Crônicas Margarete Hülsendeger

Rampas e tigres de dentes de sabre Rampas e tigres de dentes de sabre  

Rampas e tigres de dentes de sabre Rampas e tigres de dentes de sabre
Margarete Hülsendeger
publicado em 08/07/2008

Margarete Hülsendeger é Física e Mestre em Educação em Ciências e Matemática/PUCRS. É mestra e doutoranda em Teoria Literária na PUC-RS

Todos nós sabemos o que é sentir medo. Aquela sensação fria e pegajosa que experimentamos quando algo de muito ruim está para acontecer. No entanto, é preciso entender que, apesar de desagradável, essa é uma daquelas emoções definidas como essenciais à nossa sobrevivência.
O que seria do homem antigo e moderno se não fosse ele?
Como, por exemplo, teria o homem primitivo sobrevivido aos ataques dos animais selvagens? O medo, com certeza, deve ter sido um dos fatores fundamentais para a sua sobrevivência. Imaginem um homem sem medo enfrentando um leão faminto? A probabilidade de ser devorado seria imensa. Aliás, mesmo com medo, essa probabilidade continuava sendo grande.
Hoje, como os animais selvagens encontram-se em extinção ou restritos a zoológicos, substituímos os medos primitivos por outros igualmente importantes para o nosso bem estar. O homem moderno teme ser assaltado, perder o emprego e até mesmo o quanto terá de pagar de imposto de renda. São medos diferentes, para contextos igualmente diferentes.
No entanto, sabemos que nada é tão simples como parece. O medo também pode matar. Ou, se para você isso é forte demais, digamos, então, que ele pode atrapalhar. E muito.
Recentemente, passei por uma situação que quase me deixou paralisada de tanto medo. Não foi um assalto e nem perdi o emprego, simplesmente, tive de subir uma horrível e íngreme rampa no estacionamento de um shopping. Não estaria longe da verdade se dissesse que experimentei algo muito semelhante ao que o homem primitivo sentia quando era perseguido por um leão ou um tigre de dentes-de-sabre. Foi terrível!
Cito apenas algumas das minhas reações. Minhas pernas não mais me pertenciam. Tremiam feito geléia. Os batimentos cardíacos ficaram tão acelerados que senti a proximidade de um infarto. A respiração se tornou muito difícil, parecia estar tendo uma crise de asma. Se alguém tentasse falar comigo naquele momento, tenho certeza de que não conseguiria ouvir – e muito menos articular – uma única palavra. Enfim, reações que se encaixariam em qualquer situação de perigo iminente.
Alguns poderão estar-se perguntando: tiraste a carteira de motorista recentemente? Não. Era a primeira vez que subias uma rampa? Não. Havia pessoas dentro do carro que te estavam pressionando? Não.
Não, não e não seriam, muito provavelmente, as respostas a todas as outras possíveis perguntas que pudessem me fazer. No entanto, eu senti muito, mas muito, medo.
A pergunta é: por quê?
Aqui, tenho certeza, muitos (principalmente homens) se apressariam a responder: pura incompetência. Pode ser. Não vou discutir sobre esse tema e nem torná-lo uma briga entre sexos. O importante é que o medo foi extremo e irracional.
Onde quero chegar com tudo isso? Aconselhar as pessoas que não subam rampas íngremes de shopping, principalmente, se forem elas que estiverem dirigindo? Claro que não!
A questão aqui não foi a minha possível incompetência, mas o que o sentimento de incompetência provocou em mim naquele momento. Ele simplesmente me paralisou. O medo de não ser capaz de fazer algo tão simples (frear e arrancar um carro em uma rampa) me impediu de seguir em frente.
Apliquem agora esse raciocínio a quaisquer outras situações de suas vidas, como, por exemplo, falar com o seu chefe para tentar um aumento de salário. Se o medo de que dê tudo errado dominar a sua mente, você poderá, além de não pedir um novo aumento, trabalhar de graça caso o seu chefe “gentilmente” peça. Do mesmo modo, o medo pode impedir que você aceite um novo emprego, pois ele erroneamente irá levá-lo a crer que não é capaz.
O medo tem todo esse poder? Infelizmente, tem. Vejam eu e a minha rampa.
Portanto, pensem. Ter medo de ser assaltado é saudável. Ninguém deve ser louco a ponto de querer enfrentar um bandido armado. É como enfrentar um tigre de dentes-de-sabre com as mãos nuas. Pura insanidade. No entanto, o medo deve ser utilizado a nosso favor, para sobreviver e não para nos escondermos. Ter receio de se arriscar é normal. Mas fazer dessa emoção um modo de vida, isso sim é de dar medo, muito medo.
O importante é buscar recursos para enfrentar todos os medos que diariamente nos assombram. O homem primitivo encontrou no fogo, nas lanças e nas pedras os meios necessários para enfrentar os animais selvagens. Com isso o medo deixou de existir? Claro que não! Ele foi simplesmente controlado e superado. Nós, homens e mulheres, do século XXI, temos as nossas próprias “feras” para enfrentar. A questão toda é encontrar as formas de mantê-las afastadas de nós, para podermos seguir em frente. Difícil? Talvez. Mas não impossível.
E quanto à minha rampa? Consegui subi-la? Parece óbvio que, se estou escrevendo essa crônica, é que consegui. Tudo bem! Foram duas tentativas e muito medo, mas conquistei a vitória. Para saber se esse medo foi superado – se consegui matar o meu tigre – preciso tentar novamente e ver o que acontece. Mas isso fica, quem sabe, para uma outra oportunidade.enfrentando.

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