Crônicas Margarete Hülsendeger

“Escrever é uma chatice”

Margarete Hülsendeger

publicado em 04/11/2009

 

Margarete Hülsendeger é Física e Mestre em Educação em Ciências e Matemática/PUCRS. É mestra e doutoranda em Teoria Literária na PUC-RS

Na FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2009, Chico Buarque fez a seguinte declaração: “Bom mesmo é ler. Escrever é uma chatice”. Lendo essa frase, assim de supetão, é impossível não se levar um susto. Afinal, seu autor é Chico Buarque de Holanda, compositor, dramaturgo e escritor de sucesso.

No entanto, como em todas as declarações de famosos, é preciso entender em que contexto elas foram feitas e, principalmente, qual foi a intenção do seu autor. Eu, por exemplo, tenho certeza que o objetivo de Chico Buarque não foi desmerecer o trabalho do escritor. Muito pelo contrário. Na minha opinião, Chico só tentou retirar um pouco do glamour – totalmente fantasioso – que existe sobre essa atividade.

Muitos escritores já afirmaram que escrever, na maior parte das vezes, é 90% de suor e apenas 10% de inspiração. Qualquer coisa diferente disso seria, segundo eles, pura ilusão. Assim, quando o autor de “Leite Derramado” adjetiva dois processos diferentes, como ler e escrever, ele está, na verdade, procurando explicar como eles ocorrem, sem, é claro, diminuir ou engrandecer qualquer um deles. Afinal, apesar de serem diferentes, eles podem muito bem ser considerados complementares.

Ler poderia ser comparado à satisfação de se degustar um bom vinho. Quando temos esta chance, já estamos recebendo um produto acabado, cabendo-nos apenas o prazer de saboreá-lo. Nenhum esforço maior nos será exigido, além de sentir o seu aroma e desfrutar do seu sabor. Portanto, é difícil não concordar com Chico Buarque quando ele diz: “Bom mesmo é ler”.

Escrever, por outro lado, é algo totalmente diferente: seria como produzir esse mesmo bom vinho. É preciso acompanhar de perto todo o processo; desde o plantio das mudas até o seu envelhecimento. Procedimento que pode durar vários anos até que o vinho esteja pronto para ser saboreado. É, portanto, um trabalho longo e extremamente complexo, não podendo, inclusive, se excluir a possibilidade de tudo acabar virando vinagre.

Do mesmo modo, quem escreve também está envolvido com o processo do início ao fim. O escritor, assim como o vinicultor, também corre riscos. Se seu texto não tiver um mínimo de qualidade caberá ao leitor dar por encerrada a sua trajetória. O vinho pode virar vinagre e o livro pode ser simplesmente esquecido no fundo de uma prateleira.

Enfim, ler, realmente, é muito bom. Mas, escrever também pode se converter em um vício difícil de abandonar. É como diz Clarice Lispector: “Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas… continuarei a escrever”. E é de pergunta em pergunta que o escritor se arrisca. Portanto, compreendo perfeitamente bem as palavras de Chico. Se levarmos em conta todos os riscos, mais o trabalho que o exercício de escrever exige, fica difícil não chegar a mesma conclusão: “Escrever é uma chatice”. Entretanto – graças a Deus por existirem “entretantos”! – a possibilidade de se colocar no papel ideias e mundos absolutamente originais supera qualquer risco ou chatice que esse trabalho possa ter.

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