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A colonização em Rondônia e o meio ambiente

Francisco Tarcisio Lisboa[*]

publicado em 02/04/2009

RESUMO: Este artigo pretende discutir o processo de colonização empreendido no Estado de Rondônia a partir da década de sessenta do século passado e sua relação com a degradação do meio ambiente, bem como mostrar que as bases históricas da estrutura agrária continuam sendo fortalecidas no país, inclusive nas áreas destinadas aos pequenos produtores rurais.  

PALAVRAS-CHAVE: Amazônia; Rondônia; colonização; meio ambiente.

 

INTRODUÇÃO

 

            A racionalidade empreendida pelo governo brasileiro no planejamento da colonização na Amazônia demonstrou o quanto as idéias estão distantes da realidade, ou o quanto elas não traduzem as verdadeiras intenções dos planejadores.

A análise do processo de colonização empreendido a partir da década de sessenta do século XX em Rondônia é bastante esclarecedora sobre a questão da posse da terra no Brasil. Uma política que foi gestada com o objetivo de distribuir terras para famílias pobres, na realidade, tornou-se uma facilitadora para o aumento e manutenção da tradição agrária brasileira: o latifúndio.

As frentes de expansão com a colonização na Amazônia tiveram duas contribuições importantes para o empresariado agrário na região: fizeram a derrubada inicial nas áreas de floresta e serviram para o fornecimento de mão-de-obra. É importante lembrar que este artigo tem o objetivo de apenas fazer um breve histórico da colonização e a sua relação com a destruição do meio ambiente, sem, portanto, entrar no aspecto dos ganhos ou das perdas econômicas e sociais dessa política pública criada pelo governo brasileiro.

Uma breve história da colonização em Rondônia

 

A colonização da Amazônia a partir da década de sessenta do século passado foi uma estratégia do Estado brasileiro para garantir a ocupação da região, expandir os mercados e servir como válvula de escape para os problemas no campo que se avolumavam em outras regiões do país. De acordo com Tavares dos Santos (1989) ela se deu em função da disponibilidade de terras devolutas, ação estatal, migração induzida, institucionalização da propriedade privada, regime disciplinar sobre os colonos e a criação e manutenção de exclusão social.

Para executar a colonização, o governo teve que implementar políticas públicas de suporte, como a criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, reestruturar o Banco da Amazônia, criar o Instituto de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e o Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agricultura do Norte – PROTERRA, sendo estes últimos, de acordo com as metas do Plano de Integração Nacional – PIN.

         Dois aspectos são importantes no processo de colonização na Amazônia, e em especial em Rondônia: a categoria do vazio demográfico e a migração incentivada através da propaganda ufanista (característica do governo militar) do “Eldorado”.

A categoria do vazio demográfico trouxe graves conseqüências para as populações indígenas (na época, algumas ainda sem contato com a sociedade envolvente), seringueiros e pequenos posseiros habitantes na região. Conforme Amaral (2004, p. 64) “[…] o Estado institui um “vazio social” em um território ocupado milenarmente por nações indígenas, secularmente por caboclos originários da época do extrativismo da borracha e modestamente por posseiros”. Estigmatizando-os de atrasados e incapazes foram taxados como culpados pelo atraso da região, o que os colocou à margem do processo.

         A primeira tentativa do governo brasileiro em colonizar o hoje Estado de Rondônia se deu no período de 1945 a 1969 com as colônias agrícolas. Mas é com o Decreto-Lei de 1º de abril de 1971, do Poder Executivo, determinando uma faixa de 100 km de cada lado das rodovias federais para colonização, que houve a efetiva ocupação do Estado, tendo o eixo da BR 364 como ponto de partida.

         As nomenclaturas dadas inicialmente pelo INCRA aos projetos de colonização foram: Projetos Integrados de Colonização – PIC e Projetos de Assentamentos Dirigido – PAD. No Projeto Integrado de Colonização, o Governo Federal através do INCRA assume a responsabilidade da distribuição de lotes, de organização territorial, e de instalação da infra-estrutura de apoio aos colonos; no Projeto de Assentamento Dirigido, o beneficiário da distribuição de terra era mais especializado, com um pouco mais de recursos e experiência com crédito bancário. Se o primeiro projeto era destinado ao camponês, o segundo voltava-se especialmente ao profissional liberal. Outra diferença importante nestes dois tipos de assentamento era o tamanho da área: nos PICs 100 ha e PAD lotes de 250, 500 e 1000 ha.

A propaganda do governo na época provocou um processo de procura pela terra própria tornando a migração tão acentuada que os projetos de colonização (e distribuição de terras) não atenderam ao grande contingente de pessoas, especialmente para Rondônia, uma vez que a iniciativa da colonização na Transamazônica havia fracassado. Esse fluxo migratório ganhou tamanha proporção que fez o INCRA mudar o sistema de distribuição de terras para atender a essa demanda. O novo modelo a ser utilizado foi o Projeto de Assentamento Rápido – PAR, porque:

[…] em decorrência da impossibilidade de atendimento da demanda por terras na região, de invasões de áreas fora dos projetos de colonização oficiais, o que forçou o INCRA a criar projetos de assentamento rápido, objetivando regularizar as ocupações a assistência aos migrantes, que mesmo nos projetos oficiais foi se tornando precária, nos projetos de assentamento rápido era inexistente. Tem-se, assim, uma rápida visão das razões que permitiram a ocupação descontrolada naquela área, com efeitos perversos sobre o meio ambiente da região, especialmente no que se refere à devastação florestal e à exaustão do solo (PEREIRA, 1997, p. 80).

Muitos dos Projetos Assentamento Rápido foram criados para regularizar as áreas que haviam sido invadidas em função do grande fluxo migratório de pessoas ávidas por seu “pedaço de terra”.

E a questão ambiental como era tratada na época? Não era uma preocupação das esferas governamentais. O importante era assentar os colonos que se deslocaram até Rondônia; o desmatamento e a queimada foram incentivados pelo órgão de colonização, porque, o INCRA ao assentar o colono, inicialmente dava um documento chamado de “autorização de ocupação”, de caráter provisório; o título definitivo era entregue após seus técnicos vistoriarem o terreno comprovando se o dono morava no local, se havia derrubado 50% da área de floresta e feito o plantio de culturas agrícolas. A prática da derrubada da floresta se institucionaliza porque “… possibilitava reivindicações pela terra…” (FEARNSIDE, 2005, p. 114.), nas invasões das áreas públicas sem controle pelo Governo e nas de reservas.

A invasão de terras move as populações para as diferentes áreas do Estado e é o motor dos grandes conflitos pela posse de terra. Vale acrescentar que ela se dá tanto pelo pequeno posseiro, como pelo grande fazendeiro, motivadas pela falta de controle dos órgãos governamentais, pela conivência das autoridades e de políticos com intenções eleitoreiras.

A valorização das propriedades agrícolas fomentando a venda e a especulação financeira daquelas distribuídas pelo INCRA intensifica-se na década de 80 do século passado como conseqüência da queda dos preços dos produtos agrícolas, pelos diferentes planos econômicos dos governos brasileiros e pela abertura de áreas de florestas influenciada pela abertura de novas estradas. A descoberta de áreas de garimpo para lavra manual – que retirou grande parcela de trabalhadores do campo para se destinar a essa atividade – contribuiu para um significativo êxodo rural no Estado.

Os compradores das propriedades distribuídas pelo Governo são os membros das classes mais abastadas do Estado, que encontram no meio rural um meio de expandir seus investimentos com uma atividade lucrativa e de pouco custo com mão-de-obra: a pecuária. A partir de então, o desmatamento intensifica-se em Rondônia. Fearnside (2005) afirma que essa é uma das principais causas do desmatamento em larga escala da floresta amazônica, aliada a outras como a extração de madeira e o plantio de culturas mecanizadas como a soja (FEARNSIDE, 2003 e ALENCAR et al., 2004).

Considerações finais

A colonização em Rondônia planejada pelo governo militar brasileiro teve início com o PIC Ouro Preto no ano de 1971. A partir desse ano o meio ambiente tem passado por um processo violento de antropização. Inversamente ao que aconteceu em outras tentativas de ocupação da Amazônia, onde as massas deslocadas a essa região vinham apenas como mão-de-obra, desta vez, o migrante vinha como colono para ser dono do seu empreendimento. Este era o sonho. Nem todos conseguiram realizar.

A solução para o desmatamento da Amazônia é um desafio tão grande quanto as suas dimensões. O que se configurou com a colonização de Rondônia e continua acontecendo é que passado um determinado tempo o pequeno colono não encontra mais condições para manter-se na terra: deve vendê-la e partir para abrir novas áreas de florestas, favorecendo o surgimento de grandes fazendas nas áreas de colonização. De acordo com o exposto neste artigo, duas ações são fundamentais: garantir a permanência das famílias de pequenos produtores em suas terras e instituir uma política de regularização fundiária. A primeira medida é necessária porque são os pequenos produtores quem abre a floresta; a segunda porque a falta de controle sobre as terras favorece a invasão, o conflito e o surgimento das grandes propriedades que são reconhecidamente os que mais danos causam ao ambiente com a implantação de grandes áreas de pastagens.

         Bibliografia

 

ALENCAR, A; NEPSTAD, N; MCGRATH, D; MOUTINHO, P; PACHECO, P; DIAZ, M. D. C. V. e FILHO, B. S. Desmatamento na Amazônia: indo além da emergência crônica. Manaus: Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), 2004, 89p.

 

AMARAL, Januário. Mata virgem: Terra Prostituta. São Paulo: Terceira Margem, 2004.

FEARNSIDE, Philip M. Desmatamento na Amazônia brasileira: história, índices e consequências. Megadiversidade, v. 1, n. 1, jul., 2005.

______. A floresta Amazônia nas mudanças globais. Manaus: Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), 2003, 134p.

FERREIRA, Leandro Valle, VENTICINQUE, Eduardo e ALMEIDA, Samuel. O desmatamento na Amazônia e a importância das Áreas protegidas. Estudos Avançados, 19 (53), 2005.

 

PEREIRA, José Matias. O processo de ocupação e de desenvolvimento da Amazônia: A implementação de políticas públicas e seus efeitos sobre o meio ambiente. Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 34 n. 134 abr.-jun., 1997.

SANTOS, José Vicente Tavares dos. O Processo de Colonização Agrícola no Brasil Contemporâneo. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. IV, n. 2, jul.-dez., 1989.

 

Francisco Tarcisio Lisboa é mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente

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