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O ensino crítico-reflexivo como proposta educativa na Educação Física escolar

Franciele Roos da Silva Ilha*; Hugo Norberto Krug*

publicado em 01/10/2008 como www.partes.com.br/educacao/ensinocritico.asp

Franciele Roos da Silva Ilha é especialista em Gestão Educacional e Educação Física Escolar na UFSM; Mestranda em Educação na UFSM. franciele.ilha@yahoo.com.br
Hugo Norberto Krug é Doutor em Educação e Ciência do Movimento Humano; Professor Adjunto da UFSM; Coordenador do GEPEF/UFSM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física). hnkrug@bol.com.br

No contexto da Educação Física, por um longo tempo sua prática e sua reflexão teórica restringiram-se aos aspectos fisiológicos e técnicos. Entretanto, atualmente vem-se buscando superar essas concepções limitadas do trabalho com o aluno através de uma análise mais crítica que considere também as dimensões culturais, sociais, políticas e afetivas, presentes no corpo vivo das pessoas enquanto sujeitos que interagem e se movimentam, sendo esses seres socialmente construídos (BRASIL, 2000).

       Para Gaier (2001), dentre as dificuldades da Educação Física no que se refere a sua valorização e relevância, destaca-se a visão reduzida que o aluno e a sociedade em geral possuem em relação aos objetivos das aulas. Muitas vezes, o aluno não sabe por que está realizando determinada atividade ou movimento, nem os valores socioculturais e o significado da prática pedagógica da Educação Física.

       Outra situação presente nas aulas é a falta de espaço de tempo oportunizado para os educandos manifestarem sua opinião, tirarem suas dúvidas, enfim, contribuir com a (re)construção das aulas de Educação Física a partir de suas necessidades e vivências, já que o professor vem com a aula pronta, e, às vezes, não permite que o aluno interfira no processo de ensino. Nesse sentido, evidencia-se a importância do professor ter clareza da concepção de ensino que sustenta a sua prática pedagógica, tendo a sua fundamentação coerente com os objetivos e demais aspectos que envolvem o desenvolvimento das aulas de Educação Física.

            É importante destacar que, em um todo processo educativo de transformação social claramente orientado e intencionado, a matéria-prima e os verdadeiros protagonistas do processo são indiscutivelmente todos os membros do grupo, situados em determinado contexto. Isto parece ser defendido e aceito por grande parte da sociedade, no entanto, mantêm-se nas instituições de ensino práticas contraditórias com este posicionamento, pois a pedagogia gira em torno do educador (HURTADO, 1993).

         Dentre as perspectivas emancipatórias, o ensino crítico-reflexivo representa uma proposta que visa desconstruir com as concepções educativas e metodologias de ensino tradicionais e limitantes no trabalho com o humano. Pimenta (2002) compreende a atuação docente como uma prática social e as escolas como comunidades de aprendizagem. Destaca a importância de se considerar o contexto, de ir além da reflexão, utilizando a teoria e articulá-las, assim como promover a emancipação dos sujeitos, o caráter coletivo e crítico com tomada de decisões e a diminuição das desigualdades sociais. Em vez de reflexão – reflexão crítica, de professor reflexivo – intelectual crítico.

A partir disso percebe-se que são inúmeras as estratégias que o professor pode utilizar ao se apoiar no ensino crítico-reflexivo, a dificuldade com certeza não está em desenvolver o trabalho, mas sim em rever e transformar as atuais concepções de ensino presentes na prática pedagógica da maioria dos professores. Assim, este estudo teve como objetivo descobrir se os professores de Educação Física Escolar entendem e/ou desenvolvem um ensino crítico-reflexivo em suas aulas.

         A abordagem utilizada foi a qualitativa com as informações coletadas através de entrevistas semi-estruturadas e interpretadas pela análise de conteúdo. Os participantes foram três professores de Educação Física das Séries Finais do Ensino Fundamental do município de Caçapava do Sul/RS, sendo um professor de cada rede de ensino (municipal, estadual e particular).

         Acerca do ensino crítico-reflexivo, os professores de Educação Física demonstraram não possuir um conhecimento preciso sobre o seu significado. Este fato justifica-se de certa forma pela sua formação profissional. Darido (apud GAIER, 2001, p.2) reforça essa ideia ao dizer que “esta falta de reflexão na Educação Física é resultado da formação acrítica do professor. Desta forma, é necessário desenvolver a reflexão durante a formação inicial (…)”. Tendo em vista que, se o educador tivesse vivenciado ou mesmo estudado essa concepção de ensino ainda na graduação, aumentaria a possibilidade de ocorrência desta proposta na instituição escolar.

         Ainda que, quando questionados sobre a existência de discussões em aula; bem como a relação dos conteúdos da Educação Física com o contexto mais amplo; a participação do aluno na escolha das atividades, professores e alunos, esclarecem que essas atitudes não estão presentes nas aulas. Com exceção do Professor E que realiza trabalhos e discussões relacionando a Educação Física com o sedentarismo, prevenção de doenças, dentre outras. Porém com foco somente na promoção da saúde, afirmando que a comunicação mais aberta depende muito da realidade de cada turma. Todavia, este último professor, limita o amplo trabalho que pode ser feito na articulação do conhecimento da Educação Física com a realidade social dos alunos, da sociedade, as influências da mídia no contexto socioeconômico, entre outras.

        Com todas essas informações que revelam a quase inexistência do ensino reflexivo na prática educativa desses professores, o Professor P diz que consegue desenvolver um ensino crítico-reflexivo, fundamentado no entendimento de que a intimidade dele com os alunos possibilitam à liberdade de expressão, sendo esta uma característica embasada na sua representação de tal concepção de ensino. Não descartando a relevância dessa atitude de aproximação entre aluno-professor para um ensino crítico-reflexivo, é necessário ir além disso, como destaca Ross (apud MARCELO GARCÍA, 1992). O autor identificou três atitudes essenciais para desenvolver o ensino reflexivo: a) mentalidade aberta: definida pela ausência de pré-conceitos ou de qualquer hábito que limite o pensamento de aceitar novos problemas e assumirem ideias diferenciadas; b) responsabilidade: principalmente a intelectual, tendo coerência no que se defende e procurar fundamentar-se em propósitos educativos e éticos da conduta docente; c) entusiasmo: ter capacidade de renovação e luta contra a rotina.

       De acordo com Marcelo García (1992), existe também um conjunto de habilidades importantes para a concretização de um ensino crítico-reflexivo: a) empíricas: ter capacidade de fazer um diagnóstico da turma e da escola; b) analíticas: analisar os dados e construir uma teoria; c) avaliativas: emissão de juízos sobre as consequências educativas; d) estratégias: planejamento de ação, antecipação e implementação; e) práticas: relacionar a análise com a prática; f) comunicativas: comunicar e partilhar ideias com colegas. Porém o autor relata que apenas essas habilidades não garantem um ensino reflexivo, sempre é necessário buscar algo mais.

         Através dessas análises foi possível responder o problema de pesquisa, ou seja, esses professores não desenvolvem um ensino crítico-reflexivo, nem ao menos sabem ao certo o seu significado e as formas de agir em convergência com essa proposta. Diante disso, pode-se relacionar este fato com o seu histórico profissional, tendo em vista que eles se formaram na década de 1990 e após isto foram poucos os momentos em que buscaram estudar a produção de conhecimento na área e rever sua prática docente. Apesar de dois professores (Professor M; Professor E) terem feito um curso de especialização, não foi o bastante para instigar uma constante reflexão sobre sua atuação. Nesse sentido, muitos autores relatam que o fundamental para o desenvolvimento profissional dos professores é estar constantemente revendo sua forma de ensinar de modo a estar colaborando efetivamente para o processo de aprendizagem do aluno, bem como contribuir para a comunidade escolar assumir uma postura mais crítica frente aos valores supérfluos que a sociedade impõe constantemente através de atitudes alienantes. Este fato, com certeza não é peculiar a essa realidade, tendo em vista que me formei em 2007 e durante a graduação tive muito pouco incentivo relativo a essa concepção de ensino. Ainda que, inserida numa universidade bem conceituada no país.

         Diante disso, o binômio ação/reflexão deve fazer parte do trabalho desenvolvido pelo professor. O “ser-professor” significa compreender o processo educativo como um processo de construção através da ação reflexiva de um sujeito consciente do seu papel social, respeitador das diferenças, e que trás consigo a atitude de mudança e do agir.

       Então, o que se vem percebendo em torno dessa problemática é que por mais que a formação de alunos/professores se assente numa prática tradicional de Educação ainda em muitos contextos, um incontável número de profissionais insatisfeitos com essa atuação vem agindo de forma a desestabilizá-la ao realizar movimentos de desconstrução e reconstrução através de reflexões compartilhadas imbricadas nos processos de ensino. Deste modo, como os reflexos dos trabalhos realizados no campo social e educacional, em geral, demoram a emergir, parece-nos difícil visualizar o empenho desses profissionais. Entretanto, cada um de nós pode assumir a responsabilidade de melhorar o espaço em que atua, aproveitando as oportunidades para agir a favor de uma formação mais crítica e reflexiva dos alunos e de si próprio.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física/ Secretaria de Educação Fundamental. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

GAIER, Adriana Matos. Educação Física Escolar: buscando alunos reflexivos. 2001. 62f. Monografia (Especialização em Ciência do Movimento Humano) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2001.

HURTADO, Carlos Nuñez. Educar para transformar, transformar para educar: comunicação e educação popular. Petrópolis: Vozes, 1993.

MARCELO GARCÍA, Carlos. A formação de professores: novas perspectivas baseadas na investigação sobre o pensamento do professor. In: NÓVOA, António. (Coord.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, p.51-76, 1992.

PIMENTA, Selma Garrido. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, Selma Garrido; GHEDIN, Evandro. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, p.17-52, 2002.

* Especialista em Gestão Educacional e Educação Física Escolar na UFSM; Mestranda em Educação na UFSM. franciele.ilha@yahoo.com.br

* Doutor em Educação e Ciência do Movimento Humano; Professor Adjunto da UFSM; Coordenador do GEPEF/UFSM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física). hnkrug@bol.com.br

 

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