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Licenciatura em educação Intercultural na Amazônia: a dimensão de um desafio

Genivaldo Frois Scaramuzza1

publicado em 11/11/2009

www.partes.com.br/educacao/licenciaturaintercultural.asp

 

Genivaldo Frois Scaramuzza – Professor da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Pedagogo, Especialista em Supervisão, Orientação e Gestão Escolar. Possui Mestrado em Geografia. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia – GPEA. scaramuzza1@gmail.com

Resumo: A proposta deste texto é evidenciar o conceito de Interculturalidade no contexto Amazônico, especificamente no Estado de Rondônia – Brasil. Tem como propósito produzir um demonstrativo sobre os primeiros passos do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural Indígena que, iniciado em 2009 no âmbito da Fundação Universidade Federal de Rondônia pretende produzir diálogos com os diversos grupos culturalmente distintos que integram o universo Amazônico.

Palavras – chave: Educação, Formação, Interculturalidade, Amazônia.

Considerações iniciais

Historicamente a educação na Amazônia tem sido palco de intensos debates, isso porque o território é composto por grupos culturalmente distintos e que a partir de seus espaços específicos, produzem significados e marcas simbólicas para as suas ações. Quilombolas, ribeirinhos, extrativistas e indígenas confrontam o processo de urbanização da floresta, situação que produz e oportuniza um diálogo intercultural entre os grupos urbanos e as populações tradicionais. Perante isso, se localiza o Estado de Rondônia no âmbito da Amazônia Legal, formado por minorias étnicas e pessoas que alimentaram o processo migratório principalmente a partir das décadas de setenta e oitenta do século XX, provenientes das regiões sul, sudeste e principalmente nordeste. O universo Amazônico, composto pela diversidade cultural oportunizou conquistas históricas, como por exemplo, a promoção e igualdade de acesso a educação escolar.

Educação intercultural em Rondônia

Pensando na efetivação de propostas de Interculturalidade, a Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR propôs a constituição e funcionamento do primeiro curso superior de Rondônia que pretende produzir um intenso diálogo com a diversidade amazônica. Desde 2007, professores, alunos e entidades representativas sociais se uniram em função da aprovação da graduação em Licenciatura em Educação Básica Intercultural Indígena – que foi possível depois que o ”CONSUN – Conselho Universitário no âmbito do REUNI – Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das universidades Federais, no dia 24 de Outubro de 2007” (NEVES, 2009, p.78), aprovou o curso destinado a formação indígena.

Tendo em vista as ocorrências para a efetivação do esperado curso pelas comunidades indígenas, Neves (2009) argumenta que a efetivação do Curso superior indígena em Rondônia “é um gesto que significa, sobretudo, um passo na direção da viabilização do direito à educação, do respeito ás culturas tradicionais” (p, 179). Neste sentido, é possível concordar com Haddad e Graciano (2006), para quem

O direito a educação escolar indígena está assegurado na Constituição Federal de 1988, artigo 5º caput, que afirma a igualdade de todos perante a lei; artigo 4º, IV, todos tem direito a não discriminação; artigo 205, todos tem direito a educação; artigo 206 I, igualdade de acesso e permanência na escola; artigo 208 I e IV, ensino Fundamental obrigatório e gratuito, e acesso aos níveis mas elevados de ensino, pesquisa e criação artística, além do artigo 231, que assegura as populações indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e sobre as terras que tradicionalmente ocupam. (p. 246-247)

Nesta perspectiva, ampliando os espaços de direitos, o Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural Indígena da Fundação Universidade Federal de Rondônia pretende promover quatro áreas de formação, sendo que o acadêmico permanecerá na Universidade durante cinco anos, tempo necessário para conseguir integralizar o curso. Os dois anos iniciais são constituídos por uma base comum, ao passo que nos últimos três anos, o acadêmico indígena deverá optar entre as áreas de Educação Escolar no Ensino Fundamental e Gestão Escolar; Ciências da Linguagem Intercultural; Ciências da Natureza e da Matemática Intercultural e Ciências da Sociedade Intercultural.

O intenso desafio na promoção do Curso Superior Indígena refere-se tanto a capacidade de promover a acessibilidade e permanência dos indígenas na Universidade, como também a estrutura curricular. O primeiro desafio está diretamente relacionado à construção de espaços em que os indígenas possam sentir-se inseridos em um diálogo intercultural, já o segundo desafio, refere-se a concepções e integração histórica de conhecimento e valorização dos saberes indígenas e não indígenas, através da formatação de um currículo que se perceba claramente como sendo intercultural.

O conceito de Interculturalidade no sentido que defendemos, refere-se a capacidade de possibilitar trocas de saberes e experiências entre grupos culturalmente distintos, entretanto, o diálogo intercultural só é viabilizado em espaços multiculturais em que os sujeitos é possibilitado “olhar para o outro, especialmente o outro que a sociedade nos ensinou a olhar com desconfiança e suspeita, não como um potencial inimigo, mas um parceiro em nosso trabalho, nossa comunidade” (NENEVÉ & PANSINI, 2009, p. 15). Entretanto, quando somos arremessados ao contexto educacional, não podemos deixar de questionar até que ponto as instâncias dos processos curriculares representam o mundo do outro, isso porque o currículo “não é elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. o currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares”. (MOREIRA & SILVA, 2005, p.8).

Tais proposições com referência ao nosso desafio na construção de uma educação eminentemente dialógica e intercultural referem-se a nossa desconfiança da tradição escolar do currículo, já que historicamente tem sido apontado como instrumento de dominação e:

nunca é um conjunto neutro de conhecimento, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aulas de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo.

(APPLE, 2005, p. 59)

A continuação do desafio a que nos propomos, está diretamente ligada a formatação da educação intercultural indígena. Constantemente nos perguntamos sobre a legitimidade de nossos saberes frente aos saberes historicamente construídos pelas sociedades indígenas. Como efetivar e legitimar um currículo eminentemente intercultural? De que forma eleger saberes que não venha representar estruturas de dominação e poder? São questões como estás que nos desafiam a cada instante, e não temos respostas precisas já que nossas ameaças provem daqueles que esclarecem que a construção de uma educação significativa não tem sido fácil, e que “o significado é sempre um espaço colonizado, no qual a necessidade já foi inscrita por códigos culturais e pelo campo mais amplo de relações políticas, econômicas e sociais” (MAcLAREM, 2000, p.31).

Considerações Finais

Diante dos apontamentos evidenciados no texto, voltamos a reafirmar que os desafios que estamos enfrentando no sentido de efetivar uma educação intercultural em Rondônia, referem-se tanto a viabilização de espaços eminentemente intercultural, como também, a construção de um currículo capaz de promover um diálogo entre os grupos culturalmente distintos.

A reconhecermos o currículo como espaço de dominação e que transfere para as culturas minoritárias os valores e interesses dos grupos majoritários, redobramos nosso interesse em efetivar uma educação que no mínimo não represente espaço de manutenção de poder e dominação social.

Referências Bibliográficas

APPLE, Michael. A Política do Conhecimento Oficial: faz Sentido uma idéia de um Currículo Nacional? In: MOREIRA, Antonio Flavio Barbos; SILVA, Tomaz Tadeu. Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo: Cortez, 2005.

HADDAD, Sergio; GRACIANO, Mariângela. A Educação Monitorada como um Direito Humano: experiência da Relatoria Nacional pelo Direito a Educação. In: HADDAD, Sergio; GRACIANO, Mariângela. A Educação Entre os Direitos Humanos. São Paulo: Autores Associados, 2006.

MAcLAREM, Peter. Multiculturalismo Revolucionário: pedagogia do Dissenso para o Novo Milênio. Porto Alegre: Artmed, 2000.

MOREIRA, Antonio Flavio Barbos; SILVA, Tomaz Tadeu da. Sociologia e Teoria Crítica do Currículo: Uma Introdução. In: MOREIRA, Antonio Flavio Barbos; SILVA, Tomaz Tadeu. Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo: Cortez, 2005.

NENEVÉ, Miguel; PANSINI, Flávia. Multiculturalismo e Ensino de Literatura. In: AMARAL, Nair Ferreira Gurgel do. Multiculturalismo na Amazônia: o Singular e o Plural em Reflexões e Ações. Curitiba: CRV, 2009.

NEVES, Josélia Gomes. Universidade e Povos Indígenas: a Possibilidade do Diálogo Intercultural na Floresta. In: AMARAL, Nair Ferreira Gurgel do. Multiculturalismo na Amazônia: o Singular e o Plural em Reflexões e Ações. Curitiba: CRV, 2009.

1 Genivaldo Frois Scaramuzza é professor da Fundação Universidade Federal de Rondônia. Mestre em Geografia Humana e Pesquisador no Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia – GPEA

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