Cultura

Figurações epifâncias na lírica de Mário Quintana

 

Figurações epifâncias na lírica de Mário Quintana
Por Rodrigo da Costa Araujo

publicado em 27/07/2006

www.partes.com.br/cultura/marioquintana.asp

 

Dia 30 de julho quando se comemoram 100 anos de nascimento do poeta gaúcho Mário Quintana (1906-1994) suas palavras-pássaros ressurgem com mais força do que nunca.

 

POEMINHA DO CONTRA

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

Mario Quintana

OS POEMAS

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…

Mário Quintana

Rodrigo da Costa Araujo é professor de Literatura da FAFIMA – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé. Mestrando em Ciência da Arte pela UFF-Universidade Federal Fluminense.
::contato com o auto

Seus poemas que falam de poemas, como em Poeminha do contra e Os poemas – revelam um pouco de uma lírica pautada na metalinguagem e na filosofia mesma da poesia. Vista no conjunto, sua obra literária, a partir desses dois textos e outros, Mário Quintana parece traçar o itinerário labiríntico de uma busca incessante. Na sua escritura não se pode dizer se irá rasgar novos horizontes ou se virá o silêncio, o silêncio que a tem rondado ou mesmo minado, sempre à espreita no seu próprio interior e feitura.
Apesar de utilizar uma linguagem simples e corriqueira, de conhecimentos de todos, sua escritura mistura-se com filosofia, com sua história de escritor, com sua vida – uma espécie de rasgos de si e do mundo.
Nesse mundo labiríntico e em busca da própria poesia e existência, tudo desafia a interpretação do leitor, provoca uma recepção como esta, que pretende arriscar-se no labirinto, destrinçar a meada, à cata do fio capaz de revelar os princípios de organização do todo, as leis internas da construção, essa imagem do mundo que sua lírica transparece.
A poesia que procura a própria poesia, a linguagem à caça da própria linguagem que já se busca e enrodilha num complexo traçado. Causando vertigens e instigando viagens – eis um caminho para penetrar a lírica labiríntica de Mário Quintana. Tudo indica que se trata de um construtor hábil e perspicaz, extremamente lúcido e lúdico com relação à própria obra.
Sua escritura joga com todas a possibilidades da linguagem, ao mesmo tempo que ironiza, levando a crítica a devaneios e buscas de caminhos. O que se nota nos poemas aqui escolhidos é um caminho de uma lírica que procura constantemente novas formas de expressão, de novos códigos e mensagens, observável, num mesmo nível, na tortuosa inventividade à flor da pele, que rompe as fronteiras tradicionais, fundando uma poética porosa e aberta.
Tudo beira ao efeito de estranhamento proposto pelo formalista russo Victor Chklóvski, que o transforma em princípio geral de toda arte, aparece, a partir dos postulados do próprio Mário Quintana, como um “passarinho” solto. O pássaro torna-se, nessa leitura “estranha” – o próprio eixo e metáfora da invenção do real que se busca. Afinal de contas procurar por um “passarinho” é voar com ele e permitir-se rodopios no ar.
O lúdico, o estranhamento, a filosofia, a ruptura, seja no plano da forma, seja nos significados que as imagens remetem, significam, desta perspectiva, um esforço para vencer o lugar-comum desgastado, uma constante reorganização das relações entre significante e significado.
Assim seus poemas são tipos de textos que não comportam mais as designações convencionais de poesia, pois “faz(em) vacilar as bases históricas, culturais e psicológicas do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz(em) entrar em crise sua relação com a linguagem”. (BARTHES, 2004, p.20-21)
A teoria de Chklóvski, segundo Lucrecia Ferrara em A Estratégias dos signos, (1981, p. 34) “se apóia na ação de estranhar o objeto representado procurando transpor o universo para uma esfera de novas percepções que se opõe ao peso da rotina, do hábito, do já visto.” Nesse sentido, a tessitura artística ou poética de Mário Quintana ao extrair o seu objeto do seu contexto habitual revelaria uma faceta insólita em sua poesia, “impondo uma complexa percepção sensorial do universo.”
Como se vê, tudo parece que temos uma poesia que se consubstancializa como parte integrante do próprio fato artístico – mistura feitura artística com filosófica, ora recriando-a, ora questionando-a.
Com esses “estranhamentos estilísticos” a lírica de Mário Quintana se aproximaria nas palavras do crítico Roland Barthes dos efeitos de justaposições produzidos na linguagem como resultados de “deflação” (no sentido de uma despotencialização, ou mesmo rebaixamento do nível retórico de sua lírica): ou seja, a consistência, a densidade, a potência de sua lírica é “deflacionada” em várias seqüências do texto poético.
Enfim, sua lírica, como as telas de Cy Tombly, propõe uma leitura que enfatiza as operações de deflação, o que segundo Barthes apontou como cruciais para se captar o tom de seus quadros ou seu estilo. Essa seria uma lírica de evocação contaminada por gestos, relacionada aos grafites, ou na visão de Barthes – uma marca subversiva ou mesmo um elemento deslocado.
Poderíamos ainda falar de uma outra razão para a forma de escritura da lírica de Mário Quintana – efeitos de deflação ou figurações epifânicas dominantes na sua produção literária.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BARTHES, Roland. O Prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 2004.
BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Trad. Lea Novaes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
FERRARA, Lucrecia Ferrara. A Estratégia dos signos. Perspectiva. São Paulo. 1981.
QUINTANA, Mário. Poesias no site: In:http://www.releituras.com/mquintana_bio.asp
CHKLOVSKI, V. A Arte como Procedimento. In: Teoria da Literatura. Globo, Rio Grande do Sul,

 

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