Educação Educação Povos Indígenas

Diálogos Indígenas: refletindo as possibilidades de uma Educação Escolar Indígena específica, diferenciada, intercultural e autônoma

Célio Nakyt Arara[1]

Josélia Gomes Neves[2]

Zacarias Kapiaar Gavião[3]

www.partes.com.br/educacao/dialogosindigenas.asp

 

RESUMO: Neste trabalho apresentamos uma reflexão a respeito da Educação Escolar Indígena desenvolvida em Ji-Paraná-RO. Explicitamos sua trajetória a partir das referências históricas: na perspectiva comunitária – por meio de processos educativos dos próprios indígenas; encaminhada pelos missionários tendo em vista a sua evangelização; conduzida pelo Estado, visando a homogeneização destas populações à sociedade nacional e por fim, sua concepção atual: a luta por uma educação específica, diferenciada, intercultural e autônoma, protagonizada pelas próprias comunidades indígenas. Explicita como vem se delineando nas comunidades Arara e Gavião, esta pedagogia étnica que visa se aproximar cada vez mais da escola sonhada e desejada por estes povos.

Palavras-Chave: Educação, Povos Indígenas, Interculturalidade.

 

Quem me dera, ao menos uma vez, como a mais bela tribo, dos mais belos índios, não ser atacado por ser inocente…

Renato Russo

 

Habitamos no Estado de Rondônia, que pelas suas características iniciais, poderíamos denominá-lo de indígena, levando em conta que sua história tradicional foi de ocupação, luta e resistência dos índios. Através de observações empíricas foi e é possível constatar um distanciamento entre a sociedade índia e não-índia –  há pouca identificação, conhecimento das pessoas acerca destes grupos étnicos, o que acaba por favorecer, na maioria das vezes, pensamentos e práticas pré-concebidas e estereotipadas acerca do seu jeito de ser e de viver.

Daí o entendimento que, há necessidade da Universidade Federal de Rondônia – Campus Ji-Paraná, se colocar como interlocutora nestas relações, no sentido de aprofundar e difundir conhecimentos referentes ao ensinar e aprender no contexto formal indígena, objetivos que sustentam e justificam o presente estudo. A partir do segundo semestre de 2004, a UNIR – Campus de Ji-Paraná, através do Departamento de Ciências Humanas e Sociais e a Secretaria de Estado da Educação – SEDUC, Representação de Ensino deste município, por meio do Setor de Educação Escolar Indígena, tem desenvolvido uma parceria no sentido de assegurar processos de formação continuada aos professores e professoras das etnias Arara e Gavião.

O Projeto de Pesquisa e Extensão foi pensado a partir das necessidades de aprendizagem expressada pelos docentes, denominado por nós de Didática Etnoambiental, a nosso ver adequada ao trabalho proposto, uma vez que diz respeito ao recorte de duas grandes categorias indissociáveis: o ensinar e o aprender, numa perspectiva étnica e ambiental. Busca contribuir na construção de novos saberes demandados pelo cotidiano da escola indígena, considerando fundamentalmente o diálogo entre os saberes tradicionais e universais, para assim se constituir como um importante elemento na construção da Escola Indígena específica e diferenciada, aquela que possa efetivamente significar para a aldeia um espaço a favor das populações indígenas.

Seu desenvolvimento envolve encontros periódicos nas próprias aldeias, através de cursos por temáticas, bem como entrevistas e registro fotográfico. Até o momento foram discutidos os seguintes assuntos: avaliação e recuperação, alfabetização bilíngue, ciclos de aprendizagem, planejamento,  interculturalidade e currículo étnico. O foco central dos estudos é articulação dos temas de forma a propiciar o fortalecimento da Educação Escolar Indígena específica, diferenciada, intercultural e autônoma.

 

Da Educação Indígena Comunitária à Educação Indígena Etnocêntrica, catequizadora e integracionista  

No decorrer da história tradicional dos Povos Indígenas, o processo educativo, ocorria por meio de formas próprias de classificação e ordenamento, onde a responsabilidade pela construção do conhecimento e a socialização da cultura, das tradições, da língua, do jeito de interpretar o mundo, era compartilhado por todos. A forma de comunicar, aprender e ensinar estes saberes – que encerram em si uma série de complexidades, mobilizavam todo o coletivo da aldeia. As histórias de antigamente contadas pelos velhos apontam que a aula  era dada dentro da maloca, ali eles explicavam os fenômenos do mundo através dos mitos, mas a escola indígena estava em todo lugar. Os filhos e filhas eram ensinados a registrar  mentalmente os conhecimentos e práticas com o compromisso de explicá-los aos demais. O conjunto destes conhecimentos, os conteúdos da maloca, por um determinado tempo, foi interpretado como simples, básicos, imediatistas. Entretanto os estudos etnográficos atestaram que os grupos culturais possuem também diferentes formas de proceder quanto aos seus esquemas lógicos como, por exemplo, de observar, experimentar, estabelecer relações, elaborar indagações, entre outros.

Uma das referências fundamentais nesta discussão, foi a contribuição de Levy-Strauss (2002), na clássica obra O Pensamento Selvagem, onde adverte para o fato de que o conhecimento construído por estes povos não se limita apenas ao aspecto utilitário, conforme assinala: “É claro que um conhecimento desenvolvido tão sistematicamente não pode ser função apenas de sua utilidade prática” (p. 23). Ao combater ideias desta natureza, que explicitamente defendiam que o conhecimento dos povos ditos primitivos eram simples, uma vez que serviam exclusivamente para a sua sobrevivência, o etnólogo demonstra a sua complexidade já que o pensamento humano faz uso de diferentes lógicas, não necessariamente a lógica formal ocidental que recorrem em diferentes contextos culturais a variados tipos de vinculações. Portanto, “o pensamento selvagem é lógico no mesmo sentido e da mesma forma que o nosso”. (p. 296).

Ao consideramos estas premissas – que todos os povos têm capacidade de produzir conhecimentos para explicar a sua realidade, observamos que ela se opõe à concepção muitas vezes presente nas narrativas elaboradas pelos cronistas viajantes que viam, por exemplo, o homem e a mulher da Amazônia por meio de formas estereotipadas – pessoas acomodadas, preguiçosas, inconstantes, despreocupadas, desleixadas, etc, características ocasionadas, no dizer de Loureiro (1995) por um suposto determinismo climático e ou teorias raciais.

Nesta visão fundamentada no etnocentrismo, as populações tradicionais são consideradas incapazes de assimilar os padrões da modernidade, avaliação esta que tem profundas implicações no desenvolvimento destes povos e que incidem, particularmente no currículo indígena com implicações diretas no jeito de pensar e fazer a educação escolar indígena.

A escola como prática educacional sistematizada entra no contexto dos Povos Indígenas a partir do “contato” com os não-índios, por volta do século XVI. Esse modelo de educação baseava-se nos objetivos de catequização, civilização e integração destes povos, impossibilitando, quaisquer oportunidade de participação enquanto sujeitos de suas próprias aprendizagens. Com essa característica bancária, no dizer de Paulo Freire, ela se coloca a serviço do opressor na medida em que se configura como importante estratégia colonizatória, de depositar saberes dominantes, que aliadas ao controle político e outros mecanismos, permitiram uma série de violências contra estas populações: a submissão, a invasão das terras e a pilhagem, entre outras (BRASIL, 2002). Esta escola refletia a mentalidade apontada por Laplatine (1999), caracterizada pelo etnocentrismo:

 

Mede-se a importância do ‘atraso’ das outras sociedades destinadas, ou melhor, compelidas a alcançar o pelotão da frente, em relação aos únicos critérios do Ocidente do século XIX, o progresso técnico e econômico de nossa sociedade sendo considerado como a prova brilhante da evolução histórica da qual procura-se simultaneamente acelerar o progresso e reconstituir os estágios. Ou seja, o ‘arcaísmo’ ou a ‘primitividade’ são menos fases da História do que a vertente simétrica e inversa da modernidade do Ocidente; o qual define o acesso entusiasmante à civilização em função dos valores da época: produção econômica, religião monoteísta, propriedade privada, família monogâmica, moral vitoriana.  ( p. 69)

Inicialmente, os primeiros professores destes grupos étnicos – como na história dos não-índios, foram os missionários, situação que perdurou no período colonial,  império e até períodos da República. Em função da inércia do Estado, as missões religiosas assumem a tarefa da educação, fundamentadas na concepção de catequização, civilização e mais tarde, integração, cuja tarefa se refere à transformação do “outro”, em algo próximo ao padrão estabelecido, prática de homogeneizar, que evidencia a negação da diferença, por meio do conhecimento e sistematização da língua indígena.

Esta tarefa é assumida pelo Summer Institute of Linguistics ao Brasil, em 1956 – que entre outros aspectos, centrava sua preocupação na salvação das almas destas populações, através da domesticação e aliciamento de mentes e corações. Esta instituição, em função de suas pretensões, foi e tem sido muito criticada pelos educadores e educadoras progressistas, que junto com as nações indígenas vêm discutindo novos projetos de educação numa perspectiva, específica, diferenciada, intercultural e autônoma. Neste sentido, Silva e Azevedo (1995, p. 151), informam que:

 

Caracterizado pelo emprego de metodologias e técnicas distintas das que se desenvolviam até então, o ‘novo’ projeto não escondia, como todos os seus predecessores, os mesmos objetivos civilizatórios finais. Fundado em teorias lingüísticas completamente ultrapassadas nos centros metropolitanos de origem, mas praticamente desconhecidas na província acadêmica de países periféricos como o nosso (…).

Portanto, o S.I.L. inaugura um novo modelo etnocêntrico que visava a permanência da utilização da língua sob o argumento cultural de que era preciso que os povos indígenas a utilizassem como expressão própria, mas que efetivamente se impunha uma série de normativas ortográficas alheias ao consentimento destes povos. Então ao invés de proibir o uso da língua e assim produzir a sua extinção, ele promove a domesticação para atingir sua finalidade principal, a tradução da bíblia.

 

Da Educação Indígena Etnocêntrica, catequizadora e integracionista à Educação Escolar Indígena específica, diferenciada, intercultural e autônoma

Como resultado da mobilização social do movimento indígena e indigenista, por volta da década de 70, o modelo de escola integracionista passa a ser cada vez mais questionado, uma nova relação jurídica entre o Estado e os Povos Indígenas é estabelecida com o advento da Constituição Federal de 1988, onde a diferença cultural não é mais vista como problema e sim como algo a ser valorizado (BRASIL, 1988).

Entretanto, muito ainda precisa ser discutido e deliberado pois há  um desconhecimento em torno destas populações que por sua vez acabam por produzir preconceitos e estereótipos. Os direitos indígenas são constantemente violados, muitas vezes em função de exigências dos órgãos públicos que na prática negam a especificidade desta escola. Sobre estes novos atores educacionais, adotamos a concepção de que:

 

A expressão ‘professores indígenas’, no contexto atual da discussão sobre educação escolar indígena, tem um único sentido: não pretende caracterizar uma classe particular de professores. São, ao contrário, professores nosentido pleno, que são ao mesmo tempo baniwa, tikuna, guarani, etc…,e que, portanto, se preocupam, enquanto professores, com todas as dimensões da educação escolar, e ainda, enquanto membros de totalidades sociológicas diferentes da nossa, com a situação atual, os projetos e o destino de seus povos: totalidades e não partes que se relacionam com a sociedade brasileira de forma bastante complexa.

(SILVA e AZEVEDO, 1995, p. 1158)

 

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96, preconiza que é tarefa da União e dos sistemas estaduais e municipais de ensino desenvolver atividades de pesquisa e extensão, com a participação dos docentes e comunidades indígenas, programas e atividades de formação, pesquisa e extensão que contemple a educação bilíngue, intercultural, a recuperação de suas memórias históricas,  a reafirmação de seu projeto identitário e a valorização de suas línguas e conhecimentos tradicionais.

A luta por uma Educação Escolar Indígena numa perspectiva especifica, diferenciada, intercultural e autônoma, reflete o atual pensamento dos movimentos indígenas atualmente.  É específica e diferenciada porque não se assemelha a escola dos não-índios, uma vez que seus objetivos de aprendizagem tem a ver com as suas necessidades e características (FREIRE, 1992).

É intercultural por assumir a importância do diálogo entre as várias manifestações culturais entre os diversos povos e por assegurar aos seus educandos e educandas, o acesso aos saberes universais produzidos historicamente pela humanidade. E deve continuar construindo sua autonomia porque a ela cabe fazer suas escolhas e decidir com suas comunidades os projetos de futuro que julga ser mais adequados.

Esta escola pensada para se aproximar dos interesses indígenas, enfatiza a valorização e o resgate dos conhecimentos tradicionais. É possível atestarmos hipoteticamente que num século de contacto, estes conhecimentos em muito podem ter se modificado, entretanto, Freire (1992) adverte que: ”A história tem demonstrado que as culturas têm um substrato capaz de fazê-las resistir a situações que se afiguram danosas a elas, sem terem, contudo sucumbido (p.426). Neste mesmo sentido, Laplatine (1999), acrescenta que: “A cultura popular não só resiste notavelmente à cultura dominante como também, freqüentemente consegue se impor a esta de uma maneira dificilmente imaginável no Ocidente (p. 189).

Após a passagem dos missionários no processo educativo dos Povos Indígenas, é implantada a educação formal nos anos 80 através da instalação de escolas nas próprias aldeias, onde as professoras e professores eram não-índios, funcionários da Fundação Nacional do Índio – Fundação Nacional do Índio – FUNAI, com uso exclusivo da língua portuguesa.

No entanto a educação desenvolvida por esta instituição, não representava um projeto fundamentado nas demandas dos Povos Indígenas. Os professores e professoras  não-indios, produziam uma série de violências físicas, psicológicas e culturais com os alunos indígenas: puxões de orelhas, beliscões, confinamentos, xingamentos, proibição de se comunicarem em sua língua materna.

Em cumprimento à Constituição de 1988, nos anos 90, a Secretaria de Estado da Educação inclui a Educação Escolar Indígena em seu organograma. Daí em diante uma série de Ações são desenvolvidas no sentido de ampliar os ganhos da escola na aldeia. Muito ainda precisa ser feito e pensado, mas os próprios professores cada vez mais, vêm ocupando os espaços que lhes pertencem: decidir os rumos desta escola tendo em vista as necessidades de suas comunidades.

 

A Escola na perspectiva dos Povos Indígenas das etnias  Arara e Gavião: resultados preliminares

No município de Ji-Paraná, estado de Rondônia habitam a Terra Indígena Igarapé Lourdes os Povos Indígenas das etnias Arara e Gavião. O Povo Gavião, conta com uma população aproximada é de 587 pessoas; a língua é Tupi Mondé e sua história é marcada pela exclusão de seu território tradicional, dizimação de suas comunidades em função de contágio de doenças, consequência do contato. Mantém suas práticas tradicionais, as festas – como a de matar o porco, a pintura corporal, artesanato, produção de arco e flechas, colares e pulseiras, entre outros.

Já o Povo Arara se autodenomina Karo rap, isto é, Nós Arara. Vivem na Terra Indígena Igarapé Lourdes, situada no município de Ji-Paraná – RO, cuja extensão territorial corresponde 185.534 ha demarcado em 1976 conforme o Decreto Nº 88.609/83. Sua população é de cerca de 200 pessoas, organizadas em duas aldeias. A língua Arara pertence ao tronco Tupi, família Rama-Rama.

As duas comunidades têm em seus territórios escolas mantidas pelo Poder Público Estadual. Os professores e professoras indígenas são escolhidos pelos respectivos povos. Após um processo formativo de cinco anos, iniciado em 2000 e concluído em 2004, puderam concluir o Curso de Formação Inicial em Nível Médio, o Magistério Indígena ou Projeto Açaí, desenvolvido pela Secretaria de Estado da Educação – SEDUC. Trabalham de forma bilíngue, principalmente no aspecto oral, em relação à escrita das duas línguas, há necessidade de mais estudos neste campo. O processo de alfabetização na escola da etnia Gavião acontece na língua materna, com forte influência da atuação dos missionários, responsáveis pela sistematização da língua, através do uso de cartilhas elaborados por eles, embora alguns já procurem atuar na perspectiva construtivista. O povo Arara tem uma cartilha organizada por pesquisadores de outras instituições, entretanto não é utilizada em função de desconhecimentos das professoras alfabetizadoras que se apoiam mais em livros didáticos.

Verificamos que os professores e professoras veem na escola a possibilidade de revitalização de sua cultura, bem como a possibilidade de apropriação de conhecimentos necessários nas relações com a sociedade nacional. Compreendem que a interação entre as culturas, o estudo bilíngue, são muito importantes já que esses conhecimentos possibilitarão uma melhor intervenção em relação às atividades com os não-índios e por sua vez, os indígenas precisam também conhecer a sociedade envolvente para assegurar a convivência e as relações sociais.

Procuram planejar as atividades pedagógicas, através de um caderno específico, discutido no Projeto Açaí que organiza o que vai ser desenvolvido em sala e também o que foi efetivamente realizado, o relatório. Discutem periodicamente sobre uma forma de avaliação que considere os saberes construídos pelos alunos e alunas e suas necessidades de aprendizagem. Suas falas evidenciam que pretendem dar prosseguimento aos estudos e tendo muita clareza de que esta formação atenderá as necessidades da comunidade.

Em função disso, está em curso o debate da implantação do Projeto Universidade Indígena que objetiva atuar na formação de docentes para atender o ensino fundamental anos iniciais e o ensino médio, uma vez que a escola atualmente atende apenas o primeiro segmento – 1ª a 4ª séries.

Politicamente, o professor e a professora indígena, tem assumido perante seu povo, um destaque típico das lideranças, alcançado tendo em vista as experiências e conhecimentos construídos no processo de formação inicial, a condição de assalariado, mas, suas posturas têm sido no sentido de explicitar para a comunidade que sua função não significa disputa de poder, pois é diferente das demais e que todos os papéis são igualmente importantes.

No cotidiano da escola indígena às vezes surge o conflito envolvendo docentes e comunidade. Em determinadas situações diz respeito aos problemas de não-aprendizagem na alfabetização, outras por causa das ausências dos professores em sala de aula, faltas dos alunos e alunas e ainda questões referentes a atividades realizadas pela escola como o caso de um projeto de revitalização da cultura que teve a oposição de alguns pais evangélicos, e nesta situação observa-se a interferência direta dos missionários que influenciam os indígenas contra a manifestação tradicional dos pajés por causa da religião. No entanto, estes desentendimentos com a comunidade são resolvidos na própria aldeia em fóruns próprios.

Os professores e professoras indígenas, manifestam dificuldades relacionadas à elaboração do planejamento, produção de  relatórios, principalmente em função do pouco domínio das regras normativas da língua portuguesa escrita. Entretanto, avaliam que o Projeto Açaí foi importante na medida em que contribuiu para um melhor entendimento neste sentido e que a formação continuada pode favorecer ainda mais este aperfeiçoamento. Sobre os materiais didáticos há algumas produções na língua materna e na segunda língua, vale ressaltar atividades realizadas a partir da colaboração dos velhos da aldeia e no decorrer do desenvolvimento do Curso.

 

Conclusão

Avaliamos que há um grande caminho a ser percorrido para que a escola indígena se efetive como específica, diferenciada, intercultural e autônoma. Entendemos que esta escola não pode ser diferenciada quando assume exclusivamente como conteúdos de aprendizagem e ensino, apenas aqueles da sociedade nacional, difundidos nos livros didáticos. Além de serem pouco significativos para os alunos e alunas, dificultando sua aprendizagem, acaba se assemelhando ao da escola não-índia. Esta prática é negadora da interculturalidade, na medida em que acaba assumindo os traços do etnocentrismo subjacente a estes currículos, que perpassam a velha ideia de que as culturas étnicas são vistas como atrasadas, daí ser combatida pela ação civilizatória.

Igualmente preocupante é a situação oposta, de se trabalhar apenas os conteúdos relacionados aos conhecimentos tradicionais, onde negamos também a interculturalidade, uma vez que proibimos nossos alunos e alunas de terem acesso a outras explicações e conhecimentos de outras culturas, além daqueles considerados universais.

Como resultados parciais apontamos: a pesquisa que utilizam junto aos velhos sobre os seus mitos, validando-a como instrumento de aperfeiçoamento da prática pedagógica; a autoria impressa em suas atividades que mostra como inventam e pensam a escola de seus sonhos; o processo de autonomia na escolha dos saberes que elegem como importantes para a organização de seu currículo. Neste sentido, ainda é preciso avançar na concepção de autonomia como estratégica na luta política de reordenamento educacional pois implica a efetivação da mudança, senão o que vamos avaliar como novidade ao longo desse tempo? O que mudou? O fato de que esta educação saiu das mãos dos missionários para as mãos do Estado? O lugar da Escola Indígena é na mão de sua gente, de seus professores e professoras indígenas – os docentes, os pais, as mães, o Pajé, o Cacique, os velhos… Com Evandro Mesquita e Vinicius Cantuária, saudamos este tempo: “Tenho pensado na vida e no prazer de viver, nas coisas bonitas, entre eu e você, meu canto sempre é de luta, por um mundo de paz, cuidar das florestas e dos animais. Depende de mim, depende de nós, escuto um silêncio, ouço uma voz, que vem de dentro e enche de luz, toda nossa tribo… Somos todos índios!”

 

Bibliografia:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

_____ . Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do Oprimido. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

LAPLATINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1994.

LÉVI-STRAUSS, Claude. O Pensamento Selvagem. 3. ed. Campinas: Brasiliense: 2002.

LOPES DA SILVA, Aracy; GRUPIONi, Luís Donizete Benzi. (orgs.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília/MEC, 1995.

LOUREIRO, José de Jesus Paes. Cultura Amazônica: uma poética do imaginário. Belém: Cejup, 1995.

[1] Professor indígena da Aldeia Iterap;

[2] Profª da UNIR – Campus de Ji-Paraná/RO. shiva.ro@uol.com.br

[3] Professor indígena da Aldeia Ikolen.

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