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A formação docente e algumas provocações em comemoração aos 60 anos da declaração universal dos direitos humanos

Décio Luciano Squarcieri de Oliveira
Fernanda Gabriela Soares Santos

 

publicado em 01/11/2008 como www.partes.com.br/educacao/declaracao.asp

Fernanda Gabriela Soares dos Santos Mestre em Educação pelo PPGE/UFSM, professora da FISMA( Faculdade Integrada de Santa Maria). fernandagssantos@yahoo.com.br

O artigo em questão, aborda em suas linhas, a temática ligada aos direitos humanos, em comemoração aos 60 anos da . O ensaio aborda especificamente a questão da violência, cometida contra variados sujeitos da nossa História, como crianças e adolescentes, mulheres, discriminações raciais e demais formas que são utilizadas para constranger ou minimizar as condições e os direitos básicos que foram conquistados ao longo dos anos.

          Com o desenrolar da escrita, direcionamos as análises ao nosso campo profissional, a docência, sendo destacados alguns dados que chamam mais a atenção e merecem um aprimoramento.

          Gostaria de fazer referência aos autores FALEIROS; FALAEIROS (2008, p.32-33) quanto ao momento que citam Pierre Bourdieu (1970) e suas conceitualizações a respeito da “violência simbólica”, a qual segundo o autor, pode se originar a partir de situações economicamente desfavorecidas que muitas pessoas têm de sofrer, ocupando assim representações/ imagens sociais que lhes causam não apenas desconforto social como também de classe, na mediada em que são submetidos a um “sistema simbólico” responsável pela “perpetuação de determinada sociedade, através da interiorização da cultura dominante pelas pessoas.”

          A fala do pesquisador me transporta para um outro nível de entendimento, mas não diferente desta observação, ao contrário, acredito sintetizar algumas

Décio Luciano Squarcieri de Oliveira é Graduado em História – Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Maria. Especialista em História do Brasil/UFSM, Mestrando em Educação/UFSM, Professor Pesquisador I da Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFSM, Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Imaginário Social – GEPEIS – UFSM. decioluciano@yahoo.com.br

das ideias defendidas no material. Segundo SAVIANI (In: FARIA, 1984, p.79): “Enquanto o dominado não dominar o que o dominador domina, não conseguirá sair de seu estado de dominação.” Portanto, ao olharmos para nossa prática enquanto docentes, percebemos que por muito tempo, em situações algumas até mesmo imemoriáveis, reproduzimos discursos antagônicos às nossas reais ações, mas, ao contrário, incoerentes perante nossas falas e defesas.

          A leitura do material e os tipos de violência nos transporta para o campo da formação continuada, onde conseguimos obter certos entendimentos da nossa falsa alusão da defesa dos direitos de nossos alunos e cumprimento, destes mesmos direitos, por nossa parte.

          Ao considerar certas situações que nos apresentamos omissos, a falta de nossa inoperância na defesa dos direitos por si só é um ato de violência. De fato, herança que nós também sofremos em nossos anos escolares e formativos, uma vez que, quando transportamos a análise para o campo das “relações de poder” (FALEIROS; FALEIROS, 2008, p.29), cabe salientarmos um fragmento de FOUCAULT (2005, p.270) que aborda a questão da existência de leis e regras, que no nosso caso mais direto e agora evidenciado por este Curso de Formação, mostra que não basta tê-la escrita e nem somente criticar sua inoperância, sendo que a própria lei figura um ato de opressão:

É justamente a regra que permite que seja feita violência à violência e que uma outra dominação possa dobrar aqueles mesmos que dominam. Em si mesmas, as regras são vazias, violentas, não finalizadas; são feitas para servir a isto ou aquilo; elas podem ser burladas ao saber da vontade de uns e de outros. O grande jogo da história será de quem se apossar das regras, de quem tomar o lugar daqueles que as utilizam, de quem se disfarçar para pervertê-las, utilizá-las, pelo avesso e voltá-las contra aqueles que as tinham imposto; de quem, introduzindo-se no complexo aparelho, o fará de tal forma que os dominadores se encontrarão dominados por suas próprias regras.

          Em se tratando de instituições, a escola assume o papel central de controle social dos corpos, de disciplinamento, que ao contrário do que imaginamos, não é o berço do cumprimento moral e nem tão pouco legítimo, uma vez que as formas pelas quais o professor pode se utilizar para incutir o medo a favor da chamada obediência, são mais variados e tão abrangentes quanto os dispostos no material em questão.

          Para um autor que pesquisa avaliação, VASCONCELLOS (1992, p.31) :

[…] a avaliação escolar não é só avaliação! De instrumento de análise do processo educacional, a avaliação tornou-se instrumento de dominação, de controle, de seleção social, de discriminação, de repressão, adquirindo até um caráter passional de vingança, de “acerto de contas”.

          Momento propício também, para nos perguntamos porque em nossas graduações, cursos formativos, o tema da violência raramente aparece na rede dos debates, da mesma forma que é muito esparsamente encarada a questão racial. Nas nossas academias e escolas presenciamos mesmo que velados no dia-a-dia, situações em que certos casos nos indignam, em outros nos calamos, sentindo a todo o momento o peso da violência em nossa convivência social.

          De acordo com o jurista, estudioso e dedicado à temática dos Direitos Humanos, Marcos Rolim (1995), as formas de opressão a que somos submetidos podem ser manifestadas das mais variadas formas, tanto por quem as sofre e reproduz a violência, com do próprio Estado:

Ora, a Constituição é o contexto dos direitos fundamentais do ser humano. Não pode ser outro o lugar deles. Assim sendo, não importa se a constituição é legítima ou arbitrária; se os direitos humanos não estiverem lá, em outro lugar, enquanto exigências normativas, inutilmente estarão, pois, sob a ótica jurídica, os direitos fundamentais do ser humano são direitos subjetivos constitucionalizados. […] A rigor, todos os direitos subjetivos, além de obrigar o devedor, obrigam o respeito e a conformidade de todos, mas, sobretudo, obrigam o Estado, cujo dever é garantir o exercício deles. (ROLIM, 1995, p. 4)

          Em pesquisas de formação continuada, como esta em questão, cabe apresentarmos esta dualidade de compreensão, porque ao assumirmos discursos de que não são cumpridas as leis, elas por si só ferem em determinados momentos as liberdades individuais. Ainda, sabemos que não é a existência de leis e sim mudanças de comportamentos e intensificação de estudos deste tipo que qualificam as representações sociais por nós assumidas e por nós induzidas aos demais que com nós vivem.

          Para FREIRE (1987, p.81) a violência pode ser manifestada na própria recusa em comungar com os homens, em nosso caso, docentes, de comunicarmos com nossos educandos:

A auto – suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais.

          A autossuficiência de que nos fala FREIRE, é por vezes o medo do desconhecido, de mostrar que o professor é um ser em constante formação, e que esta mesma formação que se processa agora de forma continuada, é o caminho para eliminarmos muitas das formas discriminatórias presentes em nossas mais variadas instituições sociais, em especial as escolas que frequentamos e que nelas trabalhamos. Receitas prontas não esperamos, mas diálogos como o promovido por iniciativas da Revista Partes e, em suas contribuições na difusão de ideias e saberes.

REFERÊNCIAS 

FALEIROS, Vicente de Paula; FALEIROS, Eva Silveira (org). Escola que Protege: Enfrentando a violência contra crianças e adolescentes. 2º edição, Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2008.

FARIA, Ana Lúcia G. de. IDEOLOGIA NO LIVRO DIDÁTICO. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1984.

FOUCAULT, Michel. Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas de Pensamento. Coleção Ditos e Escritos II. Trad. Elisa Monteiro. (org.) Manoel de Barros da Motta. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária, 2ª Edição, 2005.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 17ª Edição, 1987.

ROLIM, Marcos (org.). Relatório Azul: Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul 1994-1995. Assembléia Legislativa. Porto Alegre – RS, 1995.

VASCONCELLOS, Celso dos S. Avaliação: concepção dialética-libertadora. São Paulo, SP: Libertatd, 13ª ed., 2001.

          Fernanda Gabriela Soares Santos Graduou-se em Filosofia – Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Maria. Especialista em Gestão Educacional/UFSM, Especializanda em Pensamento Político/UFSM, Mestranda em Educação/UFSM, Professora da Rede Municipal de Formigueiro – RS, Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Imaginário Social – GEPEIS – UFSM. fernandagssantos@yahoo.com.br

          Décio Luciano Squarcieri de Oliveira: Graduou-se em História – Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Maria. Especialista em História do Brasil/UFSM, Professor Substituto do Departamento de Metodologia do Ensino – Centro de Educação – UFSM, Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Imaginário Social – GEPEIS – UFSM. decioluciano@yahoo.com.br

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