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A ação dialógica do docente contemporâneo na construção da identidade do sujeito – Parte 2

Por José Henrique Manhães Neves

publicado em 18/07/2006

Continuidade de <http://partes.com.br/2006/07/15/a-acao-dialogica-do-docente-contemporaneo-na-construcao-da-identidade-do-sujeito-parte-1/>

 

  1. TERRITÓRIOS EM AÇÃO 
José Henrique Manhães Neves é graduado em Letras pela UFRJ. Especialista em Orientação Educacional pela UCAM. Docente de Escola Pública e do Ensino Superior e Pesquisador em Educação de Jovens e Adultos

A escola é uma das expressões mais conhecidas da cultura, mas parece ser a menos compreendida tanto pelos governantes como por aqueles que a frequentam.

No contexto do poder dir-se-á da escola como aquela que reflete de alguma forma as possibilidades e limitações de todo cidadão. Neste sentido, a escola deve ser um sistema social que admite na sua composição interna a formação de subsistemas de uma mesma índole.

Considerando-a como sistema não pode se negar a sua complexidade e ao mesmo tempo reconhecer que uma de suas características é de promover embates, discussões. Essas discussões decorrem da interdependência de seus componentes. Professores e alunos não são simples participantes; muito pelo contrário, são seres sistêmicos e complexos dentro de um sistema chamado escola e sala de aula.

E a sala de aula, posta como um espaço situa-se como uma alternativa para estar. A sala de aula, nesse sentido, partilha a categoria da espacialidade com outros espaços, mas a forma de sua ocupação cria especificidade. Portanto, não basta a existência possível de sala de aula para que se torne sala de aula. Tal como um cenário, ela não se basta para que um enredo todo se desenrole.

Da sala de aula resta analisar o que lhe é essencial, isto é, o que sem o qual deixa de ser o que é. Ao mesmo tempo, a sala de aula pode ser deslocada para lugares os mais diversos possíveis, pois sua atividade essencial extrapola limites físicos.

Historicamente a sala de aula foi e tem sido localizada no perímetro da escola. Dificilmente se consegue pensar em sala de aula separadamente da escola e vice-versa. A escola constitui-se o espaço social que procura garantir minimamente o tempo para a sua ocupação. Cabe lembrar que a palavra escola deriva do grego e significa lugar de ócio.

Formalmente, a sala de aula é ocupada pelas figuras do professor e do aluno. O encontro ou desencontro entre estas figuras confirma a diferença como elo que os relaciona. Relacionar-se pela diferença significa afirmar o outro, a alteridade. Afirmar o outro é afirmar o próprio eu, pois o reconhecimento do eu passa pelo reconhecimento do que é distinto, diverso.

No entanto, deve-se perguntar, por que reconhecer o outro? Tudo é sempre o mesmo! Foucault (1980) diz  que os olhos que são feitos para ver não vêem e somente vêem quando são vistos. Lidar com o desconhecido é extremamente desconfortável por isso o eu compreende esforços para enxergar e compreender o outro. O próprio pensar, a mínima consideração sobre a realidade, desdobra o eu num outro, numa distinção e ao mesmo tempo, a identificação não é absoluta, pois um desaparece no outro. Portanto, o eu já é um outro e este já é um eu. Como também diz Hegel (1992) “o ser em estado puro, indeterminado, equivale ao nada”.

O outro é a completude do eu.  E se assim não for a relação acaba por se desfazer. Por isso o outro permanece um desconhecido, aquele que deve ser buscado sempre. O que se faz amante do outro é perceber o outro em nós. Afinal, amante é o que se tem para oferecer. É o que antigamente se chamava de Particípio Presente na Língua Portuguesa. É o continuar da ação, do fazer e fazendo-se, o outro se faz. E o que se deseja é o que o inesperado promova a ação do amante que se faz. Ele é a diferença do que se estabelece, do oficial, enquanto amantes. Ele, o amante faz com que descobertas sejam descortinadas, se apresentem como fato novo, como o ser de experimentações novas. Assim é a relação com o outro no sentido de redescobertas, de aluno, de professor. Assim é o espaço da escola em todas as suas dimensões.

Como afirmado até o momento o outro precisa ser levado em consideração,  mas isso não deve ser tomado como se o outro fosse o eixo da relação. Cabe mencionar aqui que o outro não é lugar de perfeição, mas como pensa Marques (2003: 58) “(…) os indivíduos são capazes de se constituírem em sujeitos, na medida que esses se percebem como parte de um coletivo, porque o sentido se concretiza no outro”. Nesse sentido a completude entre o eu e o outro não é de mero acoplamento, posto que não se trata de seres divididos que buscam no outro sua metade. E a sala de aula é a relação entre o professor e o aluno. Um encontra no outro sua identificação e, concomitantemente, sua negação, pois o professor pressupõe o aluno e vice-versa. O professor nega o aluno porque este necessita ir além do que é para tornar-se realmente o que é. O aluno, por sua vez, nega ao professor o perfil do que ensina para cobrar-lhe a aprendizagem, posto que o desconcerto provocado exige um novo olhar sobre o outro, o aluno.

Assim sendo, resta ao professor perceber a experiência do aluno, provocando o reconhecimento dele pelo próprio aluno e a realização mais consistente de sua elaboração.

O professor, obviamente, não é a única mediação possível, às vezes, nem a melhor, mas é um momento da relação e muito privilegiado porque está aí para o outro. Nietzsche sugere que aquele que pretende estabelecer uma relação com alguém tem que se perguntar se é capaz de conversar com esse alguém por algum tempo. Conversar exige atenção à fala do outro. E a sala de aula enquanto espaço de encontro é local de desafios, posto que é isso que resulta do estar com o outro. O ato de estar junto deve ser investigado segundo o que possa ser mais do que é. Por isso, professor e aluno necessitam estar constantemente aos ritmos dos atabaques para não calcificar o próprio ser e inibir outras possibilidades.

Trata-se de um encontro entre humanos e, talvez, precisamente devido a isso, tenham-se desencontros. Ser professor e ser aluno, estar na sala de aula e manter a ação dialógica pede apreciação no que se pode neste espaço.

  1. (DE) MARCANDO AS REFLEXÕES 

O exercício de pensar e discutir o ensino e a ação dialógica para desenvolver a prática pedagógica é desenvolver a educação, dentro e fora da sala de aula, ao desafio do diálogo e criar métodos e meios para que ela se realize como uma relação, dentro de ritos proveitosos em que a troca seja a norma. Podemos dizer, nesse sentido, que a realidade da existência humana é a experiência da relação. Acredita-se que essa relação pode ser descortinada em todos os momentos do fazer pedagógico e do pensar a prática docente.

Em PALOMAR, encontram-se argumentos para essas constatações: “Não podemos conhecer o nada exterior a nós se sairmos de nós mesmos. (…) O Universo é o espelho que podemos contemplar só se tivermos aprendido a conhecer em nós”

Em Giroux (1997:159) fundamentam-se as concepções de docentes que se colocam como interlocutores. Concorda-se, sobretudo, em aprender a levantar questões acerca dos princípios que subjazem as teorias da educação em vez de aprender o “como fazer” o que muitas vezes é requerido na formação do docente. Há que se privilegiar a reflexão sobre os problemas escolares, sem ditar normas, cartilhas ou modelos. Há que se privilegiar, como argumenta Giroux (1997: 163) o desenvolvimento de uma linguagem crítica atenta aos problemas relacionados a prática de sala de aula .

O olhar neste trabalho, numa intenção de pesquisa qualitativa, foi de buscar os ecos dos sons e os ritmos do discurso docente e discente analisado com uma perspectiva de quem está dentro também do mesmo universo retratado. Aqui voltam os sons e os ritmos: o pesquisador pesquisa sua própria ação e as possíveis mudanças que elas provocam.

A opção foi por uma pesquisa qualitativa exploratória (Bell, 1997) mediante entrevistas em profundidade, com o auxílio de um roteiro não estruturado, com abordagem direta e pessoal que foi inserida na categoria “não convencional” exposta por SOARES.

Durante o desenvolvimento da pesquisa, foram registrados as memórias, ações, exercícios, expressões verbais e escritas de trabalhos dos professores.

Da leitura das memórias do docente retirou-se categorias em um outro processo simbólico: que são os signos verbais e toda a sua representação semântica.

Em relação aos alunos, extraiu-se das memórias dos depoimentos, dos trabalhos e das atividades diversas em aula, dentre outras, as seguintes categorias que enriqueceram esta pesquisa sobre a ação dialógica: criatividade, convivência na diversidade, educação, transformação, relações interpessoais, contextualização, inteligência emocional e sala de aula como espaço de convivência.

Para dialogar com os dados anteriores foi realizado um mapeamento de duas escolas públicas. Uma, situada no Parque São Vicente, Belford Roxo, Escola Estadual Alice Paccini Gélio e a outra, Escola Municipal Golda Meir, no turno noturno como colégio estadual, situada na Avenida Sernambetiba 3300, dentro do Condomínio Barra Mares. Sua clientela é separada por três  vias: Linha Amarela e Linha Vermelha e Durta. Separam-se também, nesse sentido, a fartura, os privilégios, o mar, areia da praia, a brisa, o vento, os carros importados, os condomínios de luxo, as novas tecnologias, o desjejum, o almoço, o café da tarde e o jantar. Também são separadas pelas ruas enlameadas, pelas praças que não existem, pelas áreas de lazer que nunca saíram do papel. As escolas se separam pelo descaso do poder público, pelo menino que é órfão e por todos aqueles que não têm voz. Uma de frente para o mar e a outra de frente para o descaso das autoridades. Mas as duas escolas gritam pela igualdade, seus sons ecoam nos lugares mais longínquos do Universo. As duas sabem das travessuras dos Fundef’s e da sodomia do Banco Mundial. As duas têm gente querendo chorar, rir, comemorar, bater palmas, tocar tambores, afoxés, agogôs. Os dois espaços são assim: sabem o que é politicamente correto. As duas são co-irmãs dos afagos e desabafos dos professores, por vezes indignados e cansados destes aparthaids que ainda são comuns na sociedade brasileira. Na Escola Estadual Alice Paccini Gélio, que fica a sessenta e dois quilômetros de um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, bairro classe Média Alta da capital do Rio de Janeiro, foi entrevistada a Professora Verônica de Araújo Ozório e foi perguntando o que ela achava sobre o diálogo travado entre o professor e o aluno em suas práticas pedagógicas. Ela diz assim: “(…) o diálogo é fundamental, pois através dele o professor conhece as necessidades do aluno e assim ele pode realizar o processo ensino aprendizagem de forma eficiente”

E diz mais: “(…) através das experiências vividas em sala de aula constato que as práticas educativas terão um efeito muito maior no processo se houver uma  interação entre professor e aluno”

Evidencia-se na fala da docente Verônica de Araújo Ozório uma proposta dialógica que perpassa pela mediação e interação com o outro. Neste processo percebe-se que a ação dialógica, que também dá corpo ao conhecimento, é a relação na qual os sujeitos  se completam e se harmonizam,  estando a verdade    precisamente, na interação entre eles.

Sobre a “vida” e sua condução foram entrevistados também alguns alunos da Escola Golda Meir e mostrou-se pertinente o que se lê abaixo. É um depoimento da aluna Rosineide Alencar. O que você acha da escola e qual contribuição que a escola tem para sua vida?

“Minha vida é meio que um conto. Mas não é de fadas, não. Um dia tô feliz, outros dias estou triste e as vezes mais ou menos. Acho que a escola não representa tanta coisa. Eu não vejo ela modificar a minha vida. Quando estou triste tento pensar o que fiz na escola para ver se eu me alegro mas a primeira lembrança é a hora do recreio”

 

E as pinturas na classe. As aulas de desenho?

“Ah, essa até é boa. No desenho, às vezes eu conto algumas coisas que eu não falo pela boca. Quando estou triste eu coloco no desenho, quando minha mãe briga comigo eu também coloco e quando minha professora também briga aí é que eu fico mesmo triste”

 

Neste fragmento, fica evidenciado que o conceito de escola e suas contribuições não ficam muito claros. A estudante fala de sua vida, de suas tristezas, mas não comenta como a escola poderia dialogar com suas angústias.

É necessário, educadores e sociedade, criar um espaço de discussão que tente encontrar o significado de alguns conceitos na busca de esclarecer o sentido de que se adquire na escola e na família.

E professora Gislane de Fátima do Carmo da Escola Estadual Alice Paccini Gélio também enriquece esta pesquisa quando diz:

 

“ (…) uma educação de qualidade só se constrói no diálogo, na busca de soluções em conjunto, através de discussões coletivas que levem a um posicionamento crítico diante de um tema. Dialogar com o aluno é não ter medo de atuar ‘no campo das emoções’ pois esse entrosamento favorece à auto-estima  do aluno, constituindo um poderoso instrumento para a aprendizagem e o sucesso escolar”.

 

Entende-se, a partir da fala da docente, que para o sujeito se constituir é preciso que esteja num contexto de palavras. Para que se construa a subjetividade, é imprescindível entrar “no campo das emoções”, uma vez que o psiquismo humano transcende o real. Até onde as palavras alcançam é o campo do outro.

Se o jovem depende que nele alguém projete um ideal, face uma idealização, na escola o aluno depende que o professor nele projete um ideal, aposte algo sobre a sua aprendizagem. É salutar quando professores acabam investindo na capacidade de um estudante ir além do que eles próprios puderam ir. Nesse sentido o professor consegue direcionar vários alunos para o campo do conhecimento por causa da sua relação com esse conhecimento. O aluno fica implicado do ponto de vista do seu desejo, da sua história.

Do mesmo colégio vem uma contribuição valiosa da aluna Antônia Amérita  Araújo Oliveira. Ao responder o seguinte questionamento:

  _ Os professores da sua escola dialogam com você. Isto é importante?

Ela responde:

 “Nem todos. O diálogo seria importante, mas infelizmente não acontece e isso prejudica um pouco o desempenho escolar do aluno. Do meu ponto de vista, isso não me prejudica muito, pois tenho um bom desenvolvimento com os professores mas para outros alunos isso é muito prejudicial. Além do ensino fundamental das matérias, os alunos precisam do diálogo com os professores, pois isso é algo que trás facilidade ao estudante no compreendimento do estudo, não só com a matéria mas também na forma de se comunicarem  com o mundo”

 

E em outro questionamento.

 _ Qual o sentido da escola para você ?

 A estudante Antônia Amérita respondeu:

“Fundamental. É uma das primeiras portas a serem abertas na minha vida, pois, é com o estudo que conseguimos conhecer e aprender algo que a vida pede a nós. Não só nesse sentido, mas também me ajuda a reconhecer e me ajuda  a me dar melhor com que eu vou precisar no futuro”

 

O “conhecer e aprender algo que a vida pede a nós” é uma fala perfeita para ensinar e sinalizar que o mundo  e a escola são tarefas bem mais complexas do que há tempos , seja ainda pela manutenção do antigo paradigma, ou seja, em particular, pelo papel atual da escola como espaço de fomentações.

Neste cenário os educadores da rede precisam e têm de lidar, concomitantemente com diferentes desafios.

A estudante Antônia Améria, o que é corroborado por esse pesquisador, acredita que apesar de todas as dificuldades que as escolas públicas passam, a busca de uma ressignificação tem que vir como desafio para se pensado coletivamente, ou seja, juntos e conectado a proposta da estudante em projeto de vida, projeto pedagógico e projeto de sociedade de modo que os estudantes possam reconhecer este espaço como um local não somente de notas, conceitos e conteúdos, entretanto, um local também no qual possa ser discutida a liberdade de escolha, de ação, do gostar ou não deste espaço chamado escola.

Prosseguindo com as entrevistas, recebeu-se a contribuição da professora Auriane de Castro, também docente da mesma escola da Baixada Fluminense exercendo suas atividades pedagógicas na disciplina de Geografia. A pergunta foi a mesma da primeira professora entrevistada. Ela diz assim como resposta:

 

“Sinto necessidade de estabelecer com meu aluno uma relação de gente para gente, com toda  complexidade que esta relação implica. Lidar com gente é difícil; às vezes, acontecem alguns embates próprios da convivência com o outro, e , é preciso alguns cuidados para que não haja ressentimentos e desavenças. Acho indispensável estabelecer elos, laços; penetrar e ser penetrada pelo  que me caracteriza como gente e pelo o que faz do meu aluno gente, é o que me realiza  como alguém que acredita na parceria, não se vê como modelo, nem dona da verdade, muitas vezes até, precisando refletir bastante sobre como encaminhar algumas questões que no relacionamento aluno professor surgem, precisando de resposta ou questões que sinalizam para áreas que fogem ao meu controle”.

 

Neste depoimento Bakthin, Certeau, Malcher, Marques, Morin e Vygostsky trazem várias contribuições. Entre outras, a de que o sujeito se constitui na dialética das relações sociais.

As relações humanas criam, transformam e administram sempre espaços heterogêneos entre si. Um bate papo pode ser considerado construção em si. Todos os dias estes espaços são vividos, pois nascem das interações entre pessoas, grupos, etc…, surgem subjetividades nascidas das relações interpessoais, que crescem e transformam-se. Para tanto, não se pode perder de vista a formação do educador. Educa-se pelo que se é. Ninguém consegue educar quando existe uma dicotomia entre discurso e prática. Padre Vieira já falava que palavras sem exemplos são tiros sem balas.

Continuando a entrevista a professora Auriane de Castro ainda tocou em pontos muito relevantes. A docente continua, falando:

“O conteúdo tem personalidade, a personalidade de quem o está passando, não é neutro. Conteúdo programático este, que é inócuo se não estiver marcando a convivência que o professor e o aluno estabelecem no processo ensino aprendizagem, fazendo as pessoas envolvidas nesse processo serem melhores como pessoas no seu dia-a -dia. Caso contrário, para que serve! Quem e não o que é que importa na apreensão do conteúdo escolar; para que  e por que deve o aluno aprender o que a escola ensina! Sendo conteúdo por conteúdo, não vai fazer os agentes envolvidos crescerem como pessoas, muito menos vai criar vínculo de amizade, solidariedade… não fará do professor que é gente, e do aluno que é gente seres complementares”.

 

Em face do exposto esta fala remete a questão de currículo. Com vistas que a visão emergente de mundo e de pessoa possa ser traduzida no desenvolvimento curricular da escola, é necessário todo educador ter atenção ao que o currículo pode proporcionar. A professora Auriane com sua fala remete a uma postura pluralista, não dogmática que conduza os alunos e professores a uma atitude aberta para com as diversas abordagens do conhecimento, sem prepotência, de modo a manter acesa a chama da curiosidade e interesse do aluno pela escola, ao fazer cair viseiras e posições apriorísticas ligadas ao paradigma dominante.

Há a necessidade das relações das partes que integralizam o todo. Eis a questão do currículo. É a partir da integralização que se dá a complexidade que se explica pelos múltiplos aspectos influentes no processo do pensar.

Para dar continuidade a reflexão é preciso ressaltar as palavras de Certeau (1993:19):

Ao mesmo tempo em que a escola perde suas forças próprias, uma grande parte da opinião reclama dela  a solução  de dois dos mais graves problemas da sociedade contemporânea: uma redefinição da cultura, a integração da juventude.

Uma instituição ou educadores que preparam jovens e que os impõe determinados sistemas como mais corretos em detrimento de outros certamente estará reforçando a atitude dogmática hoje vigente em alguns espaços e em conseqüência estará preparando os jovens para repetir modelos fechando-se a tudo o que se enquadrar às referências do espaço. Em decorrência, estar-se-á cerceando a busca, a progressão, impedindo o crescimento da ciência e o encontro de outras ou de novas explicações para os problemas existentes.

Continuando a entrevista com a professora Auriane de Castro , ela continua:

“Sinto necessidade de estabelecer uma correspondência biunívoca, passando e recebendo a bola; como num jogo de futebol que ninguém é dispensável, a vitória não é de um jogador, é do time. Neste contexto, o professor é um no processo ensino aprendizagem, sendo cada aluno tendo que ser inserido, conduzido a perceber a sua importância no processo. Quero ser importante não pelo conteúdo programático que sei um pouco mais do que eles (e, que eles podem vir a saber mais do que eu),mas pelo que construo na relação que se estabelece no processo ensino aprendizagem. O conteúdo que levo para os alunos só tem sentido se na prática objetivam o sucesso num exame seletivo (claro!), mas também se representar o aprimoramento humano. Para mim não tem sentido passar tanto tempo com o aluno, compartilhando só de um espaço geográfico-físico, nada acrescentando e, em nada sendo acrescentada; não há emoção! Máquina que é assim, justifica a que veio sendo eficiente na sua função e apenas isso traça a sua importância. Sou gente, meu aluno é gente e é com gente que nos fazemos gente! O professor “conteudista” está pronto para ser substituído pelo robô, pelo computador, já que só tem importância pelo conteúdo  que carrega armazenado em sua memória; nego-me a ser esse professor. Aliás,  por estar precisando mais do que a escola lhe oferece, esse aluno está desestimulado, não há sentido em aprender por aprender, sem nada que o envolva, o emocione. É assim que penso minha relação diária com meu aluno, acreditando que nenhuma máquina pode me substituir, porque o conhecimento que trago armazenado na memória é só um item; busco ser referência para além do conteudismo”

 

Entende-se, que é sob este prisma também se coloca o trabalho de Morin. Quando se diz: existo, não se quer dizer com isso que alguma coisa é dona ou possuidora do eu, mas sim que o eu faz parte e está intimamente  envolvido com uma realidade maior  do que o eu mesmo. Esta complexidade  permiti que o educador compreenda as teias das relações existentes entre todas as coisas . Trata-se, porém, de uma mudança de mentalidade , que o educador percebe que transformando a sua prática renovar-se-á para  um caminho multidimensional para além do conteúdo e das aulas tradicionais. A relação dialógica, neste sentido, a partir da entrevista da docente, produz condições para que esta prática renovadora e autônoma possa se solidarizar com outras e outros companheiros de formação da educação.

A fala da docente, dialoga com a afirmação de Morin ( 1993: 77):

(…) a agonia planetária não é só a soma de conflitos tradicionais de todos contra todos, mas as crises de diversas espécies, mais o surgimento de problemas novos sem solução, é um todo que se nutre desses ingredientes conflituais, de crise e de problemas, englobando-os, ultrapassando-os e, por sua vez, alimentando-os(…)

Na relação dialógica, o ser humano desenvolve-se e organiza-se, transformando-se. Como sujeito participa de seus grupos sociais, de sua cultura, têm sentimentos e sente a necessidade de expressá-los, porque é gente, humano. Nesta relação, a transdisciplinaridade surge como maneira de romper com os limites entre as disciplinas, que fragmentam o saber e a visão de educadores e alunos. A consciência reflexiva de si e do mundo implica uma necessidade de mudança diante da vida.  Morin (1993:100), nesse sentido, afirma:

O problema da complexidade joga-se em várias frentes, vários terrenos. O pensamento complexo deve preencher várias condições para ser complexo: deve ligar o objeto ao sujeito e ao seu ambiente; deve considerar o objeto, não como objeto, mas como sistema-organização levantando os problemas complexos da organização. Deve respeitar a multidimensionalidade dos seres e das coisas. Deve trabalhar-dialogar com a incerteza, com o irracionalizável. Não deve desintegrar o mundo dos fenômenos, mas tentar dar conta dele mutilando-o o menos possível.

Abaixo, foram lançadas perguntas ao aluno Vínicius Albuquerque França da escola Golda Meir. Torna-se interessante visualizar as repostas.

– Qual a contribuição da escola em sua vida? Ele responde que :

“A escola me serve para eu ser alguém na vida”

-E o que é ser alguém na vida?

“É saber ler, escrever e falar bem também.”

– E através do voto, você pode contribuir para mudar a sua vida?

“Sim, eu tendo consciência do meu voto e votando certo, a escola pode mudar, os professores também, a família e eu também.”

Esta fala também permite apreciar a função da escola ou do espaço escolar. Entende-se que a posição do estudante Vinícius não é neutra. Este estudante também pode ser sujeito transformador. Pode contribuir na formação de si mesmo, de seu cotidiano, de sua história e na história da sociedade, individual ou coletivamente, desde que na prática político-epistemológica da escolarização se oportunize o transformar-se, o ser transformado e o transformar simultâneo do contexto social, econômico, cultural em que está inserida. As microrelações poderão surgir como toda e qualquer relação estabelecida pelo sujeito. Pelos sujeitos. Pelos excluídos. Aqui se estabelece o saber poder de Foucault.

A Professora Maria Helena Gomes Rodrigues de Paula, exerce suas atividades didáticas na mesma escola da Baixada Fluminense, lecionando a disciplina de Matemática. Foi perguntado o que ela achava do diálogo travado entre professor-aluno em suas práticas pedagógicas. Ela diz assim: “O diálogo dá oportunidade aos alunos de mostrar até que ponto eles são capazes de formularem conceitos e melhorarem na participação das aulas.”

O lugar da sala de aula valoriza indivíduos como representantes bem caracterizados de constituição e formadores de identidade. Os conceitos, em sala de aula, podem ser constituídos a partir do outro ou constituindo-se de si mesmo. Observem quando a docente diz: “eles são capazes de formular conceitos…” Essa intencionalidade pressupõe a possibilidade de contribuição da educação da escola, da Professora Maria Helena de Paula à transformação da sociedade.

Assim posto, em um exercício de sintetize, pode-se considerar que aula e sala de aula podem ser compreendidas, como locais ou diversos locais, quaisquer que sejam, onde ocorre uma relação de aprendizagem e desenvolvimento recíproco entre sujeitos ou múltiplos sujeitos.

A aluna Maria Leonídia dos Santos da escola Golda Meir deu, também,  sua contribuição:

Qual a diferença entre escola e família?

A estudante afirma que: escola é onde se aprende e família é onde se vive”. Ao questionamento foi perguntado se poderia ser ao contrário, ou seja, que a escola é onde se vive e a família é onde se aprende! Ela respondeu objetivamente que “sim”. Em seguida ao questionar a mesma aluna, na tentativa de criar dúvida, foi perguntado se a escola e família (se ela concordava) ser local de vivência e aprendizado? Ela, sem ponderar, riu e respondeu: “Se eu aprendo na escola é porque eu vivo nela e se eu vivo em casa também aprendo nela”.

No primeiro momento de sua fala, Maria Leonídia estabeleceu diferenças entre casa e escola. Em um segundo momento, na próxima pergunta estas diferenças não mais foram estabelecidas. Ela percebeu que em suas relações familiares algo também poderia ser apreendido, o que possivelmente, não se aprende na escola, ou também se aprende?  Depois descobriu que tanto no espaço escolar e no contexto familiar algo se constitui. Cada um com sua contribuição, sua constituição, com o seu conhecimento. Mas aprenderia? Ou apreenderia? Quem sabe ainda a descoberta de acolher e ser acolhida, nos dois espaços, sobretudo aquele que ao longo da vida tem sido sistemático e organicamente excluído do saber e do próprio sentimento. Ser acolhido, ser ouvido, ser escutado. A escuta como princípio básico da Democracia.  Possibilidade de ter direito a si mesmo, sem ser rejeitado, sem ter medo de sê-lo. A possibilidade de falar de seu sentir, de sua dor, de sua alegria, daquilo que a aflige no cotidiano: família, casa, rua, escola. Aquilo que a aflige a si mesmo, mas tendo alguém para partilhar e compartilhar, ouvir, acolher, dar atenção. Contar sua história, sua trajetória, rir de si mesmo, com o outro, brincar consigo e com o outro. Ser. Enfim, um mundo de cultura historicamente produzida e acumulada que passa pelo canto, desencanto, encanto, desenho, conto, poesia, pelo impróprio, pelo cordel, pela estória de avós, pais. Ser. Sabedoria popular negada por todos os positivistas, mas presentes nos jovens e adolescentes de escolas públicas, de Belford Roxo a Barra da Tijuca, dos condomínios de luxo as classes mais miseráveis e desprivilegiadas do Brasil, inerentes a um certo universo de tráfico e traficantes, mas também ao universo do sentir  e pensar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            O que se pretende defender neste texto não é que a escola se  exima de possibilitar a reflexão à cerca da ação dialógica, mas também ser instrumento e espaço social aberto para tal reflexão entre discentes e docentes.

Como o objetivo é explicitar resultados de um processo, há que se considerar que muitos deles ainda estão se tornando mais explícitos agora, ao final de sua apresentação, pois a organização do conhecimento acaba mostrando a  gama de caminhos para seu alcance e a impossível missão de ter concluído ou chegado ao final da busca. Mais essa é a razão do conhecimento, sua dinâmica e constante mutação por isso a busca incessante e contínua.

A vida, bem como as experiências, são resultados de participação num processo espiral em que se sabe o porquê perseguir: experiências e imperiências também. A habilidade está em conseguir a seta do tempo, onde as experiências se dão! O que foi que denotou o impulso…

Posto que não se pode antecipar resultados  prontos e fechados, uma vez que a pesquisa revela que a experiência é intransitiva. O artigo que foi apresentado que é parte integrante de uma pesquisa  não é um caminho até um objetivo previsto, até uma meta que se conhece de antemão, mas uma abertura diante do desconhecido, que não é possível antecipar. Portanto a experiência traz a (in) certeza que a pesquisa não é a descrição de um código, mas a construção de um sentido, de um olhar, abrindo possibilidades de re (significação).

Enfim, a pesquisa sobre a ação dialógica de professores de escolas públicas não veio para mostrar um saber, um resultado a que se chegar, mas se constitui um anúncio de provisoriedade do saber, uma verdade particular e relativa – uma construção de ética e cidadania.

Aqui se enfatiza a importância da responsabilidade ética no exercício do papel de professores e formadores de outros sujeitos e a participação e autorização da Direção do Colégio Estadual Alice Paccini Gélio, Diretor Rubens e a Vice Diretora, professora Marivalda e a Orientadora Educacional, professora Alba. Assim também se faz presente o corpo discente e docente do Colégio Golda Meir em sua Gestão Democrática.

Assim, o estudo encontra-se permeado pelo sentido necessário da ética que conota expressivamente a natureza da prática educativa enquanto atividade reflexiva. Portanto, uma ética afrontada na manifestação de qualquer forma discriminatória, que envolve o crédito na capacidade do outro, que exige acreditar nas pessoas e nas suas potencialidades e possibilidades de produção.

O trabalho pedagógico, a escola e à realização deve ser associada a um empenho em buscar, nos acontecimentos produzidos pelos professores e seus alunos, o que há de novo, de peculiar e potencial, com vistas  a desmistificar  qualquer tipo de descrédito e despreparo do professor, mas averiguando a possibilidade de que a escola, os professores e seus alunos, se lá estão é porque há tempo para despertar esperanças, auto – estima e valorização. De fato, uma nova cultura, uma nova postura e uma nova ética imposta pelo novo milênio, já estão a se exigir.

Ao encerrar este artigo, (re) afirma-se que, cada vez mais, se estar convencido da implementação de uma prática que advém de uma postura reflexiva, considerando que alunos e professores são partes de um mesmo processo, de um mesmo dizer, sem o qual ambos juntos, deixam de ter sentido. 

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