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Como aprender a ler sonetos

Por Vicente Martins
Publicado em 11/10/2006 como <http://www.partes.com.br/educacao/vicentemartins/comoaprender.asp>

A leitura é uma habilidade complexa: o leitor tem diante de si um texto a ser decifrado, através da decodificação, através da soletração e da fluência verbal,  e em seguida, terá que atribuir sentido ao que é decantado ou lido. Esse conceito vale tanto para o texto em prosa como em verso. Mas como ler um poema ou um soneto clássico? No presente, artigo trataremos de mostrar as principais características da leitura literária e quais as estratégias para o aprendizado da leitura em versos.

Partirei, então e desde logo, do conceito de poesia. No campo da Literatura, poesia é a composição em versos (livres e/ou providos de rima) cujo conteúdo apresenta uma visão emocional e/ou conceitual na abordagem de ideias, estados de alma, sentimentos, impressões subjetivas, quase sempre expressos por associações imagéticas

Por poesia também podemos entender também a  arte de excitar a alma com uma visão do mundo, por meio das melhores palavras em sua melhor ordem. Daí, entendê-la também todo texto com alto grau de poder criativo e inspiração e que desperta, no leitor ou ouvinte, o sentimento do belo.

A etimologia da palavra poesia é muito sugestiva para se compreender o seu verdadeiro sentido aos olhos do leitor de versos. A palavra poesia vem do latim  poésis, is ‘poesia, obra poética, obra em verso’,  derivado, por sua vez, do  grego  poíésis, eós ‘criação; fabricação, confecção; obra poética, poema, poesia’. A palavra chegou à língua portuguesa, por intermédio da palavra em  italiano  poesia entendida como “arte e técnica de exprimir em verso uma determinada visão de mundo”

Leiamos, então, um bela poesia de Vinicius de Moraes, :

 Soneto de fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

 

Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

Trata-se um soneto. Esta palavra aparece na Língua Portuguesa lá pela segunda metade do século XVI. Refere-se a uma  pequena composição poética composta de 14 versos, com número variável de sílabas, sendo o mais frequente o decassílabo, e cujo último verso (dito chave de ouro) concentra em si a ideia principal do poema ou deve encerrá-lo de maneira a encantar ou surpreender o leitor. No caso do soneto de Vinicus, a chave de ouro é a definição de amor “ uma paixão imortal, posto que é chama, mas infinito enquanto dura”.

A palavra soneto entra no léxico português através do italiano  sonetto, no século XIII, entendida como “composição lírica formada de quatorze hendecassílabos, rimados variadamente, cujos oito primeiros formam duas quadras, e os outros formam dois tercetos’” No caso acima, trata-se de um soneto clássico ou italiano, porque é um soneto formado por dois quartetos e dois tercetos.

Para a leitura deste soneto de Vinicius de Moraes é necessário o leitor levar em conta o ritmo. Um dos traços do soneto é a musicalidade e o ritmo pertence ao mundo da música. A própria palavra ritmo, de origem latina  rhythmus,i  quer dizer “ movimento regular, cadência, ritmo”. Assim, deverá o leitor tomar por ritmo a cadência, o que acaba por caracterizar o soneto como um poema com padrão rítmico especial..

Vale lembrar aqui que todo soneto é um poema, mas nem todo poema é um soneto. Por poema, devemos entender, no campo da Literatura, obra de poesia em verso ou  uma composição poética em que há enredo e ação. A  epopeia é um exemplo de um poema. Há situações que o poema , no entanto, tem forma romanesca ou em prosa. É o que denominamos poema em prosa, em que a obra não é verso, mas é análoga a um poema pela inspiração, pelos temas e pelo estilo,  mas, diferente do poema, com estrutura menos formal.

Para o leitor, é importante que entenda que cada linha do poema é chamada verso. Assim, por verso, deve ser entendida a subdivisão de um poema, geralmente,  coincidindo com uma linha do mesmo, que obedece a padrões de métrica (pés) e de rima (variáveis no tempo e no espaço), ou prescinde deles (versos brancos e livres), caracterizando-se por possuir certa linha melódica ou efeitos sonoros, além de apresentar unidade de sentido

Esta noção de verso é fundamental para a leitura do soneto em voz alta. A essência da leitura do soneto  é que o leitor leia os versos com movimento compassado ou cadenciado como se fosse um passo de dança ou uma dança. Este “passo de dança” é garantido, durante a leitura, pelo enjambement, uma palavra de origem francesa.

Por enjambement, entendemos a partição de uma frase no final de um verso ou uma estrofe, sem respeitar as fronteiras dos sintagmas, colocando um termo do sintagma no verso anterior e o restante no verso seguinte. É o enjambement  que cria um efeito de coesão entre os versos, pois aquele onde começa o enjambement não pode ser lido com a habitual pausa descendente no final, e sim com entonação ascendente, que indica continuação da frase, e com uma pausa mais curta ou sem pausa.

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