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Palavras bonitas

Margarete J. V. C. Hülsendeger

publicado em 22/06/2007 como www.partes.com.br/educacao/palavrasbonitas.asp

Margarete Hülsendeger é Física e Mestre em Educação em Ciências e Matemática/PUCRS. É mestra e doutoranda em Teoria Literária na PUC-RS

É incrível como existem palavras bonitas sendo ditas por aí. Fica difícil lembrar de todas, mas algumas me veem a cabeça sem fazer muito esforço: solidariedade, paz, saudade, felicidade, amor, e tantas outras das quais agora não consigo me lembrar.

Na educação também temos encontrado palavras bonitas sendo ditas, escritas, defendidas e até repudiadas. É um ciclo de idas e vindas no vocabulário utilizado por aqueles que se preocupam em estudar a evolução dos processos educacionais. Só tenho uma dúvida: até que ponto essas palavras representam a realidade vivida e sentida pela maioria dos educadores que efetivamente estão dentro de uma sala de aula todos os dias?

Fala-se e escreve-se muito sobre metodologias. A importância de inovar, de trazer para sala de aula novas propostas, com o objetivo de atrair a atenção do aluno, de fazê-lo aceitar com “mais leveza e alegria” os conteúdos que o atual sistema exige que a escola aborde. Houve uma época, por exemplo, que a palavra em moda era lúdico. Tudo na sala de aula devia ser lúdico. Tudo devia ser tratado de forma prazerosa. Brincadeiras deviam ser criadas para tornar a aula um eterno momento de prazer. Quem não conseguisse tal intento estava à margem dessa nova forma de ver a educação, estava superado, era um dinossauro. Sim, porque quem não se adapta rapidamente a essas novas propostas é taxado de dinossauro ou coisa pior.

Para Esteve:

[…] os professores se encontram ante o desconcerto e as dificuldades de demandas mutantes e a contínua crítica social por não chegar a atender essas novas exigências. Às vezes, o desconcerto surge do paradoxo de que essa mesma sociedade, que exige novas responsabilidades do professores, não lhes fornece os meios que eles reivindicam para cumpri-las. Outras vezes, da demanda de exigências opostas e contraditórias (1999, p.13).

Assim, mais tarde, acabou-se percebendo que aprender não é só brincar. Em outras palavras, para aprender é preciso antes de tudo compreender que a vida não será uma eterna brincadeira, que ela nos cobrará, em algum momento, responsabilidade, concentração nas atividades que realizaremos e, principalmente, conhecimento, pois a chave desse novo milênio não é simplesmente obter a informação, mas saber o que fazer com ela.

Pois bem, os tempos mudam e as palavras também. Hoje, inclusive, o número de palavras que andam por aí é bem maior. A maioria delas sendo ditas apenas porque são moda, outras por que são uma imposição legal e, outras, ainda, porque dão a impressão de que se está criando novas maneiras de educar e formar.

Como já mencionei anteriormente, minha dúvida é até que ponto essas palavras têm significado para os que estão realmente envolvidos com o processo de educar. Até que ponto elas estão, realmente, ajudando os professores e, consequentemente, os alunos a perceberam a educação de maneira diferente, ou seja, de forma mais séria e comprometida. Não sei, tenho dúvidas, muitas dúvidas.

Atualmente, a proposta pedagógica que está em moda é a interdisciplinaridade. Palavra comprida, difícil de se escrever e até de se falar (tente bem rápido e veja se consegue). Mas será que quem defende essa proposta sabe do que está falando? Sabe, por exemplo, que essa metodologia exige um tempo maior na sua preparação e implementação, tempo que a grande maioria dos professores não tem? E isso não é uma questão de não querer fazer (afinal, somos todos profissionais), mas de estar imerso em um sistema que exige da maioria dos professores uma carga horária semanal de 30 a 40 horas em sala de aula. Sem contar que a profissão de professor é uma das poucas que ainda leva trabalho para casa (muito trabalho, aliás), que deve ser sempre atualizado, criativo, inovador e voltado, obviamente, para o atendimento das necessidades cada vez maiores das crianças e jovens que frequentam as nossas salas de aulas.

Nesse aspecto, é Esteve, novamente, quem esclarece quando explica ser o professor

[…] uma pessoa condenada a fazer mal seu trabalho, já que nos últimos anos acumulou-se sobre suas costas a quantidade de responsabilidades, sem as contrapartidas correspondentes para poder cumpri-las, que profissionalmente se encontra esgotado, faltando-lhe tempo material para cumprir tudo aquilo que considera seu dever (1999, p.144-145).

Paralelamente a esses novos contextos interdisciplinares encontraremos outros, como a questão controversa e pouco compreendida da inclusão. O que mais se ouve e se lê é sobre a necessidade do professor aprender a lidar com as diferenças existentes dentro de uma sala de aula. A premissa em si não está equivocada, professor que é professor deve estar preparado para trabalhar com turmas heterogêneas, em níveis de aprendizagem diferenciados. No entanto, a questão que se impõe no momento é que crianças e jovens com dificuldades especiais (em alguns casos, muito especiais) estão sendo inseridas em turmas nas quais os professores não dispõem das mínimas condições para atendê-las com a atenção e o cuidado que necessitam e merecem. Se em uma turma de trinta alunos, por exemplo, há quatro alunos com déficit de atenção e hiperatividade, um com a Síndrome de Asperger e outro, ainda, com TOC, o professor fica sem ter como atender, com qualidade, a esses e muito menos aos 25 alunos restantes na sala de aula. É humanamente impossível. Não é má vontade, como alguns, talvez, se apressem a dizer. No entanto, há uma imposição legal e as escolas estão tentando adaptar-se a ela. Mas, até agora o que se tem visto é a mesma rotina, salas cheias e um único professor para atender a todas as necessidades e demandas que lhes são impostas. Um único professor!

Acredito que o grande problema, aliás, um problema histórico, foi o de considerar a profissão de professor um sacerdócio. Tudo é possível para quem é professor, ele deve estar disposto a assumir todas as responsabilidades e atributos, mesmo que em outras profissões as exigências sejam bem menores e o reconhecimento das limitações de cada uma, maiores. Um professor deve atender 30 e até 40 alunos por vez e isso em 50 minutos, durante toda uma manhã/tarde ou durante todo o dia. Como diz Perrenoud: “O professor não tem instrumentista, mas espera-se que ele tenha ‘à mão’, quase sempre, os meios de ensino e de avaliação mais convenientes” (2001, p.83). Só mesmo sendo um santo!

Mas palavras bonitas ainda continuarão existindo ou sendo inventadas, principalmente quando estivermos tratando de educação. Afinal, essa é uma das áreas na qual todos se acham no direito de opinar, tal como ocorre no futebol: todos são técnicos de futebol querendo escalar o time que entrará em campo; todos são professores e entendem de educação. A profissão de professor e, consequentemente, a educação vêm, ao longo do tempo, perdendo não só o prestígio, mas também a credibilidade, dando espaço a muitas opiniões e a pouquíssimas ações. Em outras palavras, muito tem-se dito, muito tem-se exigido, mas pouco, muito pouco, tem-se feito de concreto para melhorar as condições de ensino e da própria atividade do professor. Portanto, a nós, professores, só resta continuar tentando compreender o significado dessas palavras bonitas, sempre nos re-inventando (outra palavra bonita!), tentando com isso transformar a sala de aula em um ambiente, não só de aprendizagem, mas também de crescimento pessoal.

REFERÊNCIAS

ESTEVE, José M. O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Bauru, SP: EDUSC, 1999.

PERRENOUD, Philippe. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre, Artmed Editora, 2001.

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