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A Construção da Identidade Social: Memória, Interação e Institucionalização

A Construção da Identidade Social: Memória, Interação e Institucionalização

 Publicado originalmente como www.partes.com.br/educacao/identidade.asp

 

Aline Garcia Batista[1]

José Reinaldo Felipe Martins Filho[2]

 

 

A construção da identidade social – a memória

 

Dentre a variedade de elementos necessários para o processo de construção da identidade social, segundo Michel Pollak, a memória assume papel importantíssimo. Pode-se notar que desde o nascimento da filosofia ocidental instaura-se a preocupação pela definição do conceito de identidade. Por identidade compreende-se, pois, o sustento, a base, o imóvel e essencial presente em todos os seres humanos; aquilo que pode diferi-los entre si e, por isso, transformá-los em indivíduos. Em breves palavras, é o que nos torna únicos na multidão dos seres, ou mesmo, o que nos torna nós mesmos.

Nesse processo, deve-se à memória importante posto na construção da identidade, ou melhor, na reconstrução das experiências que estabelecem os elementos particulares a cada indivíduo: sua história de vida. Por decorrência, pelo fato de não vivermos isolados como eremitas, cada história de vida individual atua diretamente na edificação da memória “coletiva” de nossa sociedade. Trata-se de uma tênue linha que está constantemente a dividir-se entre a esfera do público e do privado. O processo de construção da memória coletiva não pode, em nenhuma instância, atuar em detrimento da história de vida individual, da individualidade de cada homem. Longe disso, em sua dimensão pessoal a memória surge como garantia de nossa identidade e, por consequência, da identidade de nosso povo.

Tendo vista no fato de que não se trata, a memória, de um arquivo sem critérios, vale atentar-se para sua capacidade seletiva. Nesse processo, fatos, acontecimentos, conhecimentos e saberes são ordenados ou dispensados tendo em vista o seu grau de utilidade para o indivíduo. Em breves palavras, a memória é organizada em função das preocupações do momento. Aqui acontece o divisor de águas entre o que deve ser esquecido e o que deve ser lembrado. Esse processo incide na construção da memória individual que, no conjunto de suas semelhantes, efetuará a construção daquela que denominamos por memória coletiva. Ambas, portanto, são passiveis de construção. Em uma mente saudável facilmente pode-se estabelecer a diferença entre as verdadeiras lembranças e os enganos, salvo pequenos e corriqueiros esquivos que nos passam. Isso acontece porque em todas as espécies de memórias existem pontos relativamente invariáveis, os quais denominamos elementos irredutíveis. Nesses o trabalho da memória se exerceu de modo mais intenso, o que impossibilita a sua variação.

Dentre os elementos fundamentais para a composição da memória Pollak elabora um elenco de três principais, a saber: os acontecimentos vividos, as pessoas/personagens e os lugares. Tais elementos tanto podem ser verdadeiros como também adaptações de outros eventos, fatos, pessoas ou lugares. A esse processo denomina-se transferências ou projeções. Na maioria dos casos, o vínculo entre as lembranças e os elementos materiais se torna em muito aguçado. Pessoas ou lugares públicos são capazes de despertar a memória individual ou coletiva, a ponto de fazê-la reviver acontecimentos passados. Como exemplo podemos tomar a figura do antigo “muro de Berlim”, da Alemanha. Estava ali a representação de um objeto concreto que despertava a memória tanto individual – daquelas pessoas que particularmente vivenciaram alguma experiência a ele ligada – quanto coletiva – de todo o mundo que a ele olhava com indignação. Noutro exemplo, olhando para o discurso, pode-se notar a variação de referências entre o âmbito social e individual. É facilmente notada, no discurso de políticos – ou mesmo nas respostas de jogadores de futebol – a alusão ao âmbito social mesmo diante de perguntas unicamente referentes ao individual ou particular.

Enfim, segundo a ordem estabelecida por Michel Pollak, na construção das memórias, tanto individuais quanto coletivas, existem três elementos que surgem como essenciais: a unidade física, a continuidade dentro do tempo e o sentimento de coerência. São essas as características fundamentais à composição do conceito de identidade. Nas sociedades ao longo da história, memória e identidade são dados constantemente negociados. Por isso a necessidade, segundo Pollak, em estabelecer os elementos de coerência, únicos capazes de garantir a unidade entre as memórias individuais, por sua vez, constituintes da memória coletiva. Aqui se efetua a constante tentativa de criação dos laços lógicos e, especialmente, simbólicos entre os eventos de determinada sociedade. Trata-se de uma das possibilidades de viver e coexistir em meio à fragmentação da vida cotidiana.

A Construção social da Realidade – Interação e institucionalização

 

Apesar de partir, de modo primitivo, de uma ação subjetiva, pessoal, a vivência do ser humano lhe mostrou que a relação com o outro é dado fundamental de sua constituição. É através das variadas tipificações que o outro nos advém: homem, mulher, jovem, velho… Tais esquemas de tipificação afetam de modo direto nossas relações, podendo ser correspondidos ou não diante de uma interação real. Assim, novamente se torna a realidade constantemente negociada e construída.

Partilhamos a realidade de nossa existência com outros indivíduos. Convivemos desde o momento de nosso nascimento. Todavia, a forma como experimentamos os outros em nossa vida varia. Na relação face-a-face, eleita como primordial por Alfred Schutz e demais pensadores contemporâneos, o outro se nos torna mais acessível: “caminhamos juntos, envelhecemos juntos.” No modo como criamos a sociedade, as relações têm estado cada vez mais afastadas. Instaura-se, pois, o império do anonimato. As pessoas não se referem mais umas às outras pela proximidade do face-a-face, mas de modo genérico, sem rosto, anônimo.

Nesse processo, construímos ações institucionalizadas. Em outras palavras, são os hábitos e costumes de nossa rotina que se tornam perpetuados por todos os membros de nossa sociedade. Para tal, algumas características são apontadas como fundamentais ao modo de tipificação institucional, a saber: possuem reciprocidade, possuem caráter típico das ações e dos atores, implicam historicidade, ou seja, surgem como produto de um processo histórico, e, por fim, implicam um sistema de controle social, estabelecendo padrões previamente definidos da conduta humana.  Desse modo os indivíduos vão aderindo, pouco a pouco e sem critérios, à onda de autocontrole institucional, passando a viver como que em um constante “piloto-automático”. A institucionalização ganha força própria e passa a existir como exterior às ações dos indivíduos. A legitimidade pouco a pouco concedida implica na existência de um poder coercitivo, bem como na construção de um mundo conduzido por uma ideologia previamente estabelecida, mas sob os trajes da inocência – “afinal, tudo sempre foi assim…” Homem e mundo social revezam-se na disputa pelo protagonismo do mundo real, constantemente a atuar um sobre o outro.

BATISTA, Aline G./MARTINS FILHO, J.R.F. A Construção da Identidade Social: Memória, Interação e Institucionalização. In Revista P@rtes (São Paulo), novembro, 2010.

[1] Acadêmica do curso de Design Gráfico da Faculdade de Tecnologia Senac Goiás. alinegbatista@hotmail.com

[2] Graduado em Filosofia, membro do grupo VIVA VOX – UFS. josephpp_21@hotmail.com

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