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Artesanato, Turismo e Desenvolvimento: uma abordagem à luz da Economia Criativa

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Artesanato, Turismo e Desenvolvimento: uma abordagem à luz da Economia Criativa

Por Aline de Caldas Costa

publicado em 23/05/2007

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Aline de Caldas Costa é mestranda em Cultura e turismo pela Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus. Bolsista CAPES. Orientação Profª. Drª. Maria de Lourdes Netto Simões

Resumo: O trabalho objetiva discutir sobre a profissão de artesão e a produção de artesanato em nível local, numa perspectiva integrada, baseada na Economia Criativa, ou seja, na linha de estudos que aborda as aproximações entre cultura, economia e políticas públicas para o desenvolvimento. O estudo foi realizado através de pesquisa bibliográfica, de modo que, em sua primeira parte, apresenta um breve panorama do surgimento das Indústrias Criativas para, em seguida, expor um quadro sobre o profissional do artesanato no Brasil. Por fim, apresenta um modelo de política cultural construído a partir do pensamento de alguns autores dessa linha de pensamento.

Palavras-chave: Artesanato – desenvolvimento – política cultural

Considerações iniciais

Em perspectiva das novas interações entre cultura e economia neste início de século, esse trabalho tem como objetivo discutir a Economia Criativa com enfoque nos produtores de artesanato e no turismo cultural.

O estudo parte do pressuposto de que ações voltadas para a elaboração de políticas públicas e iniciativas em marketing cultural podem colaborar para a melhoria dos padrões de qualidade da produção artesanal e das condições de vida do artesão, incluindo a capacidade de organização e coesão social dessa comunidade no referido território.

O trabalho se justifica por sua atuação junto ao processo de valorização da cultura local visando a sinalizar alternativas para o desenvolvimento através de um turismo cultural sustentável em que a comunidade, fazendo valer as suas expressões culturais, participe e seja beneficiada econômica e politicamente.

De acordo com Yúdice (2004), a redução dos investimentos no setor social por parte dos governos dos países desenvolvidos, principalmente a Inglaterra, está cada vez mais impulsionando o setor das artes a gerenciar o social. A partir desse fenômeno, surgem novos tipos de relação entre os capitais social, cultural e econômico, fundamentados no interesse suscitado pela retomada de saberes e práticas tradicionais.

Cada vez mais envolvido com os grupos sociais, o setor das artes aponta soluções para melhorar os indicadores da educação, impulsionar a percepção e proteção do patrimônio através do turismo cultural, além de criar empregos e gerar renda.

Contudo, o autor ressalta que o desenvolvimento cultural depende da capacidade de atrair investimentos e fomentar parcerias público-privadas, apresentando aos investidores um retorno que, geralmente não pode ser calculado em cifras e sim em cidadania, pacificação e participação mais ativa da comunidade na esfera política, alavancando a democracia.

Cultura e Economia Criativa

            Nas últimas décadas, o processo de “culturalização” da Economia vem ganhando contribuições teóricas no cenário mundial. Considera-se a cultura como “campo interconectado, reconfigurado por novas identificações globais e locais, em que se negociam as bases para uma interculturalidade de inclusão em forma de rede” (CANCLINI, 2005, p. 21). Toma-se como norteador desse estudo o uso da cultura como recurso (YÚDICE, 2004), podendo funcionar enquanto agente para a melhoria das condições sociais, estimuladora do crescimento econômico, urbano e turístico.

O surgimento das Indústrias Criativas deu-se a partir de 1997, através da iniciativa do primeiro ministro do Reino Unido em criar a “Creative Britain”, visando a impulsionar a geração de riqueza com a criatividade.

Paralelo a essa investida, aconteceu uma redução de investimentos no setor social que levou, entre outras consequências, à expansão da cultura para as esferas econômica e política. Assim, o setor cultural tornou-se um aglutinador de ações para o desenvolvimento socioeconômico.

A Economia Criativa possui, em primeiro lugar, a premissa da transversalidade (DEHEIZELIN, 2006, p. 4), uma vez que está atravessada por interesses econômicos, sociais, simbólicos e de proteção à propriedade intelectual.

Outra premissa da Economia Criativa é a internacionalidade. A proposta de funcionar como nódulo articulador de fomento e fluxos de bens simbólicos entre diferentes locais expõe a necessidade de pensar “glocal” dessa tendência.

A inclusão multidimensional compõe a terceira premissa. A capacidade de gerar empregos e renda, de alterar os modos de trabalhar são alguns dos exemplos de impactos nos mais variados setores. O turismo figura como um dos principais setores em que se pode observar transformações, afinal, não pode haver visitação sem desenvolvimento da noção de preservação, cuidados com a paisagem, com as comunidades locais, com o patrimônio.

Por fim, a inovação encerra o quadro de premissas, com novas formas de financiamento, de formulação de políticas e interação com esferas para além do econômico.

Com esse objetivo, o Ministério da Cultura do Brasil, em parceria com a Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estão implantando em Salvador o Centro Internacional Transdiciplinar de Economia Criativa, com inauguração prevista para 2007.

O CITEC funcionará como mediador do financiamento à cultura, diálogo interinstitucional entre poder público, privado e terceiro setor, coadjuvante na elaboração de políticas e estratégias para a diferenciação, frente ao mercado globalizado, dos bens simbólicos que exercem uma retomada de traços criativos e identitários de cada local.

Desse modo, as Indústrias Criativas ultrapassam a dimensão cultural e inserem a identidade num sistema internacional de comércio. Essas reconfigurações no âmbito da cultura ressaltam a necessidade dos artesãos em, sobretudo, interagir com seu arcabouço cultural.

Situação do artesão no Brasil 

Nesta etapa, o estudo busca delinear um panorama da profissão de artesão no Brasil, relacionando a atual discussão sobre a produção artesanal e o turismo cultural.

Compreende-se por artesão tradicional o agente que conhece o meio onde se situa, domina técnicas para construir trabalhos manualmente e possui sensibilidade para criação (VIVES, 1983). Contudo, essa concepção torna-se insuficiente para delinear o perfil do artesão no contexto da Economia Criativa.

Para relacionar as atribuições e características desse sujeito seria necessário concebe-lo à luz da lógica “glocal” de mercado de bens simbólicos, em que se faz necessário perfil empreendedor para agir em conjunto com grupos de cooperação e parcerias público-privadas, ter conhecimentos específicos para captar e gerenciar recursos, além de atualizar as tradições locais e ser testemunho de sua época, tornando visíveis os traços do cotidiano que referenciam as múltiplas identidades culturais.

No Brasil, o artesanato movimenta cerca de 28 bilhões de reais por ano e envolve 8,5 milhões de pessoas (SIMONNETI p. 28). Apesar de promissor, o setor ainda carece de investimentos e políticas culturais específicas para combater o maior obstáculo ao desenvolvimento do artesão: a informalidade.

O aumento da informalidade e do desemprego no início do século XXI foi impulsionado pelo avanço da automação de atividades ligadas ao setor de serviços.  Ao mesmo tempo, extinguiu empregos e fez surgir novas profissões, com exigências especializadas. Para o aumento desse fenômeno também contribui a má distribuição da renda e do PIB nacional.

Segundo Barroso Neto (1999), o artesanato constitui um aumento de oportunidades de ocupação de mão-de-obra e geração de renda, combatendo o desemprego. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[1] divulgou que, em 2005, a taxa de desocupação foi igual 10,2% da população acima de 10 anos de idade.

Considerado como tradição, elemento folclórico ou artefato tangibilizador da memória de comunidades, o artesanato compõe ainda uma alternativa de renda. Contudo, sua inclusão no ramo de atividades econômicas levou a um processo de industrialização do produto artesanal, voltado para consumo turístico também de massa. Esse fenômeno originou o termo industrianato (PINHO, 2002, p. 170), em que o artesanato é feito em larga escala e distribuído para além do território de origem, desvinculando-se de uma localidade, tradição ou comunidade específica, entre outras características.

Ocorre que, em relação ao turismo, a diferença constitui-se em núcleo do produto (WAINBERG, 2003) e coloca em lugar privilegiado o artesanato que pode funcionar enquanto ferramenta facilitadora da compreensão do destino, atuar junto à memória e na melhoria de problemas sociais, econômicos e políticos (PINHO, 2002; YÚDICE, 2004), como alternativa sustentável de desenvolvimento.

Ainda que os números apontem para o crescimento da economia e do comércio de artesanato brasileiros, estes não representam necessariamente a redução da pobreza. Na inexistência de políticas para a melhoria das condições de vida dessa comunidade, os recursos tendem a ser canalizados para outras ações. Não encontrando auxílio ou fomento junto a organismos públicos, a situação de grande parte desses artesãos é de subsistência, a partir de iniciativas individuais. 

 

Políticas públicas para o desenvolvimento: o olhar da Economia Criativa 

Nesta etapa, o estudo visa a relacionar as características das políticas culturais para o desenvolvimento socioeconômico no viés da Economia Criativa. Em atenção às premissas relacionadas na primeira parte desse estudo, coloca-se enquanto ato primeiro para alcançar a adequação das políticas públicas ao território em questão a realização de estudos e pesquisas para formar uma base de dados consistente sobre as especificidades de cada cultura em nível local.

Uma etapa de pesquisa que possa reunir aspectos do imaginário das diversas regiões, sejam estes ligados à questão étnica, folclórica ou às marcas da cultura econômica de cada localidade etc. Enfim, traços que possam ressaltar a auto-identificação social e cultural do grupo.

Ainda nessa fase, faz-se importante identificar os artesãos existentes no local, suas produções independentes e/ou associadas e ainda os materiais típicos de cada região que possam ser utilizados como matéria-prima.

A segunda fase desse processo ocorre em atenção à apropriação desses traços culturais como temática, considerando a necessidade de exercícios de capacitação. Tal etapa requer uma liderança local, um artesão mestre da comunidade, o qual, em parceria com equipes técnicas em design e planejamento, transmita aos demais membros técnicas e saberes, enfatizando o planejamento do produto e o aprimoramento de padrões de qualidade, estimulando o convívio social e a troca de experiências entre as gerações.

Em seguida,dá-se início à fase de incentivo à produção. Nesse aspecto, devem ser consideradas políticas de crédito e investimentos; parcerias público-privadas; qualificação de agentes criativos para solicitar e gerenciar recursos resultantes de tais articulações (CANCLINI, 2003; REIS, 2003; DEHEIZELIN, 2005).

Por fim, é importante compor uma rede de distribuição dos produtos, inclusive para o exterior, viabilizando o aumento das exportações. Também deve ser incentivada a venda direta do produto ao consumidor, em especial o público visitante.

Nesse sentido, muitas são as tentativas de implementação do turismo cultural em cidades do interior de Brasil. Entretanto, muitos são os exemplos em que a cultura encontra-se subordinada a um turismo massificador, em que ocorre a distorção do foco de abordagem dos potenciais simbólicos regionais, visando principalmente a impactos econômicos de curto prazo (BARROCO, 2000). Tal postura ameaça a apreciação, o usufruto e a conservação do patrimônio cultural, comprometendo, por consequência, a sua sustentabilidade.

O patrimônio cultural, quando reconhecido por um determinado grupo, tem seus significados recriados pelas gerações, podendo motivar o desejo pela conservação e/ou ressignificação de bens simbólicos. Tal postura, todavia, depende das condições de interação, participação nas decisões para a conservação e possibilidade de desenvolvimento socioeconômico a partir dos usos do patrimônio no atual contexto histórico (ARIZPE; NALDA, 2003).

Não basta configurar um bem como patrimônio apenas registrando-o em inventários ou abordando-o enquanto input para o turismo cultural, de modo a submeter a cultura a interesses puramente econômicos. Pelo contrário, é necessário estabelecer estratégias para a sustentabilidade do turismo cultural, ou seja, “reunir condições de ser o elo na cadeia de transmissão sobre as qualidades da sociedade/lugar visitado; que interpreta e respeita a cultura local” (SIMÕES, 2001, s/p), visando o bom uso dos recursos ambientais. 

 

Considerações finais 

Diante do exposto, considera-se que a elaboração de políticas socioculturais para a promoção do desenvolvimento e a democracia das expressões culturais, priorizando o trabalho artesanal e o turismo como integrar comunidades locais e setores público e privado, deve, no viés da Economia Criativa, estar fundamentada na crença de que o talento, a identidade cultural e a criatividade podem gerar produtos com valor agregado, passíveis de proteção pelo direito de propriedade intelectual.

Embora já esteja na lista de produtos exportados, a diversidade da produção artesanal da brasileira ainda é pouco explorada. Como bem coloca Deheizelin,

estamos fazendo canja com galinha de ovos de ouro cada vez que deixamos ao abandono o capital cultural de nosso país e trabalhamos com bases em ações (que não merecem o nome de políticas culturais, por que não o são) (2005, s/p.).

Faltam políticas de incentivo que possam ir além de simples espaços para exposição, ações que favoreçam o desenvolvimento turístico, projetos de marketing cultural e visibilidade no âmbito da Economia Criativa (REIS, 2002).

Fica ressaltada a importância do diálogo entre setor público, privado, terceiro setor e Instituições de ensino superior para melhorar a qualidade, diversificar a produção e tornar um destino atrativo ao turismo cultural.

Desse modo, as identidades culturais se reconfiguram em função do novo momento histórico no qual as comunidades populares tentam retomar sua cultura enquanto “recurso para a melhoria sociopolítica e econômica” (YÚDICE, 2004, p. 25), para a sustentabilidade em tempos de globalização.

Ocorre nesse trabalho o entrelaçamento de aspectos ligados à diferença, acentuada pelo olhar estético e pela interação de culturas num ambiente híbrido, em que coexistem elementos tradicionais, populares, conhecimentos específicos que vão resultar em curiosidade pela cultura local, despertando o olhar e o interesse turístico pelas culturas locais brasileiras.

Referências

BARROCO, H. E. Falta de planejamento no turismo. Até quando? In: Gazeta mercantil. Abr/2000.

BARROSO NETO, Eduardo. Design, Identidade cultural e artesanato. In: Primeira Jornada Iberoamericana de Design no artesanato. Fortaleza, 1999. Disponibilizado em www.eduardobarroso.com.br / artigos.htm Acesso em Mai/2006

CANCLINI, Nestor Garcia. Reconstruir políticas de inclusão na América Latina. In: Políticas culturais para o desenvolvimento: uma base de dados para a cultura. Brasília: UNESCO: Brasil, 2003, pp. 22-30

_____. Diferentes, desiguais e desconectados: mapas da interculturalidade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.

DEHEIZELIN, Lala. Economia Criativa e empreendedorismo cultural. In: Anais do II ENECULTEncontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Salvador: CULT, 2006.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Guacira Lopes. Rio de Janeiro: DP & A, 1999.

REIS, Ana Carla Fonseca. Marketing cultural e financiamento da cultura. São Paulo: Thompson, 2003

_____. Economia, artesanato e educação entrelaçados nas raízes da identidade étnica. In: Cultura e mercado. [online] São Paulo: Rede Pensarte, 2005. Disponível em www.culturaemercado.com.br Acesso em nov/2005.

SIMONNETI, Eliana. Colcha de retalhos. In: Desafios do desenvolvimento. Ano 3, nº 19. São Paulo: PNUD; IPEA, 2006. p. 20-29.

YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Trad.: Marie-Anne Henriette Jeanne Kremer. Belo Horizonte: UFMG, 2004.

VIVES, Vera de. A beleza do cotidiano. In: RIBEIRO, Berta G. et al. O artesão tradicional e seu papel na sociedade contemporânea. Rio de janeiro: Instituto Nacional do Folclore – FUNART, 1983

[1] Pesquisa Mensal de Emprego. Disponibilizada em http://www.ibge.com.br/brasil_em_sintese/default.htm Acesso em Mai/2006.

Publicado originalmente como <www.partes.com.br/artesanato/artesanatoturismo.asp>

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