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Orgulho ou soberba: existe alguma diferença?

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Orgulho ou soberba: existe alguma diferença?

Margarete J. V. C. Hülsendeger

 

Muitos são orgulhosos por causa daquilo que sabem; face ao que não sabem, são arrogantes.

Goethe

 

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Margarete Hülsendeger. Professora de Física.

O orgulho é listado como um dos sete pecados capitais. Junto a ele estão a gula, a luxúria, a avareza, a preguiça, a ira e a inveja. Todos pecados a serem evitados, pois, segundo a maioria das religiões só, atraem infelicidades para aqueles que os cultivam.

No entanto, neste texto irei tratar apenas do orgulho[1]. Portanto, a primeira questão a ser colocada seria: sabemos o que é o orgulho?

Será que é não dar o braço a torcer mesmo sabendo que se está errado, acreditando-se sempre o dono da verdade? Ou será que é andar pela vida com a cabeça voltada para o alto, mirando as estrelas, sem nunca ter um olhar para aqueles que andam na superfície?

Não sei. Tudo isso parece cheirar um pouco a megalomania. Sem contar que quem costuma agir assim deve sofrer de outro mal: a arrogância. Vejam que aqui já se juntam outros dois “pecados”, ambos passíveis de levar qualquer crente a queimar, por toda eternidade, no fogo do inferno. O que suscita outra questão: onde estiver o orgulho estarão também os sentimentos de grandeza e de arrogância?

Entretanto, sabe-se que para toda pergunta geralmente existem, no mínimo, duas respostas possíveis. Assim, para muitos o orgulho é um sentimento a ser cultivado, pois ele seria importante na construção da nossa autoestima. Sem ele seríamos facilmente reduzidos a bebes chorões. O orgulho, para quem assim pensa, corresponderia ao impulso necessário para mantermos as cabeças erguidas, seguindo em frente, principalmente diante dos obstáculos sempre presentes em nossas vidas. Realmente, visto por essa ótica, o orgulho torna-se uma questão de sobrevivência.

Porém, como já foi mencionado, nada pode ser posto em termos definitivos. Logo, podemos e devemos considerar que existam diferentes tipos de orgulho. Em outros termos, assim como existe o orgulho relacionado com a satisfação de sermos capazes de superar as dificuldades, há, também, o orgulho de nos sentirmos acima de todos, donos absolutos da verdade. Nesse segundo caso, o orgulho assume tons diversos e pode passar a se chamar de soberba.

A soberba, segundo a própria definição do dicionário, é “o orgulho excessivo”. É aquela emoção que enche a mente de imagens grandiloquentes, nos fazendo pensar que tudo gira em torno do nosso umbigo. O soberbo acaba tornando-se uma pessoa difícil, para não dizer insuportável, de se conviver. Geralmente, ele acaba sozinho, contando vantagem e esperando que o mundo o reconheça como alguém superior.

É possível, portanto, perceber que a interpretação do que é o orgulho é uma questão complexa. Defini-lo ou identificá-lo não é algo fácil de se fazer, pois até mesmo o mais humilde dos humildes pode ser um orgulhoso. Afinal, o que o impede de sentir orgulho de sua humildade?

Será que isso é o que se costuma denominar de encruzilhada? Para sairmos dela, podemos lançar para o debate outras questões, como por exemplo: será que devemos riscar a palavra orgulho do nosso vocabulário, pois definitivamente é um pecado senti-lo? Ou será que devemos tentar encontrar um meio de mantê-lo sob controle para não nos deixarmos iludir por ele?

Tenham certeza, que existem muitos que concordariam imediatamente com a primeira sugestão, acreditando-se mais perto da santidade se assim agirem. Muitas correntes religiosas, inclusive, estimulam em seus seguidores um certo sentimento de culpa para o caso de eles sentirem-se orgulhosos por qualquer motivo. Para essas pessoas, o orgulho é realmente um pecado capital e deve ser eliminado a qualquer custo, pois corre-se o risco de ficar fora do paraíso.

No entanto, apesar do risco que corro de vir a “queimar no fogo do inferno”, me atrevo a discordar desses e a me inclinar mais para a segunda hipótese. Como disse, anteriormente, existem diferentes tipos de orgulho e nem todos nos tornarão pecadores confessos.

Sou daquelas que acredita que as conquistas devem ser motivo de orgulho. Vejo nessa atitude uma maneira de valorizar a nossa capacidade de crescimento e aperfeiçoamento pessoais. Quem hoje não se orgulha do que conquistou, não terá interesse em conquistar mais nada, o que poderia levar a um sentimento de total inércia perante a vida. E aqui o verbo conquistar não é utilizado no sentido de submeter, mas de ter a força necessária na superação das dificuldades.

Todavia, quero deixar claro que isso não significa que devamos nos sentir superiores a quem quer que seja; pelo contrário, uma conquista arduamente atingida serve para nos apercebermos do quanto ainda temos a aprender. O sentimento de orgulho não deve ser um passaporte para a arrogância, pois a vida é, muitas vezes, dura em seus ensinamentos, e um deles é que se hoje estamos por cima, amanhã poderemos estar por baixo.

Deve-se, então, compreender que sentir orgulho por se ter conquistado algo aparentemente difícil é perfeitamente normal e até esperado. Mas fazer disso uma prática constante em nossas vidas, passando a nos considerar superiores, isso sim é perigoso. Nesse caso, o orgulho sadio embasado na crença da nossa própria capacidade, torna-se o orgulho doentio (soberba) que leva à arrogância. Tudo é então uma questão de equilíbrio. Não se pode, em matéria de sentimentos ou emoções, querer-se ser um radical. A sabedoria está na escolha de caminhos que nos ajudem a entender nossa fragilidade como seres humanos, mas, simultaneamente, nos fortaleçam diante dos problemas que, muitas vezes, a vida irá colocar no nosso caminho. O inferno e o paraíso não são ditados pelos sentimentos. Esses não têm culpa; a responsabilidade, na verdade, é nossa pelo que deixamos que eles façam conosco. Portanto, vejo na citação de Leonardo da Vinci, a melhor opção: Que o teu orgulho e objetivo consistam em pôr no teu trabalho algo que se assemelhe a um milagre. Será, então, realizando milagres possíveis que evitaremos o inferno e aumentaremos as nossas chances de ingressar no paraíso.

[1] Sobre a ira (raiva) e a inveja já tenho duas outras crônicas publicadas na Revista Partes.

Artigo publicado originalmente como <www.partes.com.br/cronicas/mhulsendeger/outrosartigos.asp>

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