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Uma discussão sobre o currículo a partir de Tyler

Neila Pedrotti Drabach[1],Fabiane Sarmento Oliveira Fruet[2], Charles Luiz Policena Luciano[3], Cinara Dalla Costa Velásquez[4]

como www.partes.com.br/educacao/tyler.asp publicado em 01/06/2009

Neila Pedrotti Drabach é Pedagoga, Especialista em Gestão Educacional, Mestranda em Educação (PPGE / UFSM). Email: neila621@yahoo.com.br

Partindo do entendimento de educação como um processo que consiste em modificar padrões de comportamento (entendido como conjunto de pensamento, sentimento e ação) das pessoas, Tyler compreende o currículo como o conjunto de objetivos educacionais e conteúdos que visam desenvolver determinados comportamentos – os quais se delineiam a partir dos objetivos e se concretizam a partir dos conteúdos. A partir destes pressupostos defendidos pelo autor, este texto visa discorrer sobre os argumentos e exemplos utilizados no escrito de Tyler, Princípios Básicos de Currículo e Ensino, os quais compõem um arcabouço teórico que se propõe a servir como referencial na elaboração de currículos eficazes.

Entendendo como central a definição dos objetivos educacionais coerentes a cada projeto educacional, o autor inicia com uma exposição sobre fontes para a construção de tais objetivos. Tyler acredita que é possível realizar pesquisas que forneçam informações e conhecimentos úteis na decisão a respeito de objetivos educacionais. Assim, o autor apresenta três fontes (estudos dos próprios alunos, da vida contemporânea fora da escola e dos conhecimentos científicos acumulados, representados pelas sugestões fornecidas por especialistas em disciplinas) que podem ser utilizadas para obter informações que sejam satisfatórias nesse sentido. Para isso, o autor expõe brevemente que tipos de informação podem ser obtidos de cada uma dessas fontes e como essas informações podem sugerir objetivos educacionais significativos.

          A primeira fonte destacada, um estudo dos próprios alunos, procuraria identificar as mudanças necessárias nos padrões de comportamento dos estudantes que competiria à educação produzir. Desse modo, esses estudos devem investigar quais as necessidades/carências e os interesses dos alunos. Pois, os esforços da escola devem focalizar-se, particularmente, em falhas sérias no desenvolvimento atual dos estudantes e não reproduzir experiências educacionais já fornecidas de uma forma adequada fora desta. Assim, a escola pode dar motivação e significado às suas próprias atividades, oferecendo aos alunos meios de atenderem as necessidades que não foram devidamente satisfeitas fora desta. E também porque, a educação é um processo ativo, que envolve os esforços ativos dos próprios alunos. Geralmente, estes só aprendem aquelas coisas que fazem. Portanto, se as situações escolares versam sobre assuntos de interesse do aluno, ele participará ativamente dessas situações e aprenderá a lidá-las com eficiência.

Fabiane Sarmento Oliveira Fruet é licenciada em Letras Habilitação Português e Inglês, Especializanda em TIC aplicadas a Educação (UFSM), Mestranda em Educação (PPGE / UFSM) e Tutora do Curso de Licenciatura em Letras Inglês (REGESD). E-mail: faby@ufsm.br

  Porém, Tyler afirma que, embora esses estudos sejam úteis, não há uma fórmula única para inferir objetivos educacionais dos dados sobre alunos, o que pode resultar em várias interpretações possíveis; ou seja, a filosofia de vida e de educação que orienta o professor influi na interpretação dos dados dessa espécie. Dessa forma, segundo o autor, fica evidente que os objetivos não são identificados automaticamente pela coleta de informações sobre os estudantes.  Além disso, ainda sobre esses estudos, ele sugere que o professor, ao derivar objetivos de estudo das necessidades dos alunos, deve identificar as implicações relevantes aos objetivos educacionais e não confundi-las com aquelas que não se relacionam ao alcance da educação.

         A segunda fonte, estudos da vida contemporânea, é considerada importante para derivação de objetivos educacionais, porque, ao focalizar os esforços da educação sobre aspectos essenciais da vida e sobre aqueles aspectos que têm importância atualmente, não ocorreria desperdício do tempo dos alunos na aprendizagem de coisas que eram importantes tempos atrás, mas que já não têm significação hoje, ao mesmo tempo em que se identificaria as áreas da vida que são importantes agora e que não são oferecidas pelas escolas.  Além disso, o aluno teria muito mais chance de aplicar a sua aprendizagem, quando reconhecesse a semelhança entre as situações encontradas na vida e as situações em que ocorreu a aprendizagem.

         No entanto, Tyler destaca várias críticas que são feitas a esses estudos: a identificação das atividades contemporâneas não indica, por si mesma, a desejabilidade das mesmas. Isto pelo fato de a vida estar em contínua transformação, preparar os alunos para resolver os problemas de hoje é torná-los incapazes de fazer frente os problemas que encontrarão como adultos, pois estes terão mudando; entre outras. Em geral, de acordo com o autor, essas críticas se aplicam à derivação de objetivos unicamente a partir desses estudos, o que não aconteceria se os objetivos fossem derivados em conjunto com outras fontes.

         A terceira fonte, sugestões sobre objetivos, fornecidos por especialistas em disciplinas, é a mais usada em escolas e faculdades típicas, de acordo com Tyler. Os livros e textos escolares e universitários são geralmente escritos por especialistas na matéria e refletem, em grande parte, as opiniões desses especialistas. O autor afirma que muitas críticas têm sido feitas à adoção dessas sugestões, porque os objetivos que eles propõem são demasiado técnicos e especializados, ou inadequados, sob outros pontos de vista, a um grande número de alunos. Ele acredita ser provável que a inadequação de muitas listas de objetivos sugeridos por esses especialistas provenha de não terem feito a estes as perguntas apropriadas, como por exemplo, “Com que pode contribuir a sua disciplina para a educação de jovens que não se destinam a ser especialistas no seu

Cinara Dalla Costa Velasquez é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE – da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Especialista em História, Cultura, Memória e Patrimônio pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões URI – Campus Santiago-RS, licenciada em História –URI- Campus Santiago.

campo; qual pode ser a contribuição da sua disciplina para o leigo, o cidadão comum?” (p.24).

         Tyler também ressalta que os relatórios mais recentes sobre currículos indicam que os especialistas em disciplinas podem fazer sugestões de muito proveito em resposta a essa pergunta. Ele cita os relatórios de grupos de inglês, literatura, de ciências e de artes plásticas. De acordo com o autor, geralmente, duas espécies de sugestões podem ser obtidas desses relatórios no que se relaciona a objetivos: uma lista de sugestões sobre as funções amplas que uma determinada matéria pode desempenhar e outra que diz respeito a contribuições particulares que uma disciplina pode trazer para outras grandes funções educacionais e que talvez não sejam consideradas como funções exclusivas da disciplina em causa.

     O posicionamento de Tyler é claro quando afirma que nenhuma fonte pode ser exclusiva na definição dos objetivos educacionais, pois nenhuma fonte isolada de informação é adequada para fornecer uma base para decisões amplas e criteriosas sobre objetivos educacionais. Tyler defende a necessidade de dar a cada uma das fontes alguma consideração no planejamento de qualquer programa curricular que procure ser tão completo quanto possível, ou seja, todas elas devem auxiliar na composição dos objetivos.

No entanto, como todos os métodos utilizados em cada uma das fontes resultam um número grande de sugestões, é necessário, como crivo, uma base filosófica da instituição educacional que determina o que é essencial para os pressupostos educativos e uma orientação psicológica que distingue o que é possível ou não de se atingir no processo de aprendizagem de determinados grupos, ou seja, quais as metas que são atingíveis. Uma vez definidos os objetivos educacionais, elenca-se os conteúdos e temas a ser desenvolvidos, os quais tendem a corresponder-se, no processo pedagógico, de forma mais eficaz, para alcançar comportamento desejável, o qual será avaliado por uma série de métodos e procedimentos tão complexos quanto aqueles realizados para construir os objetivos.

Dessa forma, os objetivos educacionais são o ponto de partida e de chegada da avaliação. De um lado, os objetivos definem as formas de avaliação, de outro estas formas de avaliação analisam em que medida estes objetivos estão sendo alcançados. Vale ressaltar que o autor aponta a avaliação como instrumento para averiguar de que forma os planos de experiências de aprendizagem (que foram construídos com base os objetivos educacionais e conteúdos definidos por estes) estão conseguindo funcionar como “guias para obtenção dos resultados desejados” (TYLER, 1979, p.98). Dessa forma a avaliação visa “medir” o processo de desenvolvimento do aluno no período de início ao término das experiências de aprendizagens previstas, só assim será possível identificar as modificações ocorridas, defende Tyler.

Tendo em vista que os objetivos educacionais apontam para o desenvolvimento de comportamentos desejáveis e que tais comportamentos envolvem


Charles Luiz Policena Luciano é licenciado em Educação Física (UNISC), Especialista em Políticas Sociais (UNISC), Mestre em Desenvolvimento Regional (UNISC) e Mestrando em Educação (UFSM). E-mail: charleslp2000@yahoo.com.br

pensamento, sentimento e ação, não é possível utilizar um único instrumento de avaliação. Nesse ponto, Tyler se distancia da avaliação como conjunto de testes e exames, unicamente. Embora sem descartar estas formas de avaliação, o autor acrescenta também instrumentos de avaliação como observação de comportamentos diários, como de alimentação, uso dos espaços da escola (biblioteca, sala de artes, laboratórios, etc), relações sociais no âmbito escolar; entrevistas; questionários; amostragens; produções em sala de aula. Os métodos podem ser tão variados quanto forem os objetivos educacionais.

Diante da proposição do autor sobre a função da avaliação no processo educativo, de um lado, ressaltamos duas questões que entendemos como positivas: a compreensão de avaliação como um processo e não apenas resultado e a valorização de variados instrumentos de avaliação.   Esta postura frente à avaliação permite o acompanhamento do processo de aprendizagem do aluno, da mesma forma que permite ao mesmo ser avaliado não apenas sob um aspecto, democratizando as formas de expressão de sua aprendizagem.  Por outro lado, questionamos o objetivo da avaliação frente ao processo educativo. A nosso ver, a avaliação está centrada no aluno e na metodologia, tendo como norte os objetivos educacionais, abrindo pouco espaço para repensar sobre os objetivos educacionais e conteúdos traçados para o processo educativo.

O autor defende a ideia de que os objetivos educacionais, cerne do currículo, devam estar relacionados diretamente ao comportamento desejado. Analisa o comportamento sob o aspecto lato, ou seja, pensamento, sentimento e ação. O currículo visto assim é entendido como uma organização estabelecida e direcionada, com intenções definidas e claras. Pode-se perceber uma ideia de currículo extremamente ligada a uma preocupação, que ele é incisivo, a definição dos objetivos. Embora defenda que tais objetivos sejam construídos a partir de diversas fontes, estes serão o resultado do crivo de um “elaborador”, que à luz de sua neutralidade e cientificidade irá apontar quais os objetivos mais adequados para determinado projeto educacional.

Sua obra escrita no contexto da racionalidade e do positivismo, evidencia várias lacunas de reflexão, como por exemplo, uma discussão de classes, sujeitos, poder. Poderíamos nos perguntar: de que sujeito e experiências Tyler refere-se? Por tratar-se de um contexto histórico e social, onde as relações são pautadas por teorias positivistas, e o autor emerge deste tempo, sua definição de comportamento desejado, parece ser um sujeito submergido em uma ordem histórica, econômica e social de uma sociedade linear e que deseja o sucesso do progresso. Uma obra clássica, mas, não podemos nos esquecer que o autor é um sujeito de seu tempo e de sua História.

         Devemos pensar o quanto ainda trazemos em nossa concepção curricular, mesmo no tempo presente, o currículo como objetivo já definido e que os educadores (as) são instrumentos de sua operacionalização. Uma reflexão para uma escola que não consegue distanciar-se da racionalidade e que deseja sujeitos preparados para a construção de uma sociedade, que busca sempre o progresso. Devemos nos indagar: que progresso? Que escola? Que sujeitos?

     Entendemos que a constituição desse arcabouço teórico que visa colaborar no desenvolvimento de currículos eficazes possui uma orientação positivista do conhecimento da realidade. Como exemplo, na fase da avaliação, utiliza-se levantamento de dados, variáveis, verificação, medida, amostragem, entre outros. E, como essa corrente filosófica aposta na neutralidade científica, aqueles que a buscam para construir os pressupostos educativos também propõem uma educação neutra na teoria, mas que na prática tenta modelar comportamento para uma adaptação às necessidades sociais vigentes, evitando, sempre quando possível, os conflitos gerados pelas contradições imanentes dessa sociedade. Tal padronização do comportamento para uma harmonização social torna-se evidente quando o autor afirma ser “necessário passar pelo crivo a coleção heterogênea de objetivos que se obteve até agora, a fim de eliminar os menos importantes e os contraditórios” (TYLER, 1979, p.30, grifos nosso).

     Mesmo oferecendo uma base teórica à elaboração de objetivos que visam uma educação comprometida com a democracia, esta não se concretiza. Isso porque, a validade, principal categoria de análise da avaliação, “se aplica ao método e indica o grau em que um dispositivo de avaliação realmente fornece evidências sobre o comportamento desejável” (TYLER, 1979, p. 110). É uma educação que não permite escolhas, o que fere os princípios democráticos, impedindo de que as pessoas sejam sujeitos de sua história e, quando o “instrumento tem muito pouca objetividade ou fidedignidade, será necessário melhorá-lo” (TYLER, 1979, p.111). Isto é, será necessário ajustar melhor a fôrma.

     Essa concepção de educação encontrou seu amadurecimento nesses últimos anos. O currículo e seus objetivos educacionais, que anteriormente se desenvolvia nos contextos escolares, mesmo considerando seu método positivista, era uma possibilidade de pensar a educação pelos próprios que a elaboravam, o que permitia alguns espaços para uma reflexão crítica. Atualmente, os métodos de elaboração dos objetivos educacionais estão restritos a pequenos grupos de especialistas, muitos ligados a organizações políticas e econômicas, os quais eram vistos com muita cautela pelos primeiros. Os professores passaram de elaboradores a meros executores de tarefas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

TYLER, W. R. Que Objetivos Educacionais a Escola deve procurar alcançar? In: Princípios Básicos de Currículo e Ensino. 6 ed. Porto Alegre: Globo, 1979.

TYLER, W. R. Como se pode avaliar a eficácia de experiências de aprendizagem? In: Princípios Básicos de Currículo e Ensino. 6 ed. Porto Alegre: Globo, 1979.

[1] Pedagoga, Especialista em Gestão Educacional, Mestranda em Educação (PPGE / UFSM). Email: neila621@yahoo.com.br

[2] Licenciada em Letras Habilitação Português e Inglês, Especializanda em TIC aplicadas a Educação (UFSM), Mestranda em Educação (PPGE / UFSM) e Tutora do Curso de Licenciatura em Letras Inglês (REGESD). E-mail: faby@ufsm.br

[3] Licenciado em Educação Física (UNISC), Especialista em Políticas Sociais (UNISC), Mestre em Desenvolvimento Regional (UNISC) e Mestrando em Educação (UFSM). E-mail: charleslp2000@yahoo.com.br

[4] Licenciada em História (URI), Especializanda em História, Cultura, Memória e Patrimônio (URI), Mestranda em Educação (PPGE / UFSM).  E-mail: cinara@santiagonet.com.br

 

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