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Alfabetização e Letramento: discutindo o ensino da língua escrita

Fernanda Duarte Araújo Silva*

publicado em 03/07/2010 como <www.partes.com.br/educacao/alfabetizacaoeletramento.asp>

RESUMO

Sabemos que ensinar a ler e a escrever constituiu-se como um dos principais objetivos das instituições escolares, além de representar um de seus maiores desafios, porém, na maioria das vezes as discussões realizadas sobre o tema no Brasil tinham seu foco no método mais eficaz a ser utilizado. Nesse sentido, buscaremos nesse artigo abordar a relação entre alfabetização e letramento, destacando algumas abordagens que visam conceituar, descrever ou explicar esses fenômenos a partir de um posicionamento político, social e pedagógico.

Palavras-chave: Alfabetização, Letramento; Leitura; Escrita.

Abstract

We know that teaching reading and writing established itself as one of the main goals of educational institutions, and represents one of his biggest challenges, however, in most cases the discussions on the subject in Brazil had its focus on the most effective method to be used. Accordingly, this article will seek to address the relationship between literacy and literacy, highlighting some approaches to conceptualize, describe or explain these phenomena from a political, social and educational.

Keywords: Literacy, Literacy, Reading, Writing.


Fernanda Duarte Araújo Silva é mestre em Educação (2007) pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), especialista em Docência no Ensino Superior (UFU-2004) e graduada em Pedagogia (UFU-2003). Possui experiência na Educação Infantil e Ensino Fundamental como Docente e Coordenadora Pedagógica. Atuou como Professora Assistente da Universidade Federal do Tocantins e atualmente é Professora da Universidade Federal de Uberlândia, Campus do Pontal.
fernandaduarte@pontal.ufu.b

Ensinar a ler e a escrever representa um dos principais objetivos das instituições escolares, além de constituir-se como um de seus maiores desafios, porém, já há muitas décadas, discussões sobre a formação de sujeitos que sejam capazes de lidar de maneira competente com as situações sociais que envolvem a leitura e a escrita permeiam espaços de formação inicial e continuada de profissionais que atuam na educação. Mas, na maioria das vezes as discussões realizadas sobre o tema no Brasil tinham seu foco no método mais eficaz a ser utilizado no período de alfabetização.

Vale destacar que são numerosas as tentativas para conceituar, descrever ou explicar a alfabetização e o letramento e todas demonstram um posicionamento político, social ou pedagógico. Contudo, ao realizarmos um aprofundamento teórico percebemos que a alfabetização e o letramento são fenômenos complexos e multifacetados. Na maioria das vezes os educadores não possuem a clareza conceitual acerca dos temas alfabetização e letramento, sendo influenciados por “modismos”, o que por consequência reflete na prática cotidiana desses profissionais.

Por um longo período, acreditava-se que ser alfabetizado resumia-se em conhecer o código linguístico, ou seja, identificar as letras do alfabeto, assim, os sujeitos eram classificados em alfabetizados ou analfabetos, pela condição de dominarem, ou não, a escrita do próprio nome, condição básica para que pudessem votar e escolher seus governantes.

A partir da década de 80, o mundo passou por mudanças significativas, o que contribuiu para que a sociedade se tornasse mais globalizada, mais complexa, exigindo um aprimoramento contínuo, criando novas necessidades. Nesse período, com base nas ciências linguísticas e psicogenéticas da escrita ocorreram mudanças também nas concepções que dizem respeito ao aprendizado da leitura e escrita.

Pesquisas e estudos realizados por Ana Teberosky e Emília Ferreiro, contribuíram para que compreendêssemos que a aprendizagem da leitura e da escrita não reduzi-se a um conjunto de técnicas percepto-motoras, nem a vontade, ou a motivação, mas trata-se de uma construção conceitual. Dessa forma aquela preocupação com o método de ensino começa ser questionada, assim, a discussão deixa centra-se em como se ensina e começa a girar em torno de como a criança aprende.

No contexto dessas discussões, surge o termo “analfabetismo funcional” para designar as pessoas que, frequentaram a escola por um período e mesmo sabendo escrever o próprio nome e identificar letras, não conseguem fazer uso da leitura e da escrita em seu cotidiano.

Atualmente, sabemos que, embora seja importante que os sujeitos tenham o conhecimento das letras, o mesmo não é suficiente para torná-lo competente no uso da língua escrita. A língua não pode ser resumida a um mero código para comunicação. A linguagem deve ser compreendida como um fenômeno social, estruturado de forma dinâmica e coletiva e, assim, a escrita também deve abordada do ponto de vista cultural e social. Para contemplar esse processo de inserção numa cultura letrada, é que utilizamos o termo letramento.

Nesse sentido, podemos afirmar que em linhas gerais, alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que consegue utilizar socialmente a leitura e a escrita, respondendo adequadamente às demandas sociais.

Faz-se então necessário repensar a função social da instituição escolar. Devemos trabalhar não apenas com a codificação e decodificação de códigos. Não podemos também apenas buscar que o indivíduo permaneça na escola por mais tempo. Mas precisamos dar qualidade a esse tempo de permanência nas escolas. Ou seja, letrar os alunos, afinal, o letramento possibilita que o indivíduo modifique as suas condições iniciais, sob os aspectos: social, cultural, cognitivo e até mesmo o econômico.

Letrar significa assim, trabalhar com os diferentes usos da escrita na sociedade. Vale destacar, que essa inserção começa muito antes da entrada das crianças na escola, quando a criança começa a interagir socialmente com as práticas de letramento no contexto social: os pais lêem para ela, a mãe faz anotações, segue receitas culinárias, os rótulos indicam os produtos, entre outros, desse modo, podemos afirmar que o letramento é cultural, afinal, as crianças já vão para a escola com conhecimentos adquiridos no cotidiano. A escola deve, nessa perspectiva, continuar o desenvolvimento das crianças nesse processo, evitando as práticas que tornam a criança com conhecimento do código, mas incapaz de compreender o sentido dos textos.

Compreendemos assim, a aprendizagem da leitura e da escrita como uma construção processual de conhecimentos, onde ocorre o estabelecimento de relações entre os saberes que o sujeito já possui com os novos saberes que estarão sendo despertados no cotidiano escolar.

No decorrer do processo histórico, percebemos que antes acreditava-se que a aprendizagem da leitura e da escrita era iniciada na escola devido ao ensino sistematizado e intencional, seguindo as estratégias de ensino do método selecionado, mas atualmente a partir de vários estudos e pesquisas desenvolvidas, sabemos que essas suposições não mais se sustentam. Dessa forma, consideramos que as crianças possuem conhecimentos prévios, que precisam ser valorizados e instigados, sendo concebidas como sujeitos ativos do processo de ensino-aprendizagem.

Para Ferreiro e Teberosky (1989), existe uma diferença entre o sujeito passivo aprendizagem, que apenas reconhece, recorda, reproduz e repete e ao qual é preciso ensinar tudo desde o princípio- “tabula rasa”, com o sujeito ativo que não define apenas seus próprios problemas, mas constrói mecanismos para resolvê-los.

A criança consegue nesse sentido, interpretar a realidade na qual vive, antes de chegar à escola, já que possui uma série de conceitos e constrói a partir da sua vivência conhecimentos sobre o mundo e a realidade. Assim as crianças iniciam a aprendizagem da leitura e da escrita nos mais variados contextos reais, contextos letrados em que a leitura e a escrita são usadas constantemente como objetos sociais e culturais.

Estes são os contextos de aprendizagem em que os sujeitos aprendem a interação com a escrita e por sua relação com outros sujeitos que dominam a escrita e seus usos situações sociais. Portanto, o saber sobre a língua escrita não deve limitar-se ao mero conhecimento do alfabeto.

Desse modo, as discussões acerca do melhor método de alfabetização, no qual no centro encontra-se o professor, considerado como o detentor do saber, dá lugar as discussões sobre a construção de conhecimentos pela criança. Segundo Lerner (1990), as crianças aproximam-se cada vez mais das regras do sistema, como evidenciam diversas pesquisas que ressaltam a ineficácia da informação vinda do exterior para modificar o raciocínio da criança.

A aprendizagem é um processo cotidiano e natural do ser humano, o qual elabora e constrói seus conhecimentos como resultado de uma atividade global, flexível, contextualizada, subjetiva e compartilhada, sendo o conhecimento sobre leitura e escrita construído em um processo de exploração, experimentação, observação e interação.

Devemos propiciar situações nas quais as crianças tenham oportunidade de participar de atos sociais nos quais ler e escrever têm propósitos explícitos (recordar, buscar informação, registrar, comunicar, expressar, desfrutar,…), pois isso as auxilia a construir suas próprias ideias sobre a natureza e as funções da escrita como objetos sociocultural e sobre sua importância no contexto social.

O professor tem então a função de criar um clima de interação e construção dos conhecimentos em torno do escrito, deve propor desafios, incentivar a elaboração de hipóteses a partir de contextos reais. Nesse sentido, deixa de ser considerado como um “transmissor” de conteúdos, ajudando e orientando, o aluno na busca de significados da escrita.

Percebemos nessa linha, que a intervenção docente deverá sempre estar dirigida a propor desafios que questionem as hipóteses e as ideias dos alunos sobre a realidade, e a oferecer as orientações contextuais para dar significados e compreensão a tudo o que se faz e se aprende na escola.

A leitura segundo Soares (2004) deve ser compreendida como uma atividade cognitiva que requer um sujeito envolvido na obtenção de significados e na busca da compreensão, ou na interpretação do conteúdo, assim a escrita não deve ser mais entendida como uma cópia de modelo externo, afinal não devemos querer formar escribas, mas escritores. A escrita, não é só atividade motora- produzir texto, mas, uma atividade cognitiva, na qual produzir um texto tem uma finalidade e um destinatário, conforme a capacidade de produção de cada um.

Vale destacar que as capacidades de interpretação e produção de textos podem e devem ser realizadas antes de os alunos terem a capacidade de decifrar e de codificar, além disso, consideramos imprescindível sua abordagem na escola desde o início do ensino para evitar a desnecessária perda de tempo que significa esperar escritas e interpretações corretas, e também para evitar o erro pedagógico de introduzir a leitura e a escrita pelo viés da decifração e da atividade motora.

Muitas vezes, privamos o aluno de interagir com a língua escrita, com seus usos e com suas funções sociais, pois não valorizamos a construção de hipóteses exploratórias para compreensão da estrutura interna da escrita, privilegiando atividades mecânicas como cópias, nas quais as crianças devem repetir traçados de outro sem compreender sua estrutura, dificultando a aprendizagem.

Nesse sentido, aprender a ler e a escrever é um processo cognitivo, mas também uma atividade social e cultural que facilita a construção de vínculos entre a cultura e o conhecimento. Assim, quando a escola ensina a ler e a escrever, não possibilita apenas a aprendizagem dos conteúdos educativos, mas também contribui para a formação de sujeitos que conseguem usar a linguagem em sua qualidade de ferramenta de comunicação entre as pessoas e as culturas.

Quando consideramos a importância do letramento, deixamos de lado os exercícios mecânicos e repetitivos, baseados em palavras e frases descontextualizadas. Nosso enfoque está no aluno que constrói seu conhecimento sobre a língua escrita e não no professor que ensina. Na escola, a criança deve prosseguir a construção do conhecimento iniciada em casa e interagir constantemente com os usos sociais da escrita. O importante não é simplesmente codificar e decodificar, mas ler e escrever textos significativos.

Dessa forma, o processo de alfabetização e letramento ocorrem concomitantemente, no qual enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade.

Para Vygotsky (1984), o letramento representa o coroamento de um processo histórico de transformação e diferenciação no uso de instrumentos mediadores. Representa também a causa da elaboração de formas mais sofisticadas do comportamento humano que são os chamados “processos mentais superiores”, tais como: raciocínio abstrato, memória ativa, resolução de problemas, entre outros.

Concluímos assim que a construção do processo de leitura e escrita acontecerá quando aprendermos e ensinarmos fatos relevantes, significativos, no qual a leitura e escrita possuem finalidades e sentidos, e que responda essencialmente às necessidades funcionais e aos interesses e expectativas dos alunos. Destacamos a necessidade de fazermos uma leitura crítica da realidade; para tanto devemos ler e escrever textos diversos em diferentes contextos, com variedade de intenções e com diferentes destinatários. Essa construção de conhecimento deve ser uma conquista, que resulte de uma atividade compartilhada entre aluno e professores em uma escola que valorize a participação, e que seja integradora e democrática, com vistas a possibilitar a interação constante com diferentes textos e entre sujeitos. Este então é nosso desafio.

Como citar este artigo:

SILVA, Fernanda Duarte Araújo. Alfabetização e Letramento: discutindo o ensino da língua escrita. P@rtes (São Paulo). V.00 p.eletrônica – Julho de 2010. Disponível em <>. Acesso em _/_/_.

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