Em questão

Economia globalizada e a criminalidade

Por Renato Ribeiro Velloso

publicado em 30/11/2007

Renato Ribeiro Velloso é pós-graduado em Direito Penal Econômico Internacional, pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu da Universidade de Coimbra, Portugal, MBA em Economia e Direito do Sistema Internacional, pela Universidade de São Paulo – USP, e co-autor do livro “Crimes Tributários e Econômicos”, pela Editora Quartier Latin do Brasil.

A partir de 1945, quando houve prolongada inimizade entre a América e a URSS; a Ásia e partes da África foram libertadas do domínio europeu, a economia internacional tomou ares de cooperação internacional.

O mundo passou a ser dividido em dois blocos: o Ocidental (capitalista) e o Oriental (socialista/comunista). O Ocidental ficou sendo liderado pelos Estados Unidos e o bloco Oriental liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

O pós-guerra tem uma característica importante da ordem mundial, o compromisso liberal, com a economia internacional permitindo a liberalização econômica multilateral, regulado pelo GATT[1], que foi se aperfeiçoando com sucessivas rodadas, eliminando barreiras tarifárias, abrindo a economia dos países, mas garantindo a estabilidade doméstica.

O comércio internacional se desenvolveu através de regras estabelecidas pelo GATT, onde se aprofundaram as negociações multilaterais, já que inicialmente eram feitas entre dois países, ou seja, bilateralmente.

A liberalização econômica se fixou no rebaixamento de barreiras alfandegárias, por meio de concessões tarifárias entre os países membros do GATT, regulados pelo princípio multilateral da não-discriminação, representado pela cláusula da nação mais favorecida, permitindo aos países subdesenvolvidos participar e auferir os benefícios da liberalização econômica sem concessões equivalentes.

As premissas econômicas do GATT, à primeira vista, possuem teor mercantilista, entretanto, grupos domésticos, legitimam a troca de favores no GATT, alem da vantagem de poder acomodar negociações de mais de dois parceiros, exigidas pelo critério de equivalência de concessões.

Como a principal preocupação dos países em desenvolvimento era a falta de um órgão responsável pela solução de controvérsias e limitações ao seu controle de exportações, e a inclusão de novos temas mais complexos, a Rodada Uruguai[2] verificou que o GATT, estava defasado. Os países em desenvolvimento pouca voz tiveram em sua criação e poucos benefícios também. A operação dos mecanismos criados provocou o descompasso do crescimento econômico, criando insatisfações, fato de esses temas possuírem alto grau de complexidade, sua regulamentação, só poderia se dar no âmbito de uma Organização Internacional, prevista na Declaração de Marrakesh, foi criada assim a Organização Mundial do Comércio (OMC)[3], que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1995.

A OMC é uma organização que tem por funções principais facilitar a aplicação das normas do comércio internacional já acordadas internacionalmente e serve também como foro para negociações de novas regras, dotada também de um sistema de controvérsias em comércio internacional. Surgiu ao final da Rodada Uruguai. Engloba não só acordos referentes ao comércio de bens agrícolas e industriais, como também serviços, propriedade intelectual, solução de controvérsias, regras de origem e outros, buscando assim promover a efetiva liberalização do comércio entre seus membros. A OMC tem sede em Genebra, Suíça.

Com o final da Guerra Fria, a bipolaridade entre os EUA e URSS, que dividiu o mundo em capitalistas e socialistas, deu inicio à globalização econômica mundial, que se deu na segunda metade do século XX. A internacionalização das economias levou a expansão do comércio, instalação de empresas transnacionais, livre circulação de capitais e tecnologias, o aumento da circulação de capitais do sistema financeiro internacional, a liberalização do comércio internacional de bens e serviços, etc.

A globalização conduz a crescente integração das economias das sociedades dos vários países, especialmente no que toca à produção de mercadorias e serviços, aos mercados financeiros, e à difusão de informações, ou seja, corresponde a internacionalização do setor produtivo, possibilitando a comercialização (compra/venda) de mercadorias ou serviços em qualquer parte do mundo; tudo objetivando uma melhor competitividade mundial.

Assim economia internacional e a criminalidade se fizeram presentes em todas as atividades humanas, nos setores primário, secundário e terciário da economia. O crescimento do comércio internacional, ajudou com que alguns grupos que atuam universalmente, fossem favorecidos pela globalização da economia, comércio livre, desenvolvimento das telecomunicações, universalização financeira[4], colapso do sistema comunista, processo de unificação das nações, totalmente adaptados ao novo cenário mundial, as organizações criminosas há muito já estabeleceram, um grande mercado comum, conectadas por meio da chamada netwoork do crime organizado, que movimenta ¼ do dinheiro em circulação do mundo, sem limitações de fronteiras.[5]

Com a liberalização econômica, os criminosos passaram de simples apostadores, para estrategistas calculistas, buscando ainda o lucro, mas com o menor risco possível. O que restou por transformar esses criminosos em uma nova criminalidade organizada, abandonando sua estrutura medieval, tomando um caráter empresarial.

Abandonando sua estrutura medieval, o crime organizado, tomou um caráter empresarial, ou seja, a característica mais expressiva da organização criminosa é a transnacionalização, debilitando o Estado, tendo em vista que sua atuação não só extrapola fronteiras nacionais, como também se utiliza desta capacidade para atingir seus fins[6], utilizando a racionalização empregada nas empresas lícitas como meio de administração de seus negócios criminosos.

Então a lendária figura do criminoso mudou[7] com o passar dos anos, antigamente eram apenas vistos como bandidos que impunham suas leis perversas às favelas, hodiernamente, o criminoso pertence a uma classe social mais abastada para poderem entrar nesse comércio, assim sendo, membros das classes média e alta[8], pessoas com alto poder de influência na vida econômica, política e social das comunidades.

Todo lucro obtido pela criminalidade, é deslocado para fundos sujos de capitais, lavados de modo a esconder a origem ilícita. O mercado de capitais, há tempos é o meio mais preferido e utilizado pelos chamados lavadores de dinheiro, criminosos com alto poder de influência, empresários, políticos, entre outros.

As grandes somas de capital sem nacionalidade que circulam por esse mercado, e a facilidade que o avanço tecnológico trouxe à movimentação desses valores pelo mundo[9], são freqüentemente empregados em atividades legais empresariais, permitindo ao fabuloso fluxo de capitais lavados, a conquista de espaço e poder, que podem gerar interferência na vida econômica, política e social da população mundial. Formando um poderoso antiestado, isto é, um estado dentro do Estado, com uma pujança econômica incrível, até porque existe muita facilidade na lavagem de capitais e grande poder de influência.

Economia globalizada e criminalidade é tema de relevo mundial, que preocupa e atenta contra O Estado Democrático de Direito. Afora o glamour emprestado pela ficção, os criminosos e suas interferências na economia internacional, é constante preocupação por parte dos legisladores do mundo que sempre tentaram conter seu avanço, nem sempre com sucesso.

Como verificamos, a criminalidade possui tentáculos, firmemente arraigados nos diversos setores do Estado, quer na forma de um acordo meramente financeiro, com o pagamento de propina aos membros dos órgãos repressivos, administrativos ou a alguns políticos profissionais,[10] que como os antigos corsários recebiam autorização do governo fazendo pilhagem por razões de estado, mas que na prática, sempre buscavam a vantagem pessoal.

A atuação desses criminosos em diversos setores do Estado, possibilitou um maior campo de atuação, contando com a constância do mercado consumidor, o que acabou por mesclar atividades lícitas com ilícitas, a ponto de Zaffaroni não encontrar “um conceito que possa abranger todo o conjunto de atividades ilícitas que podem aproveitar a indisciplina do mercado e que, no geral, aparecem mescladas ou confundidas de forma indissolúvel com atividades lícitas”.[11]

O Estado procura respostas para o triunfo da criminalidade na economia globalizada, procurando formas para combater esses criminosos, mas, infelizmente, notamos que suas ações não atingem seu objetivo. Isso se deve a uma política criminal mal direcionada, sem efeitos para a sociedade.

Bibliografia:

· BATISTA, Paulo Nogueira. – Perspectivas da Rodada Uruguai: implicações para o Brasil – DOSSIÊ AMÉRICA LATINA. Estud. av. vol.6 no.16 São Paulo Dec. 1992. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141992000300009

· CERQUEIRA, Atuo Antônio. Direito penal garantista & a nova criminalidade. Curitiba Juruá, 2002.

· CERVINI, Raúl, OLIVEIRA, William Terra de e GOMES, Luiz Flavio. Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998.

· CIESIN Thematic Guide on Political Institutions and Global Environmental Change http://www.ciesin.columbia.edu/TG/PI/TRADE/gatt.html.

· GOMES, Luiz Flávio, CERVINI, Raúl. Crime organizado: enfoque criminológico, jurídico (Lei nº 9.034/95) e político-criminal. 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

· MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. As organizações internacionais criminosas e as drogas, in justiça penal – 6 criticas e sugestões. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999.

· MINGARDI, Guaracy. O Estado e o Crime Organizado, IBCCRIM 5, Complexo Damásio de Jesus, 1998.

· QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Manual operacional do policial civil: doutrina, legislação, modelos / coordenação Carlos Alberto Marchi de Queiroz – São Paulo: Delegacia Geral de Polícia, 2002.

· THIELMANN, Beatriz. Jornada em direção ao perigo, Making of http.//globoreporter.globo.com/globoreporter/0,19125,tok0-2706-6834-2-0.00.html.

· World Trade Organization http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact1_e.htm.

Notas:

[1]CIESIN Thematic Guide on Political Institutions and Global Environmental Change http://www.ciesin.columbia.edu/TG/PI/TRADE/gatt.html.

[2] BATISTA, Paulo Nogueira. – Perspectivas da Rodada Uruguai: implicações para o Brasil – DOSSIÊ AMÉRICA LATINA. Estud. av. vol.6 no.16 São Paulo Dec. 1992. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141992000300009

[3]World Trade Organization http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact1_e.htm

[4] CERQUEIRA, Atuo Antônio. Direito penal garantista & a nova criminalidade. Curitiba Juruá, 2002, p.53. “A nova criminalidade tem por origem as transformações tecnológicas e econômicas que a humanidade vem experimentando nas últimas décadas, especialmente após o encerramento da 2ª Grande Guerra, além do excepcional incremento do comércio entre os países. De tal sorte, torna-se difícil precisar se tais transformações econômicas se devem ao progresso tecnológico ou, ao contrário, se são os avanças científicos que produzem o progresso econômico, mas é incontestável que, ao longo do século XX, esses fatores produziram evoluções comerciais, tanto, representados por novos instrumentos quanta por novos caminhos para o comércio internacional que, utilizados indevidamente, produziram uma nova criminalidade. Tais são os casos da revolução informática e da chamada globalização da economia”.

[5] MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. As organizações internacionais criminosas e as drogas, in justiça penal – 6 criticas e sugestões. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999, p.131.

[6] QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Manual operacional do policial civil: doutrina, legislação, modelos / coordenação Carlos Alberto Marchi de Queiroz – São Paulo: Delegacia Geral de Polícia, 2002. p.257

[7] GOMES, Luiz Flávio, CERVINI, Raúl. Crime organizado: enfoque criminológico, jurídico (Lei nº 9.034/95) e político-criminal. 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.77 “Uma nota mais recente da criminalidade organizada, pelo menos na América Latina e no que se relaciona especificamente ao narcotráfico, foi destacada por Jorge G. Castañeda: o narcotraficante atual está cada vez mais diferente daqueles jovens com pulseiras de ouro, cintos largos, anéis brilhantes…tornou-se um executivo, um empresário moderno, que se dedica a um negócio altamente lucrativo. Estão participando ativamente da vida econômica de vários países, assim como da vida política. Marcam presença principalmente nos processos de privatização, não só para ‘lavar dinheiro’, senão sobretudo para incorporar-se na vida econômica lícita. Estão integrando o ‘narcotráfico’ na vida institucional de cada país e desse modo buscam uma convivência pacífica, evitando-se a guerra fratricida e sangrenta”.

[8] THIELMANN, Beatriz. Jornada em direção ao perigo, Making of http.//globoreporter.globo.com/globoreporter/0,19125,tok0-2706-6834-2-0.00.html. “Outra grande surpresa de nossa equipe foi encontrar uma ex-atleta olímpica que se transformou numa traficante de cocaína. E ainda: o motivo alegado por ela foi uma grande paixão, um imenso fascínio por um traficante.

O novo perfil do criminoso, daquele que se envolve com o tráfico de drogas, foi apresentado, pela primeira vez, pelo Departamento de Narcóticos de são Paulo e pela Polícia Federal no final do mês de setembro. Como a droga da moda é a droga sintética, como o extasy, feito com substâncias químicas que requerem alta tecnologia na manipulação, ela é muito cara. Assim, os traficantes têm de pertencer a uma classe social mais abastada para poderem entrar nesse maldito comércio. E ai aparecem os universitários das classes média e alta”.

[9] CERVINI, Raúl, OLIVEIRA, William Terra de e GOMES, Luiz Flavio. Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p.43. Para Raúl Cervini, encontramos, no sistema financeiro, um cenário favorável à lavagem de dinheiro, “em términos generales, puede decirse que las actividades bancarias internacionales y, más especificamente, el mercado de capitales, tienen contemporáneamente, ciertas notas que operan como telón de fondo de los processos de lavado de dinero, ya sea facilitándolos o creando uma complejidad operativa que dificulta el esclarecimiento de dichas operaciones críticas. A modo de síntesis, esas notas serian: globalización de las operaciones bancarias; dificultad de regular y controlar esas operaciones globalizadas; crecimiento acelerado del comercio mundial; crecimiento del intercambio entre euromonedas, advenimiento del “Euro” e generalización en el empleo de las transferencias via electrónica”.

[10] MINGARDI, Guaracy. O Estado e o Crime Organizado, IBCCRIM 5, Complexo Damásio de Jesus, 1998.

[11] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Crime Organizado: uma categorização frustrada. Discursos Sediciosos; crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1996.

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