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Desafios e dificuldades de uma Língua estrangeira: as contribuições da Psicologia para uma nova Prática Docente

Desafios e dificuldades de uma Língua estrangeira: as contribuições da Psicologia para uma nova Prática Docente 
Por Verônica de Araújo Ozório 

publicado em 12/08/2006 como www.partes.com.br/educacao/desafiosedificuldades.asp

RESUMO 

Verônica de Araújo Ozório é Graduada em letras – português inglês, curso de extensão em metodologia da língua inglesa, pós-graduação em psicopedagogia pela UCAM, Pós-graduação em dificuldades de aprendizagem pela UERJ, Palestrante e pesquisadora em dislexia pela UERJ e trabalha com projetos em Power Point como instrumentalização em aulas de inglês.
Contato:
gerberaflor@uol.com.br

Este artigo pretende analisar a inter-relação da Língua Inglesa e Psicologia a partir da observação nas práticas docentes no grau de dificuldade de Aprendizagem de alunos de escolas públicas no município de Belford Roxo, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro.

Para tanto, foi observado por esta pesquisadora que os educandos apresentavam dificuldades de Aprendizagem e Déficit de Atenção e, ainda,  com o agravante de salas reduzidas para um número de alunos fora do parâmetro estipulado pelo MEC.

Em busca de respostas para as inquietações explicitadas ao longo do artigo, buscou -se a contribuição dos teóricos da Psicologia para que fosse permitido intercambiar tais conceitos com a prática e exercício da Língua Inglesa.

Palavras-chave : Língua Inglesa, Psicologia, Prática docente

 

ABSTRACT

The  purpose of this article is to analyze the interrelationship between the English Language and Psychology, from observations in the teaching practices regarding the Learning difficulty degree of public school in the county of Belford Roxo, at Rio de Janeiro’s Baixada Fluminense.

For such purpose, this researcher has noticed that most students presented Learning difficulties and Attention Deficit, in addition to the small number of classrooms for a total number of students much above the parameter stipulated by Ministry of Education and Culture.

In search of answers for the disquiets described throughout the article, a contribution was searched from the Psychology theorists, in order to exchange such concepts with the practice and exercise of the English Language. 

 

  1. Desenvolvimento

Durante minha trajetória acadêmica entendi o quanto a Língua Inglesa seria complexa, porém importante para o ensino Fundamental e Médio mas, sobretudo, para uma população que mal entendia articular a Língua Portuguesa. Não quero dizer com isto que a Língua Portuguesa seja privilégio das elites brasileiras, nem tão pouco privilegiar a Língua Inglesa como a Universal.

Mas, penso que a observação como falante das duas línguas, pertencem e fazem parte de um conjunto de signos que são pertinentes a qualquer cultura e a qualquer comunidade que dependem do saber linguístico para que a comunicação se efetive.

Se a linguística é um fenômeno cultural e social como forma e meio de comunicação entendi como docente que sou, das duas línguas que se fazem como comunicadoras instrumentalizar minhas práticas para a leitura de mundo. Com isso pretende-se abordar a função social que a língua representa e em que categoria ela está inserida para que o artigo tome corpo e forma.

  1. Um percurso em busca de informações

Participei de vários cursos os quais apresentaram diferentes metodologias para melhorar o processo ensino-aprendizagem da língua inglesa e essas metodologias foram adaptadas à realidade e as necessidades que os alunos vivenciavam no seu dia-a –dia, e principalmente tendo uma ação dialógica. Para esta expressão vale reconhecer o pensamento de Freire quando diz que

 

A dialogicidade começa quando o educador-educando se encontra com os educando-educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes. Esta inquietação em torno  do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo programático da educação  (FREIRE, 2001 – p 83)

A partir do que se explicita, entende-se que para que todo aprendizado fosse um ato socialmente construído e não somente a reprodução solitária de estruturas linguísticas,  tal diálogo deve ser um ato de troca entre educandos e educadores e que os conteúdos possam dialogar com as representações do educando.

Pois, faz-me premente ressaltar também que, os conteúdos referem-se não só à aprendizagem de conceitos como também se faz mister ao desenvolvimento de uma consciência crítica dos valores e atitudes em relação ao papel que a língua estrangeira (e neste contexto, a língua inglesa) representa no país, aos seus usos na sociedade, ao modo como as pessoas são representadas no discurso, ao fato de que o uso da linguagem envolve necessariamente a identidade social do interlocutor.

 

  1. As informações ganhando corpo e forma: os referenciais teóricos em ação

No ano de 2003 procurei amenizar minhas inquietações não somente com uma especialização em Língua Inglesa, mas, sobretudo, percebi que o campo da psicologia poderia ser uma tentativa de responder os meus questionamentos relativos a Língua Inglesa como disciplina Oficial no currículo das escolas do Ensino Fundamental e Médio.

Quanto mais refletia sobre a realidade e minha prática docente mais acentuava-se a necessidade de buscar mais informações. Nesse sentido, resolvi  investir em um programa de pós-graduação na Universidade Estadual do Rio de Janeiro e que tinha como principal objetivo as abordagens em relação as Dificuldades de Aprendizagem e a Psicopedagogia como instrumento de busca de tais Dificuldades e Déficit de Atenção.

Durante o panorama dos cursos de Psicopedagogia e Dificuldades de Aprendizagem as ementas mostraram-se favoráveis as minhas ansiedades. Tal constatação foi efetivada quando trabalhamos no curso o interesse do sujeito pelo ato que ele realiza, ou seja, as atividades e conteúdos propostos implicam unicamente em responder necessariamente ao interesse do aluno e o mundo que o cerca. Portanto, nem todas as decisões do educador em suas atuações são igualmente determinadas do rumo de uma tarefa concreta que a escola exige porque o educador encontra-se numa rede de um aparelho onde os educandos precisam ser olhados não somente como números, mas ser percebido as questões relativas à produção da fala, a aquisição fonológica, a aquisição morfológica etc.

Considerando esse ponto de vista, a linguagem humana é definida como um sistema de princípios que merece atenção, pois a aquisição da linguagem vem carregada de correlações neuropsicológicas de distúrbios de aprendizagem e tais distúrbios devem ser verificados na determinação do uso da língua, não tão somente, mas a linguagem é um dos pontos que se apresentam como ponto de partida de um estudo.

Avançando na minha jornada de estudos e descobertas, os estudos em psicopedagogia deram-me um olhar mais detalhador e mais observador as necessidades do meu aluno e identificá-los ao estudo que fiz no curso das dificuldades de aprendizagem e psicopedagogia e como trabalhar com toda a gama de “sintoma escolar”(Bossa,2002,p.12), sendo que tal termo produz um significado de um entrave que faz sinal, onde há um impedimento do fluir da aprendizagem.

Contextualizando a ideia de “sintoma escolar” busca-se também em Vygostsky sua instrumentalização que é percebida com muita propriedade quando profere que

aprendizagem não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas”   (VYGOSTSKY, 1991 p 101)

Trilhando os ensinamentos apreendidos nestes dois cursos de pós, pude aprofundar meu conhecimento em Winnicott, pediatra e psiquiatra, o qual através de estudos apresenta-nos a importância da relação inicial entre a mãe e o seu bebê para a saúde mental.

Fundamentei-me com Henri Wallon a considerar o sujeito como “geneticamente social” estudando, nesse sentido, a criança contextualizada, nas relações com o meio.

Partindo dessas construções de conhecimento que foram elaboradas ao longo dos encontros nos cursos e de muitos outros assimilados, consegui identificar razões que eram entraves para que o meu aluno não entendesse certos conteúdos da língua inglesa. Tais questões lançaram-me a planejar e elaborar as aulas levando em conta que era preciso dar voz ao aluno de modo que ele possa se constituir como sujeito atuante do discurso e assim da aprendizagem.

Considerando tais pressupostos e resgatando a ideia de construção de conhecimento e aprendizagem entende-se, nesse sentido que

 

A elaboração própria torna-se, então, atividade estratégica, em primeiro lugar porque reflete a capacidade reconstrutiva, de onde surge o impulso para a autonomia. O que não se elabora, fica ainda fora, adere por imitação, ou seja, não entra. Neste sentido, elaboração própria é a base da aprendizagem ativa, através da qual o aluno tenta, sob orientação do professor, fazer-se autor, ter ideias próprias, argumentar com autonomia, entrar em polêmicas com capacidade de argumentar, propor projetos próprios. De quebra, aprenda a língua, já que escrever bem advêm sobretudo de fazer isto sistematicamente. (DEMO,  2001, p.95)

Em face do exposto, entende-se que não se pode mais ter  argumento decisivo, quando isto ocorre percebo que dificilmente os alunos têm autonomia, modos de escrever , falar e tecer textos de uma forma autônoma. A colaboração da equipe com elaboração orientada pelo professor é um ponto indicativo para que os processos nasçam com identidade própria.

Dado, portanto, o que foi explicitado anteriormente, percebeu-se que o ensino de uma língua estrangeira poder-se-á aplicá-lo em dois pressupostos: as descrições sobre a língua que explicitem o seu funcionamento com a realidade do educando e as orientações que facilitem o exercício da prática do docente. Daí, portanto, o convívio com a língua estrangeira, especificamente o Inglês se constituirá como um instrumento de interações com o cotidiano do educando.

Continuando a ideia do ensino da língua estrangeira, o professor sabe e deve socializar com os educandos uma organização e sistematização do conhecimento para que se gradue, efetivamente, o conteúdo a ser explicado; do mais fácil para ao mais difícil, do concreto para o abstrato, para que, com essa operacionalização, se possa avaliar concretamente o entendimento do educando com relação, por exemplo, das cores, dos dias da semana, das perguntas na forma interrogativa, como horas, estado de espírito etc. Assim, neste ambiente de trocas, o aluno é oportunizado a construir, realiza-se concomitantemente o desenvolvimento cognitivo, trabalha-se o individual e o coletivo, realiza-se experiências em Língua Inglesa a partir das experiências do educando e do domínio da língua que já possui e reúne-se, portanto; o falar, o escrever e o ler permitindo desta maneira os estímulos cognitivos e as relações entre significante e significado.

A Língua, nesse sentido, tem a capacidade a ser desenvolvida através de atividades que levem a criança à reflexão e para que o interesse e motivação sejam despertados, os conteúdos devem ser relacionados à sua vida, ao seu vocabulário, aos seus brinquedos, às suas histórias.

Contextualizando as ideias de linguagem e a capacidade de desenvolvê-la em sala de aula, de modo a que os educandos adquiram a compreensão da linguagem e o interesse no sentido educativo, Freire adverte que

toda ação educativa necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de vida concreto do homem concreto a quem queremos educar. Faltando uma tal reflexão sobre o homem, corre-se o risco de adotar métodos educativos e maneiras de atuar que reduzem o homem a condição de objeto.

Urge, portanto, que repensemos a prática docente em Língua Estrangeira como um sistema organizado de influências no cotidiano, na leitura de mundo, de transfigurar a existência do homem e mudar a sua vida, pois quando muda-se, o entendimento se efetiva.

A língua, portanto, se estabelece em um conjunto de regularidades que tem de estar presente quando se fala e escreve, contextualizar-se com seu modo de pensar e ver o que está em torno e a linguagem é o resultado de interação entre os homens; não é um produto acabado, mas em permanente construção, acompanhando e nascendo da evolução do homem e da sociedade.

O professor, portanto, precisa conhecer o desenvolvimento de seus alunos, suas necessidades, suas histórias, para poder ensiná-los. Aprendizagem gera desenvolvimento, e este é sempre dinâmico.

 

  1. Considerações Finais

 

Lembro-me uns onze anos ao entrar em uma sala de aula de uma escola pública e olhar para os alunos que esperavam a minha entrada. Senti nos ombros a responsabilidade de cinquenta e cinco vidas ali naquela sala. Eu estava cheia de conceitos que por serem dinâmicos, dinamizaram-se ao longo dos meus vinte anos de magistério e outros foram descobertos graças às necessidades de construir estratégias para que se efetivasse minha prática como docente.

O que pretendi sem a pretensão do correto foi ao longo do texto contribuir com leitoras e leitores que repetidamente desesperam-se no seu fazer pedagógico diante da complexidade do que nos espera: que é ser professora de uma escola pública onde os espaços são pequenos e as salas de aulas com excesso de alunos.

Trabalhar com a Língua que não é oficial ainda torna-se mais angustiante pela falta de estrutura e livros didáticos que não são fornecidos pelo Governo, embora os livros não se fazem dependentes das aulas, mas um recurso a ser manuseado. Por outro lado, a angústia nos faz buscar recursos e arcabouços teóricos a fim de que nossa prática não se torne neutra, pois se neutra for, não há sentido de ser. A busca foi solitária e incessante, mas toda busca incessante nos refina para a fundamentação do que se propõe.  O fato é que a Psicologia foi e é um grande instrumento para tais práticas e não se trata, porém de um único instrumento, mas, sobretudo aquele que respondeu as angústias e questionamentos como docente que sou.

Foi essa busca constante e as divergências encontradas que me permitiram crescer como ser humano e como profissional ativo, contribuindo para que através da aquisição do conhecimento de uma língua estrangeira e as contribuições da psicologia passo a ter novas lentes para  olhar e respeitar o que na minha visão parece ser diferente, assim, aumento a autopercepção do aluno como ser humano e como cidadão, tendo sempre uma prática reflexiva do eu e do mundo para que tenhamos uma sociedade mais justa e inclusiva.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOSSA,N.A. Fracasso Escolar, um olhar psicopedagógico. Porto Alegre, Artmed,2002.

DEMO, Pedro. Saber Pensar. São Paulo, Cortez Editora, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo, Paz e Terra, 2001.

_____,  Paulo. Conscientização: Teoria e Prática da Libertação. São Paulo, Editora Moraes, 2000.

VIGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem, São Paulo, Martins Fontes, 1991.

WALLON, Henri. As origens do pensamento da criança. Nova Alexandria, 1995.

WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. São Paulo, Martins Fontes. Tradução: Jefferson Luiz  Camargo, 1995.

 

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