Crônicas Johnny Notariano

Uma lágrima, nada mais…

 Johnny Notariano

publicado em 25/05/2008 como www.partes.com.br/cronicas/umalagrima.asp

Johnny Leonardelli Notariano – notarian@usp.br

Descobri na minha infância, por intermédio de minha mãe, que as mulheres gostam de receber flores. Não dei muita atenção e como todo jovem vivi intensa e sadiamente sem me preocupar com aquele detalhe para agradar as mulheres. Acreditava que ser honesto, bons propósitos e usar de meus atributos masculinos era o suficiente. Mais tarde aprendi que isso não bastava para conquistar o amor de uma mulher. Aprendi muito mais.

         Lembro-me que na minha cidade e eu não sabia o porquê, o outono se apresentava como uma estação diferente, bonita, aconchegante, mas com um pano de fundo triste. Alguém comentava que os idosos partiam no outono, também não acreditei. Depois entrava o inverno, festas, férias escolares, agasalhos e divertimentos. Em seguida entrava a inesquecível primavera, estação das flores, dos amores, do melancólico som das cigarras e do entardecer romântico. Jardins floridos, ruas e muitas árvores de Ypê roxo e amarelo, uma das maravilhas da minha gostosa cidade e que atraía muita gente. Tantos eram os Ypês, que motivou e os conterrâneos tiveram orgulho disso, o nome de uma indústria de higiene na época.

         O tempo passou, levou-me a infância e ainda na juventude deixei minha cidade em busca de novos horizontes. Minha mãe, muito bonita, cabelos grisalhos, ganhou uma postura mais cansada, mas bem vivida, era muito feliz e irradiava muita alegria por onde passava. Meu pai, grande homem, o tempo também não o poupou, levou-o muito cedo.

         Um dia não é igual ao outro, temos a sensação de perda a cada momento, o tempo rouba o passado, deixa as lembranças e aí perguntamos, – \Por que perdemos tudo o que mais amamos na vida¿\.

         Chegou o outono. Lembrei-me de minha cidade, minha juventude e infância. Observei as árvores, as folhas secas caídas ao chão pareciam bailar ao som do vento. Não era mais saudade, era nostalgia, ao mesmo tempo em que me encantava ao apreciar o vento varrer as folhas secas e outras folhas deixando a copa das árvores. Como que a um \flash\, assimilei naquele momento, uma lição de vida e, naquele instante, aprendi muito com as folhas caídas, compreendi que elas se vão, mas outras nascem no lugar para dar continuidade na magia e beleza da vida.

         Flores e folhas caídas, espetáculo para ser visto com o coração, inspiraram-me alguma coisa muito além da beleza das cores, entendi por que as flores despertam tantas emoções e encantos nas mulheres.

         O tempo já havia consumido muito da energia de minha mãe, a idade já estava sendo demasiado pesada para ela, adoeceu e foi acolhida no leito de um hospital.

         Maio, mês do aniversário dela e também o dia das mães. Pela manhã a família toda se reuniu para uma visita cordial. Uma manhã de sol maravilhosa e como todos tinham ido ao hospital, deixei para a tarde quando o sol poente me desperta a saudades e faz-me lembrar minha cidade e minha mãe.

         Lembrei-me de minha infância, lembrei-me daquele detalhe que havia me ensinado, passei por uma floricultura e escolhi o mais bonito ramalhete de flores para ela. As flores eram variadas, rosas de nuances e tons diferentes e outras flores lindas que eu nem soube o nome.

         Parecia que tudo estava de acordo com o planejado. O sol no horizonte já estava se pondo, entardecer inesquecível com muito dourado e, eu aproveitaria para curtir minha mãe sem muita gente por perto.

         De posse do ramalhete que chamou a atenção de todos por onde eu passava, fui muito feliz ao hospital entregar à ela junto com as flores, meus abraços; meus beijos; minhas palavras e meu coração.

         Com muita emoção ao chegar à porta do quarto onde ela se encontrava, uma enfermeira conhecida saía e me cumprimentou. Disse-me a enfermeira: – Ela esperou-o até agora. -Falou muito de você, contou-me de sua vida e admiração que sentia. – Ela sabia que você estava vindo para abraçá-la e com as mais lindas flores, essas que estão em suas mãos! – Sentiu sua presença e a cada frase, só ternura e carinho. – Falou-me de sua infância e suas traquinagens. – Apertou minha mão, sorriu como se fosse para você e ainda me intimou a lhe dar um abraço e um beijo. – Sorria e com muito sono foi fechando os olhos, calma e serenamente sussurrava seu nome. – Deixou apenas uma lágrima rolar pela face e foi para outros sonhos. – Faz alguns minutos.

         Naquele momento, vi meu mundo desabar. Gritei o meu desespero, gritei a minha angústia, chorei a minha solidão. Joguei tudo que estava em minhas mãos para os ares. Vi outros filhos e outras mães felizes e até cheguei a culpá-la por não ter me esperado. Eu só queria dizer à ela o quanto eu a amava, não tive tempo.

         Eu sei, ela me perdoou, mas eu não consegui me perdoar. Noites e noites chorei abraçado ao travesseiro e fantasiava sua imagem. Queria vê-la em meus sonhos. Não via mais beleza nos ypês, nas flores e na primavera. Entendi aí o misto de tristeza que envolvia a atmosfera do outono quando criança.

         Então me lembrei das folhas de outono, caem, são levadas pelo vento, mas outras nascem em seu lugar para manter a árvore sempre bonita e firme.  As folhas caídas também renascerão em outros lugares, como a esperança, acalentará outros corações. Aprendi que o tempo não espera, não deve ser subestimado e que apenas enruga nossa face, mas nossos ideais permanecem jovens e sem rugas.  A maior lição, as flores, nada nos fará esquecer a lembrança de um momento sublime de amor.

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