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Artigo: Um pouco de lucidez – Edivaldo Del Grande

 
Um pouco de lucidez
*Edivaldo Del Grande
Aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o novo texto do Código Florestal, que ainda será apreciado pelo plenário, segue sob análise do Ministério do Meio Ambiente. A ministra Izabella Teixeira já avisou que o documento não é o ideal e que requer um debate ampliado. Enquanto isso, nos bastidores, posicionamentos e teorias vão surgindo, tanto da parte de quem defende o texto do relator Aldo Rebelo (PC do B-SP), como de quem o condena.
Criou-se uma disputa que parece ir além das fronteiras do agronegócio nacional, polarizada por produtores rurais e ambientalistas. Há novos personagens, novos interesses, novas acusações de parte a parte.
Pode parecer fantasioso concluir que a atuação das ONGs internacionais, profundamente preocupadas com a preservação do nosso planeta, está colada a interesses meramente econômicos de grandes grupos norte-americanos e europeus que não querem ver o agronegócio brasileiro crescer, agora que alcançou maturidade para ser competitivo. Mas seria mesmo um enredo de ficção?
Afinal, qual o motivo de essas ONGs não usarem nos países onde foram criadas o mesmo discurso eloquente e a mesma patrulha para defender a importância da aprovação de uma lei ambiental que garanta a preservação do ecossistema, como fazem no Brasil? Estamos falando de países altamente poluidores, como China, Estados Unidos e da Europa, que já desmataram suas florestas e preferem nos pressionar a se concentrar em recuperar o que por eles foi devastado. Recusam-se a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e não admitem se submeter às regras que querem ver impostas aos brasileiros.
Não discuto a necessidade da preservação das matas ciliares. O produtor rural, mais do que ninguém, tem consciência de que é condição sine qua non para que perdure a atividade agrícola. Mas, inoportunos e intoleráveis são os radicalismos que podem inviabilizar a atividade de milhares de produtores rurais e até mesmo inviabilizar o agronegócio em vários estados, São Paulo incluído.
Por que nós, brasileiros, temos que responder pela preservação ambiental e pela compensação do planeta? Não há motivo que justifique não preservar as matas ciliares na Europa. Não vejo por que apenas o Brasil deva se comprometer com percentuais de reserva legal e ainda ser impedido de fazer compensação ambiental dentro de seu próprio território, enquanto que, para resolver o problema dos países desenvolvidos, a saída proposta seja a compensação aqui em nosso País, como indica o estudo “Fazendas aqui, florestas lá”, encomendado pelas entidades americanas National Farmers Union (União Nacional dos Fazendeiros) e Avoied Deforestation Partners (Parceiros pelo Desmatamento Evitado).
Curiosamente, esse mesmo relatório aponta o quanto o agribusiness norte-americano faturaria caso a lei de preservação ambiental fosse aprovada nos moldes desejados por ambientalistas mais ferrenhos. As cifras chegam a US$ 270 bilhões no período de 2012 a 2030. No Brasil, essa mesma lei, segundo a Embrapa, reservaria apenas 23% do território nacional para uso em atividades agropecuárias, reduzindo drasticamente nosso potencial produtivo.
Independentemente dos números e índices, uma reflexão precisa ser feita: É correto e viável sacrificar áreas que tradicionalmente produzem alimentos, que já cumprem sua função social? Está certo impor ao produtor rural o ônus de ser o único a preservar, a manter matas intactas?
Está claro que esta é uma responsabilidade de toda sociedade e não de um único segmento. Sendo assim, deveriam todos destinar 20% – percentual da reserva legal exigida aos produtores rurais – de seu patrimônio para a preservação ambiental, seja na indústria e comércio, em serviços, salários e imóveis urbanos.
E vou além: não seria esse o papel do Estado, já que é dele o compromisso de promover o bem de toda a população? E se é assim, não seria oportuno trazer novamente à tona a proposta da remuneração pela preservação ambiental por aqueles países que já não têm o que preservar?
São questões que esse embate entre ambientalistas e ruralistas faz surgir. E é esse o mais importante papel que essa disputa pode proporcionar: o de manter essa necessária discussão candente, de permitir que os interesses mais obscuros venham à tona e que os vários pontos de vista possam ser avaliados. Com todas as informações à mostra, que as melhores decisões sejam tomadas, onde a fórmula seja o equilíbrio da produção com a preservação. Um caminho possível, mas que exige lucidez para ser trilhado.  
*Edivaldo Del Grande é presidente da Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp)
 
 

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