Crônicas

Lembranças da Infância

Cinara Dalla Costa Velasquez *

publicado em 01/06/2009 como www.partes.com.br/cronicas/lembrancasdainfancia.asp

Cinara Dalla Costa Velasquez é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE – da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Especialista em História, Cultura, Memória e Patrimônio pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões URI – Campus Santiago-RS, licenciada em História –URI- Campus Santiago.

A rua e o silêncio, no início de uma nova manhã, parecem querer me dizer algo bem baixinho. Som de passarinhos, passos apressados, pessoas que, como eu, iniciam mais um dia da jornada de trabalho ou de estudos. De repente, paro e decido sentar-me em um banco, destes que nos convidam para observamos o mundo e os seus ecos.

         Olho à minha volta e sinto uma calma inusitada, ouço o barulho das folhas secas do outono, que se despedem para receber mais um inverno. Fazem com que eu sorria e lembre cenas adormecidas da infância, das vozes, que aqui já não se encontram comigo. Devaneios, nostalgias, talvez… Penso que são memórias guardadas em caixinhas, bem recolhidas das nossas vidas, assim, meio como mágicas, por vezes gritam para que as visitemos.

         É justamente assim, olhando para esta praça, para este banco,  que me embriago com os barulhos de seu entorno, enquanto o sol do outono, num quase inverno, belisca-me, delicadamente, a face. Sorrio e decido, sim, ir ao encontro de alguns momentos nostálgicos, de um tempo que ficou para trás, lá, dentro da minha caixinha, entre fotografias, sons, aromas, vozes, tantas coisas, que precisaria de mais tempo para nominá-las. Saudades, sim, saudades dessa fase tão linda e ingênua que foi minha infância.

         Fecho meus olhos e deixo as lembranças chegarem devagarzinho… Uma por uma… O doce som dos balanços da pracinha de brinquedos, das gangorras, dos balanços, estes são, sem dúvida, lugares perdidos e reencontrados no tempo, onde descobri a arte de sonhar… Em boa parte das minhas tardes, viajava para apreender o mundo em minhas retinas imaginativas, querendo ser adulta no embalo de um balanço e do barulho do vai e volta que dele ecoava.

         A caixa de areia, onde construí castelos e mundos distantes, fui visitá-la… E descobri, aos poucos, a arte da imaginação, capaz de me levar para tão longe, que passei a viver em dois lugares: o mundo real e o mundo fantástico e mágico do imaginar de uma criança que deslizava nos pensamentos e, por horas, escorregava em lugares lindos, mágicos, ternos, com as cores que eu pintava… Muitas vezes, repletos de multicoloridos, que somente eu percebia.

         Abro meus olhos e, num tênue piscar, as lembranças jorram como água da fonte. Os aromas, esses são lindos, sim, são tão tocantes, que me sinto adentrando aos meus poucos mais de sete anos. O cheiro do pão no forno… O cheiro da cera, que, para mim, remontava a dia de festa, quando o assoalho brilhava como espelho toda sexta-feira. A mesa posta para o café das cinco, que alegria, quantas tardes pintadas no quadro do tempo e aquareladas em minhas memórias…

         No fogão, a lenha queimava, espalhando um doce cheiro que anunciava que era hora de nos reunirmos, de sorrirmos, de aquietarmos… Que beleza foi minha infância! Pular sapata, jogar cinco marias, subir em árvores, olhar as estrelas e vê-las de todas as cores. Minha boneca feita de pedaço de lenha era tão perfumada, seus olhos, dois botões de rosa, sua roupa colorida, eu e ela éramos tão felizes.

         Nossa, parece que preciso despertar e voltar ao real, as lembranças me levam a lugares distantes e, sem avisar, fazem-me sorrir, o que percebo mágico.

         Que bom, penso eu, (e eu sei que não é assim), quisera que todas as crianças tivessem os aromas e as cores da minha infância, que me levaram por trilhos lindos, por veredas sublimes e que me deram a presença de pais e irmãos tão queridos. Vivi uma infância feliz. Brinquei como criança, sorri junto a amigos… Também chorei a partida de outros. Nesse embalo dos dias da minha infância, construí-me serena.

     É o que desejo para as crianças… Essas, que vejo diante de mim e que me fazem retornar ao mundo do agora. São tão pequenas e, na ronda de suas sobrevivências diárias, aproximam-se de mim e me falam baixinho: tia tem alguma coisinha para eu comer?! Ah, infância roubada, que triste vê-la assim! Descobri que a minha ficou na memória, tão mágica e bela.  Quiçá, no futuro de meninos e de meninas, possam viver o que vivi! Um viver sempre reascendido em uma pequena menina que encontrava alegria a cada novo sol que despertava.

 

*Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE – da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Especialista em História, Cultura, Memória e Patrimônio pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões URI – Campus Santiago-RS, licenciada em História –URI- Campus Santiago. E-mail: cinaravelasquez@gmail.com.

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