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O risco (ainda) invisível no mundo dos enfermeiros

ARTIGO DE OPINIÃO



ASSÉDIO MORAL EM ENFERMAGEM




O RISCO (ainda) INVISÍVEL NO MUNDO DOS
ENFERMEIROS
  

Maria Helena Neves




Nas sociedades do nosso mundo ocidental altamente industrializado, o
local de trabalho constitui o último campo de batalha, em que uma pessoa
pode matar a outra, sem nenhum risco de chegar a ser processada por um
tribunal.”


HEINZ LEYMANN







…”Sandra anda cansada e deprimida. Acordar para ir trabalhar tornou-se
um sacrifício. As dores de cabeça não a largam, e a paciência para os
filhos esgota-se. O trabalho não lhe corre bem. Há já vários meses que o
ambiente com a enfermeira responsável do Serviço de Cirurgia não lhe é
muito favorável, mas agora agravou-se.



Voltou de férias a semana passada e a enfermeira que a ficou a
substituir como chefe de equipa, continuou (imaginem, uma miúda que
acabou o curso há um ano). Tudo isto na continuação dos silêncios quando
dava opinião sobre algum doente ou problema de serviço, das bocas sobre
as suas faltas quando os filhos ficavam doentes, até ao momento em que
foi desmentida em plena reunião de enfermagem, pela enfermeira
responsável.



Que VERGONHA! Todos os colegas mais novos a olharem para ela, sem a
defenderem. Nunca em quinze anos a exercer enfermagem tal lhe tinha
acontecido. Porque lhe estaria a acontecer tudo aquilo? Onde tinha
falhado?”



UM NOVO RISCO?



Face a um contexto socioeconómico marcado pela globalização dos
mercados, constantes fusões e reorganizações dos cuidados de saúde, pela
rápida evolução tecnológica, competitividade, flexibilidade e
insegurança no emprego, tem-se assistido à emergência de novos riscos
laborais de natureza psicossocial, que a enfermeira Sandra não sabe
(ainda não consciencializou) que está a sofrer um deles –


Assédio Moral

no local de trabalho.



O facto do crescente aumento do número de Contratos a Termo Certo nos
enfermeiros com o consequente aumento da precariedade no emprego,
proporciona condições propícias à prática de diferentes formas de
assédio, sobretudo nos enfermeiros com mais anos de experiência, pois
que estão mais conscientes dos seus direitos e deveres.



Submetida às políticas de gestão, a organização do trabalho impõe novos
riscos que são responsáveis por distúrbios mentais e psíquicos,
explicitados na pressão e opressão para produzir e ultrapassar as metas
pré-determinadas. Essa opressão traduz-se no tempo exíguo para concluir
um projecto; no ritmo intenso e em jornadas prolongadas – não se podem
contratar enfermeiros! – fazer mais com menos pessoas e em ambiente de
alguma competitividade.



Novas exigências foram incorporadas gerando múltiplos sentimentos:
medos, incertezas, angústia e tristeza. A ansiedade ante uma nova
tarefa, o medo de não saber, a avaliação constante do desempenho sem o
devido reconhecimento, a requisição da eficácia técnica, deixando de
lado a excelência, a criatividade e a autonomia, geram tensão e
incertezas. As múltiplas exigências para cumprir todas as actividades de
enfermagem até ao fim do turno são “transversadas” por abuso de poder de
responsáveis de serviço sem formação absolutamente nenhuma em Gestão em
Enfermagem, emanando estes frequentes instruções confusas, agressões,
maximização dos ‘erros’ e culpas, degradando deliberadamente as
condições de trabalho.


O medo é manipulado para aumentar a “produção” e reforçar o
autoritarismo, a submissão, a disciplina, a vergonha e o pacto do
silêncio no colectivo, gerando um clima de instabilidade emocional
colectiva, insegurança e desconfiança entre os pares. O ambiente de
trabalho transforma-se em campo minado pelo medo, inveja, disputas,
boatos e rivalidades. Todos convivem sob o manto de uma ‘ideologia
única’ em que a construção do sentido é uma questão sem sentido, pois o
que legitima o outro é a eficácia técnica.


Também são actos repetitivos que afectam a saúde individual e colectiva,
comprometendo, por sua vez, a almejada produtividade e sobretudo a
qualidade dos cuidados de enfermagem. São riscos que se inserem nas
relações interpessoais, constituindo factores psico-sociais, sendo por
isso um ‘risco invisível’, porém objectivo, na medida em que
desorganiza as emoções, desencadeia ou agrava doenças pré-existentes
ameaçando não somente o emprego, mas a vida dos enfermeiros e
enfermeiras.


DEFINIÇÃO DE ASSÉDIO MORAL


O termo mobbing foi introduzido na literatura, nos anos 80, por Heinz Leymann,
psicólogo de origem alemã a viver na Suécia, para descrever formas
severas de assédio nas organizações. Para Leymann, o mobbing consiste

“em actuações hostis frequentes e repetidas no local de trabalho, visando sistematicamente a mesma pessoa (a “vítima”). Segundo ele, o mobbing tem origem num conflito que degenera. Analisa-o como uma forma particularmente grave de stress psicossocial.


O mobbing consiste, portanto, numa forma de agressão ou terrorismo, de
natureza psicológica e/ou psicossocial, que é realizada no contexto de
trabalho, por parte da entidade patronal


Marie-France Hirigoyen, psiquiatra, define assédio moral como:


“qualquer comportamento abusivo (gesto, palavra, comportamento, atitude …) que
atente, pela sua repetição ou pela sua sistematização, contra a
dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, pondo em
perigo o seu emprego ou degradando o clima de trabalho.”


Pode manifestar-se como “assédio vertical descendente”, quando realizado
por um superior hierárquico, por colegas, “assédio horizontal” ou por um
subordinado “assédio ascendente”.


CONSEQUÊNCIAS


Uma pessoa vítima de mobbing poderá sofrer consequências avassaladoras,
nomeadamente, a nível psicológico (ansiedade, medo, sentimento de
ameaça, dificuldade na concentração, etc.), a nível físico (dores e
transtornos funcionais/orgânicos) e a nível social (maior
susceptibilidade e hipersensibilidade à crítica, com atitudes de
desconfiança e com condutas de isolamento, evitamento, retracção e
agressividade ou hostilidade). A saúde social do indivíduo encontra-se
profundamente afectada, uma vez que este problema pode destroçar as
interacções que tem com outras pessoas e interferir na vida normal e
produtiva do indivíduo.

As relações afectivas, aos poucos, vão
se deteriorando, predominando o ‘salve-se quem puder’. Há indiferença
pelo sofrimento do outro e uma quebra dos laços de camaradagem.

Daí, o apoio incondicional à vítima é importante e quanto mais
precoce melhor.

Tudo leva a crer que os enfermeiros não têm noção da dimensão do problema porque, ou nunca? passaram por situações humilhantes e constrangedoras no seu local de trabalho ou porque já passaram mas não sabem que se trata de condutas
hostis e humilhantes muito sofisticadas, sub-reptícias com uma intenção
clara e predefinida de alguém, que quer destruir o próximo.

EXISTE PREVENÇÃO?

Este fenómeno caracteriza “uma doença organizacional que
degrada as condições de trabalho, a saúde mental dos indivíduos e as
relações sociais no trabalho”. Trata-se de um “problema organizacional
que tem uma amplitude importante nas organizações contemporâneas”. A
prevenção deveria atender a certos situações específicas do trabalho,
nomeadamente, proporcionar um trabalho com baixo nível de stress, com
suficiente autonomia, atender ao comportamento dos líderes (deveriam
desenvolver habilidades para reconhecer conflitos e geri-los
adequadamente, conhecer os sinais e sintomas do mobbing), assim como
atender à posição social do indivíduo (desenvolvimento de regras claras,
explícitas, escritas e públicas sobre a resolução de conflitos pessoais,
que garantissem o direito à queixa e ao anonimato e que preveja sistemas
de mediação e ou arbitragem.


DENUNCIAR, DENUNCIAR, DENUNCIAR!


O Mobbing é um fenómeno que não é recente, contudo, pouco estudado em
Portugal. Verificou-se uma prevalência significativa de mobbing em
contexto de trabalho em todo o mundo, nomeadamente na profissão de
enfermagem.


A praxis de enfermagem, pelos factores inerentes ao seu exercício,
possui características que levam a pensar que o mobbing possa ser
propício. O facto de exercer enfermagem em contexto hospitalar gerou uma
certa curiosidade aliada à necessidade de estudar este fenómeno tão
subtil e sub-reptício, contudo, bem real no nosso quotidiano que está a
atingir proporções gigantescas no que reporta a protecção, segurança e
bem-estar dos trabalhadores no seu local de trabalho


A profissão de enfermagem constitui um potencial risco para o
aparecimento de mobbing, uma vez que os enfermeiros trabalham em equipas
multidisciplinares, sob stress constante, não só por causa dos doentes
como também pela relação com a equipa (relações inter-pessoais; gestão
de conflitos). A precariedade dos recursos humanos e/ou materiais, a
rotina, o trabalho por turnos, o ritmo de trabalho, a pouca autonomia,
entre outros, são alguns dos factores desencadeantes de Assédio Moral.




BIBLIOGRAFIA


BLANCO, Cruz  Acoso moral, miedo e sufrimiento, Eichmann en la
globalización
. Ediciones del ORTO, 2007


PINUEL e ZABALA, Inaki – Mobbing, como sobreviver ao assedio
psicológico no local de trabalho
.


Ed. Loyola, Brazil


PACHECO, Mago Graciano de Rocha – Assédio moral no Trabalho, O Elo mais
fraco. Edições Almedina, SA, 2007


HIRIGOYEN Marie-France – O Assédio no trabalho. Edições Pergaminho


Sindicato de Enfermaría. Presentación de los Resultados Preliminares de
la Incidência del Mobbing en los Profesionales de Enfermaría Españoles.
SATSE – Universidade de Alcalá de Henares, 2002.



www.mobbing.nu



http://www.leymann.se/English/frame.html

(página pessoal do Professor Leymann)



www.stopmobbing.org



http://www.el-refugioesjo.net

Publicado originalmente como<www.partes.com.br/assediomoral/assediomoralemenfermagem.asp>

Contato com a autora: mhelenaneves@sapo.pt   

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