Ciência e Tecnologia

Direito, Constituição e preservação ambiental

 

Direito, Constituição e preservação ambiental

Victor Penitente Trevizan*

A incessante busca pelo desenvolvimento sustentável do planeta gera constante discussão na sociedade, que abarca não somente o incentivo à população em preservar o meio ambiente, mas também mecanismos que tenham como precípua finalidade a melhoria da qualidade de vida a curto e longo prazos.

Nesse cenário, há alguns anos, mais precisamente em 1º de fevereiro de 2002, foi editada pela Câmara Municipal de São Paulo e assinada pela prefeita à época, Marta Suplicy, mais uma medida para incrementar as condutas empresariais direcionadas à preservação ambiental: a Lei nº. 13.316/02. Essa nova lei trouxe ao ordenamento jurídico mais algumas providências voltadas à salvaguarda do meio ambiente.

A lei dispõe sobre a adequação ambiental da coleta e destinação final das embalagens, garrafas plásticas e pneumáticos utilizados na cidade de São Paulo, sob pena de, em caso de descumprimento, serem aplicadas sanções pelos órgãos municipais competentes, as quais se restringem à imposição de multa fixada entre R$ 25 mil a R$ 250 mil, bem como, alternativa ou cumulativamente, interdição da empresa. Eventuais quantias provenientes de multas serão revertidas ao Fundo Especial do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

A intenção do legislador foi, principalmente, a de viabilizar mais um meio legal de inibir a agressão e preservar os bens naturais, implementando, além dos métodos para destinação final desses objetos, a proibição do “descarte de lixo plástico no solo, em cursos d´água ou em qualquer outro local não previsto pelo ente municipal competente”.

O artigo 2º, visando delimitar a aplicação da lei, indica os ramos das empresas fabricantes e fornecedoras de embalagens e garrafas plásticas obrigados a adotar as medidas para a correta destinação dos produtos. Assim, as empresas vinculadas à produção e distribuição de bebidas em geral, óleos, combustíveis, lubrificantes e similares, cosméticos e produtos de higiene e limpeza devem adotar e respeitar as medidas para alcançar o objetivo de proporcionar a “destinação final ambientalmente adequada”.

Nesse sentido, considera-se “destinação final ambientalmente adequada” a reciclagem e a reutilização das garrafas e embalagens plásticas, desde que respeitadas as vedações e restrições estipuladas pelos órgãos de saúde competentes.

De forma sucinta e genérica, a lei, em seu artigo 3º, sem separar as categorias abarcadas pelo texto legal, expõe que as empresas deverão estabelecer e manter, entre si “procedimentos para a recompra das garrafas plásticas” após a utilização pelo mercado consumidor. Assim, a título de complementação, o legislador, mediante a elaboração do artigo 8º, discorreu sobre as providências a serem impostas às empresas que fabriquem, importem, distribuam e vendam pneumáticos, obrigando-as “a instituir, em conjunto, sistema de coleta de pneus usados e destinação final ambientalmente segura e adequada dos pneumáticos inservíveis”. São tidos como pneumáticos inservíveis os que não mais possam ser reformados para aproveitamento subseqüente.

Com a finalidade de viabilizar o efetivo alcance da correta destinação dos pneumáticos, a lei faculta às empresas deste âmbito a criação de centrais de recepção para armazenagem e destinação final dos produtos, desde que respeitadas as normas ambientais, urbanísticas e de uso do solo, podendo, além disso, serem contratados serviços especializados de terceiros.

Essa lei se encerra com a indicação, em seus artigos 13 e 14, de certas faculdades disponibilizadas ao Poder Público Municipal, tangentes às possibilidades de formalização de acordos entre cooperativas populares e empresas especializadas em coleta, bem como instituição e viabilização de financiamentos para projetos vinculados a tal finalidade.

Evidentemente, a Lei nº. 13.316/02 solidificou seu texto no direito constitucional, mais precisamente no artigo 225, assegurando a todos o direito de gozar de um meio ambiente equilibrado, por ser bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo.

Vale observar que a lei, logo após ser editada e assinada, em que pesem as nobres intenções do legislador, não respeitou um importante preceito constitucional para sua aplicabilidade e vigência, insculpido no inciso VI, do artigo 24, da Carta Magna vigente: atribuição de competência legislativa concorrente acerca das “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição” tão somente à União, aos Estados e ao Distrito Federal.

Dessa forma, somente esses entes podem, livremente, legislar sobre o tema abarcado por esta Lei Municipal. E, de fato, quando da assinatura da Lei Municipal (2002) este requisito de preexistência legal por parte dos entes Federal e Estadual não estava contemplado.

Ocorre que, justamente pela falta de regulamentação, a lei não entrou imediatamente em vigor. Somente em 28 de maio de 2008, sob o mandato do Prefeito Gilberto Kassab, foi editado o Decreto nº. 49.532/08 regulamentando a Lei Municipal, que possibilitou, consequentemente, sua efetiva aplicação.

É importante frisar que, além do referido Decreto instituído pelo Município, o Governo de São Paulo, em 17 de março de 2006, publicou a Lei Estadual de Resíduos Sólidos de nº. 12.300/06, que abrange, entre outros assuntos, o expresso na Lei Municipal. Assim, o preceito constitucional de anterioridade de Lei Estadual e/ou Federal resta cumprido.

Ou seja, tendo em vista que o início de vigência da Lei nº. 13.316/02 se deu somente após a implementação do Decreto nº. 49.532/08, que, por sua vez, é posterior à Lei Estadual nº. 12.300/06, entende-se que, levando-se em conta, principalmente, a importância concedida ao meio ambiente, não há que se falar em inconstitucionalidade por violação dos requisitos expressos nos artigos 24, inciso VI, e 30, inciso II, da Constituição Federal.

Em recente decisão judicial,  proferida nos autos do mandado de segurança impetrado pelo CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) contra os chefes do Departamento de Controle de Qualidade Ambiental e do Departamento de Limpeza Urbana, foi indeferido o pedido liminar pelo afastamento da aplicação da Lei Municipal, uma vez que se entendeu pela correta aplicação do mencionado artigo 225 em consonância com o artigo 170, inciso VI, ambos da Constituição Federal.

Cumpre salientar que o mencionado artigo 170, em seu inciso VI, dispõe que a livre iniciativa, intimamente ligada às funções e atividades empresariais, deve respeitar e seguir os princípios voltados à defesa do meio ambiente, devendo-se levar em conta, inclusive, a extensão do impacto ambiental “dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.

Portanto, mesmo diante das razões e argumentos contrários à Lei Municipal apresentados pelas empresas, a alegação de inconstitucionalidade, independentemente se considerados rígidos os procedimentos e providências a serem adotados, não deverá prevalecer.

Para que a reestruturação e a preservação do meio ambiente efetivamente ocorram, a sociedade como um todo deverá adotar métodos que, apesar de aparentemente drásticos ou danosos, deverão ser respeitados para a proteção de um bem maior e de interesse de todos, que é o meio ambiente, assim como ocorre em países europeus e nos Estados Unidos.

* Victor Penitente Trevizan é advogado de Direito Ambiental do Peixoto e Cury Advogados – victor.trevizan@peixotoecury.com.br

 

Deixe um comentário