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Tributo a Paulo Freire, o educador da liberdade

Josélia Gomes Neves

publicado em 13/02/2006

http://www.partes.com.br/educacao/paulofreire.asp

 

Josélia Gomes Neves Possui graduação em Pedagogia pela Fundação Universidade Federal de Rondônia (1989) – UNIR, especialização em Psicopedagogia (UCAM) e Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela UNIR (2004). Atualmente é professora assistente da Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Leciona no Curso de Pedagogia. Estuda e pesquisa na área da Educação e Alfabetização Intercultural, Educação Escolar em contextos indígenas, Didática Etnoambiental, Relações Sociais de Gênero/Currículo. Desde janeiro de 2007 é aluna do Curso de Doutorado em Educação Escolar da UNESP – Campus de Araraquara.
shiva.ro@uol.com.br

Resumo: O presente texto trata-se de uma reflexão por ocasião do falecimento do grande educador brasileiro, Paulo Freire, referência na formação de todos e todas que trabalham cotidianamente na perspectiva que a educação não é neutra e que numa perspectiva libertadora ela gera transformação. Explicita o sentimento da perda e paradoxalmente, anuncia a esperança como estratégia mobilizadora fundamentada nos escritos dialógicos do mestre pernambucano, um tributo. Uma homenagem.

Palavras-chave: Paulo Freire, Educação Libertadora, Possibilidades, Mudança.

 

 

 

Qual a herança que posso deixar? Exatamente uma. Penso que poderá ser dito quando já não esteja no mundo: Paulo Freire foi um homem que amou. Ele não podia compreender a vida e a existência humana sem amor e sem a busca do conhecimento. (1991, p. 140)

 

Uma das lições mais lindas que Paulo Freire nos ensinou, diz respeito as posturas que adotou ao longo de sua existência: a coerência entre o discurso e a prática, atitudes próprias de um verdadeiro construtivista. Se somos progressistas (…) devemos nos esforçar, com humildade, para diminuir ao máximo a distância entre o que dizemos e o que fazemos. (2000, p. 45). Seu amor pelas pessoas e particularmente pela escola pública – aquela que segundo o educador deve apresentar entre outras, qualidades, a seriedade, alegria e competência – foi demonstrado de muitas formas, seja na proposição de um jeito competente de alfabetizar pessoas adultas, vistas apenas como objeto de comiseração por parte do sistema escolar ou mesmo de atuar como um corajoso secretário de educação num governo popular de uma das maiores cidades do mundo, o que dá para supor o tamanho do desafio.

O compromisso incansável por uma educação que levasse em conta os interesses dos trabalhadores e trabalhadoras, constitui, a meu ver, o principal legado de Paulo Freire. Reflexões como esta, nos remetem à data-referência do dia 2 de maio de 1997, quando sua voz calou. Seria o último 1º de maio de um grande trabalhador. Por um tempo, o significado da perda, o silêncio, a saudade doída e aquele sentimento de que mais um dos aliados pela vida e contra a malvadez das estruturas, não estava mais entre nós, dialeticamente imobilizou educadores e educadoras, formados na escola do mestre pernambucano. Hoje avaliamos que se tratava de um luto necessário e, acompanhado de muitas reflexões, pois a possibilidade do diálogo permanece através de seus escritos.

A respeito desta perda, posso recordar daquele dia silencioso e triste. Era um final de tarde e dirigia-me para o Instituto Municipal onde ministrava aulas de História e Filosofia da Educação. Para isso, precisava “pegar” o ônibus da linha Tancredo Neves e assim chegar até à escola. Como de costume naquele horário estava lotadíssimo; eram crianças retornando do colégio, trabalhadores e trabalhadoras voltando de mais um dia exaustivo de atividade e tudo isso em meio a muito suor com pouco espaço para quase nada, a ponto de impossibilitar a locomoção dos passageiros/as.

Dentro daquele ônibus, olhando para o rosto das pessoas, o que via era uma gente cansada, que me fazia pensar no quanto a miséria degrada e reduz o ser humano. Nisso, senti algo gelado na parte detrás do meu joelho. Foi quando verifiquei que tratava-se de um senhor que segurava numa sacola de plástico dois frangos congelados e, como não havia espaço, a razão da pressão. Aquela situação incômoda perdurou até eu chegar na escola.

E não sei se pelo desconforto ou mesmo pela tristeza em que me encontrava, o fato é que desabei a chorar, constatando na pele que a pobreza machuca e agride a nossa dignidade. Lembrava que Paulo Freire denunciava as estruturas responsáveis por gerar e manter este estado de coisas, cujo resultado mais imediato é o efeito negador da vida plena.

E o que alimentava ainda mais o meu pranto era a desalentadora sensação de me sentir sozinha com algo tão multifacetado e gigantesco traduzido por aquela situação. A posição fatalista que empresta a este ou aquele fator condicionante um poder determinante, diante do qual nada se pode fazer. (2000, p. 55).

Chorei muito e por muitas razões: pelas crianças que apostam na escola todos os dias e cujos resultados são tão decepcionantes; pelos rituais de exclusão que a escola teima em manter; pelo despreparo docente. Enfim, chorei pela minha inércia, pela minha incapacidade e mais ainda porque aquele lamento era imobilizador. Mas, naquele dia, a aula foi bem diferente: Sou professor, a favor da esperança que me anima apesar de tudo (1996, p. 103). As ideias de Paulo Freire foram de uma grande inspiração, até porque os alunos e alunas estavam lendo um de seus livros, Pedagogia da Esperança: Não entendo a existência humana e a necessária luta para fazê-la melhor, sem esperança e sem sonho. (1993, p. 10), o que contribuiu para o entendimento de todos e todas nós, de que a Pedagogia Libertadora é possível, principalmente quando educamos e sensibilizamos o nosso olhar.

Nesta perspectiva, um olhar acolhedor para os educandos e educandas acreditando na sua capacidade de aprender, um olhar crítico para as estruturas com a compreensão de que aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos seus opressores” (1988, p. 30) e, um olhar voltado para nossa prática, que precisa ser reinventada cotidianamente, sabendo que “é na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente”. (1996, p.64).

Portanto, a meu ver, o pensamento provocativo de Paulo Freire, nos estimula a continuar lutando por uma escola inclusiva, de feição mais humanitária, que efetivamente se constitua em um espaço de produção e socialização do conhecimento, na perspectiva que movia o saudoso educador, a da esperança ” não por pura teimosia, mas por um imperativo existencial e histórico. (1993, p. 10).

Referências Bibliográficas:

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.

__________. Educação na Cidade. São Paulo, Cortez Editora: 1991.

__________. Pedagogia da Esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

__________. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

__________. Pedagogia da Indignação. São Paulo: Editora Unesp, 2000.

 

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