Crônicas Gilda E. Kluppel Gilda E. Kluppel

O bom e velho gibi

Gilda E. Kluppel*
publicado originalmente como: www.partes.com.br/cronicas/gibi.asp

Um dos objetos de desejo mais atraente, em nossa infância, eram as revistas em quadrinhos ou na linguagem popular, os gibis. Acumulávamos imensas pilhas de gibis, catalogados por títulos ou da maneira que a nossa imaginação concebia. E sentíamos ciúmes de quem chegasse perto deles! Nosso prazer não se resumia apenas na leitura, mas em formar coleções; dignas de apresentação aos nossos colegas. O primeiro encantamento acontecia por meio das figuras, começando pelas capas coloridas, devoradas com curiosidade. Depois os pequenos contos, simples e de poucas frases; contudo, repleto de significados. Ninguém nos impunha a leitura e nem cobrava por esta lição.
Os gibis, para muitos pais, representavam uma fuga para quem não queria estudar. Entretanto, este era o nosso solo sagrado, uma das formas entre as quais interagíamos com a fantasia. Bastava entender a diferença entre o bem e o mal, facilmente delineado num caminho que poderíamos percorrer pelo resto de nossas vidas.
As histórias em quadrinhos enriqueciam de moral o fértil território da fantasia infantil. O requisito básico e suficiente consistia em separar o bem e o mal, o bem era inerente ao herói; nunca poderia se aproximar do mal, senão não seria o herói. Eles sabiam sempre a distinção entre o certo e o errado. Ao passar dos anos, envolvidos pela realidade, a nitidez foi se perdendo e identificar os heróis não se tornou mais tarefa simples.
Quantos personagens povoaram a nossa infância e se converteram em amigos íntimos, mesmo que imaginários, mais simpáticos que os de carne e osso; atendiam plenamente às nossas expectativas e nunca nos decepcionaram. São partes de um cenário longínquo que conta com personagens antigos, num mercado que tinha mais opções. Hoje, pelas bancas, observa-se pouca diversidade de revistas em quadrinhos. Nas décadas de 60 e 70 a variedade de títulos era imensa, com personagens para todos os gostos.
Desfrutávamos dos gibis: Pimentinha, Brasinha, Gasparzinho, Bruxinha Luísa, Mortadelo e Salaminho, Turma do Pererê e uma série de outros personagens. No mundo Disney, a genialidade de um Professor Pardal, o Tio Patinhas e sua obsessão por dinheiro, o Pato Donald e uma cidade dominada por patos. Patópolis habitada pelo sortudo Gastão, pelos Irmãos Metralha, os bandidos tão inocentemente identificados por trajarem sempre o uniforme da prisão. A vilã elegante Maga Patológica, com suas parcerias com Madame Min, grande opositora à mesquinhez do Tio Patinhas. O fiel escudeiro do Mickey, o Pateta e a sua cativante ingenuidade contemplativa. Não fazia diferença que o rato Mickey, então amigo do cão Pateta, possuía o cão Pluto, mas este não falava. O cavalo Horácio gostava da vaca Clarabela que se apaixonou pelo cão Pateta. Os patos, apesar de usarem roupas, vestiam-se da cintura para cima e não usavam calças. Como também não fazia diferença que o nosso grupo de amigos fosse composto por fantasmas, feiticeiras e diabinhos, nunca os discriminamos; eles nunca foram estranhos.
Os super-heróis eram a coqueluche daquela época, Tarzan, O Fantasma, Thor, Batman e Super-Homem, entre tantos guardiões da paz. Uma tamanha proliferação de super-heróis, até parecia que algum destes seria capaz de resolver os problemas do mundo. A inesquecível revista do divertidíssimo Recruta Zero, o insubordinado, implacavelmente perseguido pelo Sargento Tainha. E os gibis de terror? A capa causava arrepios: traços em preto e branco, aliás mais em preto, em tons muito escuros. Narrativas tenebrosas com lobisomens, vampiros e zumbis perambulando por cemitérios, castelos mal-assombrados e coisas do gênero.
Que tal o quarteto formado por Little Dot (Brotoeja), Little Lotta (Bolota), Little Audrey (Tininha) e Richie Rich (Riquinho)? Estes gibis foram a porta de entrada de muitas crianças para o mundo dos quadrinhos.

Gilda E. Kluppel é professora de Matemática do ensino médio em Curitiba/PR, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

A menina chamada Brotoeja, um grande sucesso nos anos 70. Detentora de uma modernidade e arrojo, a garota fascinada por bolas, de todos os tipos e tamanhos. Encontrar motivos com bola em qualquer lugar ou situação bastava para ser feliz. As peripécias desta garotinha atraída por bolinhas cativaram o público jovem, principalmente as adolescentes. Brotoeja era o apelido dado às meninas que gostavam de vestidos e objetos com bolinhas.
As peraltices da inteligente Tininha e a simpática Bolota, personagens de deliciosa leitura. Bolota com sua minissaia e sardas na face e avessa aos regimes. Pela sua gula chegou a ser considerada um mau exemplo para as meninas; no entanto a bondade sempre foi do tamanho do seu apetite. A redonda e muito forte menina conseguiu pelo seu grande coração superar a rejeição.
O pobre menino rico, Riquinho, filho de pais milionários, acompanhado do seu fiel amigo, o cão Dólar. Com a sua fortuna compra todos brinquedos que deseja e ainda dispõe de uma equipe de cientistas trabalhando para sua família; capazes de criar os brinquedos mais divertidos e inimagináveis. Qual criança nunca desejou esta equipe de cientistas? Os quadrinhos do Riquinho não se resumiam apenas em brinquedos fantásticos, mas ressaltavam a importância dos amigos, sem os quais de nada vale a riqueza e a equipe para a fabricação de brinquedos. Chamado de pobre menino rico, cercado pela fortuna que muitas vezes o afastou de outros meninos.
As histórias em quadrinhos ofereciam os primeiros passos para o envolvimento no chamado “ciclo do herói”; narrativa composta da apresentação, desenvolvimento, clímax e desfecho. Além de despertar o interesse pela linguística e pela forma visual de comunicação. Revendo o mundo dos nossos personagens preferidos temos a sensação de uma prazerosa volta ao passado. Enfim, apenas os que possuem alguns exemplares, ainda que desgastados pelo tempo, sabem reconhecer o seu verdadeiro valor.

Deixe um comentário