propomos como conteúdos a serem discutidos e apropriados, os seguintes: a importância da leitura, a ABNT e as NBR, as técnicas para elaboração dos trabalhos de graduação, as partes que compõe um trabalho dessa natureza, os métodos e técnicas, o trabalho de campo (SEVERINO, 2000), o projeto de pesquisa (GIL, 2004), o correspondente relatório de pesquisa, a produção do artigo científico, a resenha, fichamento e o resumo (MEDEIROS, 2003).

Discutimos a apresentação em portifólio das várias abordagens da pesquisa e que situação é mais adequada a sua utilização, como a pesquisa participante (EZPELETA; ROCKWELL,1986), pesquisa-ação (THIOLLENT,1994), estudo do tipo etnográfico (ANDRÉ, 1995) e história oral (BOM MEIHY, 2002). Elegemos como recurso metodológico para fazer a disciplina acontecer, a leitura prévia dos textos metodológicos, o debate e a produção escrita, a apresentação de trabalhos, a relação com outros temas de estudo das demais disciplinas, por meio de atividades individuais e coletivas.

Numa das atividades diagnósticas, observadas em uma determinada turma, a tarefa apresentada era: ler um texto, sublinhar palavras e expressões relevantes, fazer uso do dicionário para compreender melhor o vocabulário e esquematizar as ideias em um quadro proposto. A maioria dos/as discentes realizou a tarefa apresentando dificuldades comuns como: sublinhar excessivamente o texto, isto é, quase todas as linhas dos parágrafos, acabando por comprometer a validade desta técnica, outro problema referiu-se a esquematização das ideias que foram apresentadas, que foi de forma fragmentada – necessitando de mais dados para compreensão dos enunciados ou ainda informações muito extensas e repetitivas.

Outros problemas verificados diziam respeito aos erros gramaticais: a não acentuação das palavras, iniciais de frases com letras minúsculas, mistura de letras maiúsculas com minúsculas. Nossa intervenção foi no sentido de alertar para a necessária revisão do texto, durante e após o processo de produção, com vistas a importância de se fazer estes tipos de correções – esta situação trata-se de uma prática herdada na escola básica onde a concepção é de que o texto é feito para o/a  professor/a corrigir, quando sabemos que o produtor do texto deve ser também o seu revisor.

De posse destas informações, organizamos temáticas de estudo, no sentido de procurar ajudar os acadêmicos/as a ajustar seus conhecimentos com base nas contribuições da Metodologia Científica. Verificamos que neste percurso, de uma forma mais ou menos elaborada, já construíam procedimentos pessoais de estudo. Isso requer uma atenção por parte do/a professor/a no sentido de identificar como os alunos/as estudam, avaliando se os resultados de tais práticas são eficientes e de fato contribuem para a sua aprendizagem. Caso verifique inadequações – como alunos/as que sublinham todo o texto – então, é necessário fazer intervenções no intuito da adoção de procedimentos mais adequados. O que temos procurado viabilizar em nossas aulas é a criação de situações de aprendizagem que privilegiem a interação, através da realização de tarefas em pequenos grupos, atividades em sala com o nosso acompanhamento, e que sobretudo, levem em conta o hábito de localizar informações para resolver os problemas apresentados.

O conteúdo da disciplina Metodologia Científica pode ser classificado como conceitual e procedimental, uma vez que não basta memorizar as ações ou as normas da ABNT sem uma construção de sentidos, pois é preciso compreender sua lógica de funcionalidade, bem como, realizar as etapas – que comporta o saber fazer – para isso as condições de aprendizagem são: a reflexão sobre a ação que o sujeito está fazendo, a exercitação constante, é preciso fazer uso deste conhecimento com frequência e a descontextualização – saber aplicar em outras situações que se apresenta como necessidade (ZABALA, 2001). Tendo claro esta questão, que os/as alunos/as aprenderão a fazer, fazendo em um contexto pleno de significados, é que temos propiciado espaços onde os alunos e alunas, têm  oportunidade de realizar atividades num processo experimental a partir dos textos das outras disciplinas, como o exercício de sublinhar textos, produzir esquemas e resumos, montar um trabalho exigido na graduação considerando as normas da ABNT, entre outros.

Tradicionalmente o status da disciplina Metodologia da Pesquisa Científica nas faculdades brasileiras, têm se apresentado como uma carga horária correspondente a 40, 60 ou 80 horas avaliada como o suficiente para comportar todas as aprendizagens relacionadas ao conhecimento dos trabalhos em formato acadêmicos exigidos na graduação. Espera-se deste professor ou professora que ensine os alunos e alunas a qualificar sua forma de estudo – estudar cada vez mais e melhor, que ensine como fazer um resumo, fichamento, resenha, artigo, monografia, enfim, que num curto espaço de tempo os alunos aprendam tudo isso. Entendemos que há necessidade de considerar que o conteúdo de Metodologia Científica deve ser de conhecimento e domínio de todos os professores e professoras, pois se quero que meu aluno ou aluna produza um artigo, cabe a mim orientá-lo nesta tarefa e não responsabilizar única e exclusivamente o professor ou professora de Metodologia como se esta atividade fosse responsabilidade apenas dele/a.

O desenvolvimento progressivo das competências relacionadas ao ler e escrever que nossos alunos e alunas precisam dar conta de construir no percurso da graduação, não é objetivo de apenas uma disciplina ou de um professor, mas deve ser um compromisso de todos e todas que como Edgar Morin (2001), tem a compreensão que o conhecimento deve ser transversal. Muitos autores e autoras (ANDRADE, 2002) permanecem com a concepção de que a objetividade nos trabalhos científicos, só podem ser assegurados pela impessoalidade, o que nega expressões como o meu trabalho, eu penso, em nossa opinião – escritos na primeira pessoa do singular ou do plural.

Entretanto, essa orientação de cunho positivista que pressupõe como condição de cientificidade a neutralidade através do distanciamento na descrição e análise da relação sujeito e objeto, que acaba por isso mesmo negando o processo de autoria, vem ultimamente sendo revista e questionada, basta uma leitura na produção de dissertações e teses brasileiras mais recentes.

Considerações Finais 

      Avaliamos que muitas são as dificuldades de aprendizagem para os acadêmicos e acadêmicas na disciplina de Metodologia Científica. Seja em função da ideia equivocada que têm da pesquisa, considerando o modelo adotado na escolarização básica, a pura reprodução das fontes, ou mesmo por causa da prática insuficiente de leitura e capacidade de construção interpretativa. Entretanto, uma contribuição que avalio como fundamental nesta questão é o trabalho coletivo entre os docentes no sentido de fazer as regulações necessárias contribuindo para o avanço do saber em estudo.

Um dos grandes méritos desta disciplina, a meu ver, é a reflexão sobre a inconstância do conhecimento, pois permite a compreensão da necessidade do ser humano produzir perguntas e respostas relacionadas às dúvidas e questionamentos postos, objetivando a interpretação e a explicação da realidade, das coisas e dos fenômenos. Neste sentido, o conhecimento que hoje nós validamos, amanhã podemos refutá-lo, constitui-se num aspecto fantástico que se traduz na sua própria inconclusão do ser, na ideia do provisório. Isso nos remete ao campo da produção das explicações e das verdades. É comum os alunos e alunas terem um conceito de verdade absoluto, uma única referência. No processo de leituras e debates a desconstrução destas ideias, é algo que se torna inevitável.

Aprender e ensinar Metodologia Científica, não pode se limitar a uma atividade distanciada da práxis pedagógica, senão nosso papel em sala de aula será apenas o de exigir o cumprimento de normas que não compreendemos, bem como, solicitar dos alunos e alunas algo que não fazemos, como por exemplo, o exercício da reflexão escrita. Paulo Freire (1997) coloca que como docentes nós não podemos ajudar os alunos e alunas a superarem suas ignorâncias se não superamos permanentemente a nossa, pois não podemos ensinar o que não sabemos, o que não aprendemos. Que legitimidade temos, então de solicitar um artigo científico, quando não conseguimos escrever nenhuma linha, não temos intimidade com a publicação?  Questões como esta dialogam cotidianamente com a minha prática, interrogam o meu fazer e certamente tem me ajudado a ensinar melhor.

Referências Bibliográficas:

ANDRADE, M. M. de. Introdução à Metodologia do Trabalho Científico. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

ANDRÉ, M. E. D. A. de. Etnografia da Prática Escolar. 4. ed. São Paulo: Papirus, 1995.

BOM MEIHY, J. C. S. Manual da História Oral.  São Paulo: Loyola, 2002.

CONTRERAS, José. A autonomia dos professores. São Paulo: Cortez, 2003.

EZPELETA, J: ROCKWELL, E. Pesquisa Participante. São Paulo: Cortez, 1986.

FERREIRA, Naura Syria Carapeto. Formação Continuada e gestão da educação. São Paulo: Cortez, 2003.

FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.

____________ . Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MEDEIROS, J. B. Redação Científica: a prática de fichamentos, resumos e resenhas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.

POPPER, K. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1972.

SEVERINO, A. J. Metodologia do Trabalho Científico. 21. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. 6. ed. São Paulo:Cortez, 1994.

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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