Geografia Socioambiental

Mudanças socioambientais em comunidades tradicionais de Faxinal: um estudo de caso da (des)tradicionalização deste modo de vida em comunidades rurais

https://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Azul

Joélcio Gonçalves Soares1; Cicilian Luiza Löwen Sahr2

publicado em 03/02/2011 como www.partes.com.br/socioambiental/mudancassocioambientais.asp

 

Joélcio Gonçalves Soares é bacharel em turismo (Unicentro/Irati – PR), mestrando em geografia (UEPG/Ponta Grossa – PR). E-mail: joelciosoares@yahoo.com.br

Resumo: O artigo aqui apresentado, diz respeito as comunidades de faxinal, comunidades tradicionais típicas da região das Matas com Araucária do Estado do Paraná. Busca-se analisar de que forma vem ocorrendo a (des)tradicionalização nestes sistemas no município de Rio Azul – PR3, através da análise de três comunidades rurais. O estudo se deu com base em dados primários, sendo estes observação em campo e as entrevistas com membros das comunidades, e dados secundários por meio de pesquisa bibliográfica.

Palavras-Chave: Comunidades tradicionais, faxinal, (des)tradicionalização, Rio Azul- PR.

Abstract: The article presented here, concerns faxinal communities, traditional communities typical of the region of the Araucaria Forest of Paraná State. Seeks to analysis how there has been (un)traditionalization these systems in the city of Rio Azul – PR, via the analysis of three rural communities. The study was based on primary data, which are based on observations and interviews with community members, and secondary data through literature search.

Keywords: Traditional communities, faxinal, (un)traditionalization, Rio Azul – PR.

INTRODUÇÃO

O sistema faxinal enquanto forma de organização camponesa, divide por meio de cercas comunitárias as terras de criar que são de uso comum e as terras de plantar onde cada um usufrui de sua propriedade. As cercas ora citadas tem um papel dual, uma vez que instituem e orientam parte da dinâmica faxinalense, e ao mesmo tempo exigem uma forte integração dos membros quando da sua manutenção, criando assim os laços de solidariedade entre os faxinalenses. Este tipo de organização no campo tem em torno de cem anos de existência, e predominou em cerca de um quinto do território paranaense, até meados do século XX (CHANG, 1988; LÖWEN SAHR e IEGELSKI, 2003).

Cicilian Luiza Löwen Sahr é pós-doutora em Planejamento Urbano e Regional na Universidade de Heidelberg (Ruprech-Karls). Doutora em Geografia Humana pela Universidade de Tübingen (Alemanha), Professora dos Programas de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade Estadual de Ponta Grossa, e da Universidade Federal do Paraná. E-mail: cicilian@uol.com.br

Estas comunidades tradicionais estão alicerçadas através de fortes laços de dependências entre os seus membros, de solidariedades econômicas, sociais, familiares e culturais. O sistema se apresenta enquanto uma “[…] alternativa de sobrevivência no campo, por meio do trabalho comunitário, da preservação ambiental e da policultura de subsistência dos pequenos proprietários de terras” (LÖWEN SAHR e IEGELSKI, 2003, p. 9).

Em um levantamento realizado por Marques (2004) dos sistemas ainda existentes no Paraná, concluiu-se que há ainda cerca de 45 faxinais distribuídos em dezesseis municípios, dentre os quais está Rio Azul. Este município apresenta hoje quatro faxinais ainda em atividade. Existe, todavia, registro de comunidades que deixaram de ter esta forma de organização social entre 1994 e 2004.

Tendo em vista a temática da desestruturação e extinção deste tipo de organização camponesa, este trabalho tem como objetivo conhecer o sistema faxinal, assim como refletir sobre a sua (des)tradicionalização no município de Rio Azul–PR, levantando as transformações ocorridas em três comunidades, tendo como base a memória individual e social confrontada a dados secundários.

TRADIÇÃO E MEMÓRIA: REFLEXÕES TEÓRICO-CONCEITUAIS

Nesta seção busca-se por meio de algumas reflexões acerca de conceitos de memória e tradição, apontar que a memória é uma fonte importante de dados para pesquisa e reconstrução do passado, para seu conhecimento no presente, tanto no que concerne a tradição, como no levantamento de dinâmicas inerentes a comunidades tradicionais, e suas mudanças de hábito quanto ao seu modo de vida, onde a tradição está incluída.

A memória é uma fonte de conhecimento, onde por meio da evocação, traz-se para o presente fatos e dados, que muitas vezes não foram registrados, e que estão somente na mente dos que passaram por determinadas situações e conviveram certas dinâmicas sociais. Com base nestas afirmações torna-se pertinente citar Chaui (2006, p. 138) para a qual “A memória é uma evocação do passado. É a capacidade humana para reter e guardar o tempo que se foi, salvando-o da perda total”.

A memória torna possível a (sobre)vivência da tradição. Ser tradicional e viver dentro de costumes e práticas que passam de geração em geração, e este passar se dá por meio da memória, que traz o passado para o presente, através de seus detentores, assim como os aspectos intrínsecos de determinada tradição, que serão passados aos mais novos, tanto por meio do ensino quanto pela simbiose, pelo caráter natural da convivência e da repetição. A tradição pode ser compreendida como o

[…] conjunto dos valores dentro dos quais estamos estabelecidos; não se trata apenas das formas de conhecimento ou das opiniões que temos, mas também da totalidade do comportamento humano, que só se deixa elucidar a partir do conjunto de valores constitutivos de uma determinada sociedade (BORNHEIM, 1997 p. 20).

Sendo assim, relacionada à tradição tem-se a idéia de conjunto, ou seja, para conhecer e ser parte de determinada tradição, há necessidade de estar relacionado com o todo que ela se constitui, seja nas formas de agir, de pensar, nos costumes, é toda a esfera que faz do ser o que ele é, e o que vai fazer com que ele seja identificado participante de uma tradição ou comunidade tradicional.

Giddens (1997, p. 81) coloca que “a memória, como a tradição – em um sentido ou outro – diz respeito à organização do passado em relação do presente”.

Ao considerar sobre a memória, Bosi (1994, p. 46) vai dizer que “[…] a memória permite a relação do corpo presente com o passado e, ao mesmo tempo, interfere no processo “atual” das representações”. É dizer de parte das mudanças na tradição, uma vez que a tradição existe e é repassada graças a memória, contudo como é colocado pela autora, esta relação do presente com o passado acaba interferindo nas formas de representação atuais. As mudanças na tradição se devem em parte à memória, que pode ser influenciada pela dinâmica social posta no momento em que esta tradição está sendo repassada, e pelo sistema de representações onde está presente o sujeito que recebe esta tradição.

Tanto a tradição como a memória fazem parte de um determinado contexto social, e este enquanto um fenômeno complexo e dinâmico, muda constantemente, envolvido por influências diversas, seja dos meios de comunicação, ou do sistema social, além de outros inúmeros fatores, onde tudo isso pode incluir novos elementos na vivência do grupo, o que faz com que as tradições renasçam e se adéqüem a esta realidade, com o objetivo de não se perder no tempo. Contudo, a memória pode ser afetada por estas influências, o que pode suscitar também modificações na tradição.

É o que Halbwachs(1992)4 citado por Giddens (1997, p. 81) coloca quando aponta que “o passado não é preservado, mas continuamente reconstruído, tendo como base o presente. Essa reconstrução é parcialmente individual, mas, mais fundamentalmente, é social5 ou coletiva”.

Sendo assim “[…] a memória, por seus laços afetivos e de pertencimento, é aberta e em permanente evolução e liga-se à repetição e à tradição, sacralizando o vivido do grupo social” (MONASTIRSKY, 2010, s/p).

A tradição está envolvida e tem influência no tempo do social, assim como este influi nesta. Através da tradição os indivíduos se orientam para e pelo o passado, o qual é reconstituído para ter uma pesada influência sobre o presente. Contudo cabe ressaltar que é evidentemente que “[…] em certo sentido e em qualquer medida, a tradição também diz respeito ao futuro, pois as práticas estabelecidas são utilizadas como uma maneira de se organizar o tempo futuro” (GIDDENS, 1997, p. 80).

Uma tradição não é um fim em si, mas algo imprevisível, quando se toma o caráter flexível que ela apresenta, no que diz respeito a suas formas de passagem, por meio da memória, e representação, pela sua ritualização. Já a memória, é um arcabouço de valor não estimado, quando se trata de buscar com os que a detêm, em relação a determinada vivência social com um contexto passado, respostas às situações sociais ora postas, para suas variantes e mudanças.

A (DES)TRADICIONALIZAÇÃO EM COMUNIDADES FAXINALENSES

Ao colocar o termo destradicionalização, parece que a primeira ideia que vem é de perda de valores que uma tradição sofreu ou vem sofrendo. Parece uma conotação negativa (dependendo do ponto de vista), ao se falar de perda, e não deixa de ser, contudo, há necessidade de se colocar que, se algo se perde é por que algo novo pode estar se tornando parte desta tradição, algo novo que com o tempo, vem se adequando e ora pode ser posto como tradicional.

É o que coloca Giddens (1997) quando citado em seção anterior, da evocação do passado por meio da memória, para a construção do presente, e de sua orientação para um futuro. É não só manter, mas também conseguir se adequar aos novos modos de vida “impostos” pela modernidade.

A visão Woodhead e Heelas (2000)6 citados por Oliveira (2005, p. 10) é bastante pertinente ao tema ora tratado, onde estes

Afirmam que não vivemos uma pós-tradicionalização, uma pós-modernidade, mas sim que dentro da própria modernidade coexistem processos de manutenção da tradição, invenção e reinvenção (retradicionalização) da tradição, assim como a destradicionalização.

É um processo ao mesmo tempo de destradicionalização e retradicionalização, o primeiro referente a perda de formas da tradição e a segunda seria a readequação da tradição, a inclusão de novas formas no todo da tradição, tendo em vista a influência do global sobre o local, e vice-versa, na verdade, um efeito de articulação entre os dois (HALL, 2006, p. 77-78).

Ao tratar-se neste trabalho das comunidades tradicionais faxinalenses, ocorre que por meio de pesquisas, nota-se que o processo de perda da tradição destes grupos vem se dando de forma lenta, tendo seu começo a partir da década de 1970, quando muitos faxinais deixam de existir devido a vários motivos, sejam eles a modernização da agricultura, a inclusão de culturas exógenas como a do tabaco, assim, como a alienação do sistema capitalista, que faz com que haja esta necessidade de sempre produzir além do que se pode (HAURESKO, 2009, pp. 269-270).

Löwen Sahr (2008, p. 216) ao tratar da dualidade entre tradicional e moderno em comunidades faxinalenses vai apontar que estas

[…] vêem-se constantemente em uma situação conflituosa. De um lado, buscam manter suas características tradicionais, num processo de integração sistêmica, e de outro lado, para continuar existindo vêem-se obrigadas a se abrir a dinâmicas modernas, num processo de integração social.

Esses entraves, acabam por fazer com que os faxinalenses, percam parte de seus valores tradicionais, como suas manifestações culturais e dinâmicas sócio-espaciais, onde o sistema de criação e uso comum das terras, uma característica identificadora destes povos, passa a ser tomado pela agricultura e por outros usos, notando-se desta forma que se perde a solidariedade que existia dentro do grupo, onde todos partilhavam um mesmo chão sem se colocar os interesses de um ou de outro acima.

Nesta temática, como proposto neste trabalho, pretende-se a seguir apresentar alguns aspectos levantados em cinco comunidades de Rio Azul – PR, onde por meio da memória individual e social e de dados secundários pode-se se observar o fenômeno da (des)tradicionalização.

APRESENTAÇÃO DOS DADOS LEVANTADOS

As informações que aqui são apresentadas, foram adquiridas por meio de entrevistas durante o mês de julho de 2010, com pessoas pertencentes às três comunidades do município de Rio Azul ora colocadas como objeto de estudo, sendo elas: Lageado dos Mello, Marumbi dos Elias e Rio Azul dos Soares. Quanto aos dados secundários, quando trata-se nesta seção, são os levantados pela Emater (1994) e por Marques (2004).

Seguem, desta forma os apontamentos no que concerne as comunidades.

– LAGEADO DOS MELLO: nesta comunidade o sistema permanece até os dias atuais. De acordo com os dados de 1994, cerca de 30 famílias que faziam parte do sistema apenas duas eram contra. O criadouro apresentava algumas reduções.

Nos últimos anos tiveram um problema quanto a uma empresa que adquiriu terras que eram parte do criadouro e tentou cercá-las, isso causou alguns conflitos, contudo, foram resolvidos por meio de ação judicial, onde os faxinalenses ganharam a causa.

Em entrevista com membro da comunidade, este coloca que o problema enfrentado diz respeito a falta de integração entre os que residem no criadouro comum, pois quando fazem o mutirão7 para consertar as cercas, poucas famílias participam. Contudo, não há conflitos entre os membros do faxinal, todos se relacionam de forma harmoniosa, e os problemas quando surgem são resolvidos por estes por meio de conversas até chegar-se a um acordo. Para este, hoje não há famílias contrárias ao sistema em Lageado dos Mello.

Pode-se afirmar que este é o faxinal existente no município que se encontra em melhor situação, e não apresenta sinais de desestruturação. O que nota-se é que ocorreu mudança nas tradições, pois como aponta o entrevistado, as festas típicas8 não são mais realizadas, assim como o mutirão apresenta características distintas das suas originais.

– MARUMBI DOS ELÍAS: de acordo com os dados secundários a comunidade em 1994 se constituía enquanto sistema faxinal, contudo nos dados de 2004, já não consta o sistema como ativo. Em 1994 já haviam várias famílias que não eram favoráveis ao criador comum, o que vinha causando certos conflitos, que influenciaram em sua desestruturação e extinção. O sistema deixou de existir no ano de 1995.

Observando a comunidade nota-se que a mesma apresenta pouca característica da paisagem com araucária, está que é ainda relativamente abundante em espaços onde os faxinais estão ativos.

Em conversa com membro da comunidade, este aponta que o principal problema que levou ao fim do criador comum, foi a falta de integração entre os membros, no que concerne ao conserto das cercas. Uma vez que estas apresentavam problemas, os animais entravam nas terras de plantar, o que acabava em alguns conflitos dentro da comunidade, o que fez com que o sistema fosse acabando. O entrevistado afirma que foi uma grande perda o fim do faxinal.

Quanto as manifestações culturais, o entrevistado afirma que se mantém as festas aos santos venerados pelas famílias, festas estas que já tem cerca de 90 anos de existência. Isso é um fato relevante, uma vez que nas outras comunidades pesquisadas, mesmo nas que ainda existe o sistema a festa já se perdeu. É uma significante modificação nas manifestações culturais destes povos, que ali ainda se mantém.

– RIO AZUL DOS SOARES: de acordo com os dados secundários de 1994, nota-se que era o maior criadouro comum do município, contudo era o com menor uso, tendo em vista o número de animais criados a solta. De acordo com o entrevistado este espaço diminuiu cerca de 90%. Nota-se uma grande perda do espaço de manutenção da tradição faxinalense, do espaço onde estava escrita, com base na memória social, a história de muitas famílias faxinalenses e do próprio sistema, que se não for por esta evocação, não há mais como trazê-la para o presente.

Em 1994 as famílias já estavam divididas quanto a permanência ou não do sistema. Em 2004 o faxinal ainda permanecia, contudo com diversos problemas.

Atualmente, segundo os dados levantados com o entrevistado, a situação é difícil, vários membros do faxinal lutam pela sua manutenção, contudo os que são proprietários de maiores áreas de terra estão cercando às que faziam parte do criador comum. Os conflitos são vários, entre eles e o mais grave está morte de animais no criadouro por envenenamento. Aqui nota-se a perda dos laços de solidariedade, tendo em vista interesses inerentes e advindos do sistema econômico ora posto, onde se dá mais valor aos bens do que às pessoas e as relações que até um tempo se mantinham, e eram parte dos fatores caracterizadores da comunidade tradicional faxinalense.

Em observação na comunidade, e segundo apontamentos do membro da comunidade, pode-se afirmar que a paisagem com araucária ainda é presente, mas muita mata foi derrubada, nos últimos dez anos, que descaracterizou parte do faxinal.

Quanto as manifestações culturais, o mutirão ocorre para se efetuar a viação (limpeza da beira das estradas gerais) mas os membros do faxinal não se reúnem para fazê-lo, cada um faz uma parte que lhe é determinada quando há uma reunião na comunidade para tratar do assunto. Ou seja, pode-se apontar que o mutirão está totalmente descaracterizado. Já as festas típicas da cultura faxinalense dedicadas a um determinado santo, deixaram de existir a cerca de 30 anos.

Nota-se que dos sistemas ainda ativos este é o que se encontra em estado evidente de desestruturação e desta feita também é o mais (des)tradicional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As comunidades tradicionais faxinalenses, enquanto uma forma de organização camponesa, vêm passando por momentos difíceis, tendo em vista fatores da sociedade contemporânea que atingem estes espaços de forma negativa, fazendo com que os mesmos venham sendo modificados e na maioria das vezes extintos. Este tipo de organização apresenta características particulares, de um modo de vida onde a partilha do chão e a solidariedade entre os seus membros são (eram) as mais evidentes. De toda forma isso vem se perdendo com o correr dos dias.

Essa perda e/ou mudança da tradição faxinalense pode ser vista em todas as comunidades pesquisadas, onde novos elementos tomaram parte do cotidiano das famílias, fazendo com que estas perdessem vários valores de sua cultura, parte dos quais eram os mais intrínsecos e de caracterização destas comunidades.

De toda forma, este estudo teve com intuito levantar essas mudanças e conhecer as características atuais das comunidades, onde a memória individual e social, foram os meios que trouxeram a base primordial de informações para a sua construção.

A memória é uma fonte indiscutível de informação quando aqueles que são excitados a lembrar, o fazem e trazem para o hoje, fatos jamais registradas, e que mesmo se o fossem, não teriam a clareza e a emoção, forma pela qual este passado é apresentado pelos mais idosos.

Contudo, a tradição é mantida e representada por meio desta memória, assim como em alguns momentos pode sofrer pequenas modificações que podem ser caracterizadas como adaptações e inclusão de novos símbolos, fenômeno que como já explicitado em seção anterior, pode ser encarado enquanto (des)tradicionalização. No entanto, é uma atividade natural, influência que advêm de outros contextos para o que estes grupos sociais estão inseridos, esta que se caracteriza na contemporaneidade como de caráter global.

Essas comunidades apesar de apresentarem algumas situações distintas enquanto as suas dinâmicas atuais, nota-se que apresentam problemas similares, os quais levaram uma das pesquisadas a desestruturação e extinção, e que podem estar levando para a mesmo caminho as que ainda permanecem, que é a falta de integração entre os membros da comunidade.

Um fator que deve ser apontado, pois influência na dinâmica das comunidades pesquisadas, é o modelo atual de produção, o capitalismo, que faz com que se encare a área do criador comum enquanto uma terra sem valor para aqueles mais abastados, que normalmente tem mais propriedade neste espaço. E assim, acaba ocorrendo que estes tomam sua parte do criadouro, e a cercam e posteriormente usam para agricultura ou plantio de pinus ou eucalipto, o que vai tornar esta terra “produtiva” na mentalidade destes proprietários, que vai gerar capital.

De toda forma, pode-se concluir que todas as comunidades analisadas, apresentam mudanças significativas no que concerne às suas práticas tradicionais. Essas mudanças atingem diretamente a tradição, que pode ser encarado como este trabalho ora apontou, enquanto uma (des)tradicionalização, por esta perda de valores, o quer seja pela adequação de novos, por meio de uma (re)tradiconalização. São dinâmicas que ocorrem até certo ponto de maneira natural, com o andar dos dias, que derivam de influências diversas.

Não coube neste trabalho discutir ou apontar se o fenômeno da (des)tradicionalização é negativo ou positivo, pois estas mudanças podem ser encaradas das duas formas. De toda forma foi possível conhecer por meio deste trabalho alguns efeitos deste fenômeno nas comunidades analisadas em Rio Azul.

REFERÊNCIAS

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CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 13 Ed. São Paulo: Ática, 2006.

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IPARDES, Instituto Paranaense de Desenvolvimento Social e econômico. Caderno estatístico do município de Rio Azul. 2010. Disponível em: <www.ipardes.gov.br>. Acesso em 02 outubro de 2010.

LÖWEN SAHR, Cicilian Luiza. Os “mundos faxinalenses” da floresta com araucária do Paraná: racionalidades duais em comunidades tradicionais. Revista Terra Plural: Ponta Grossa – PR, julho/dezembro de 2008.

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MONASTIRSKY, Leonel Brizolla. Espaço urbano: memória social e patrimônio cultural. Material de disciplina – Mestrado em Gestão do Território, Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR: 2010.

NERONE, Maria Madalena. Terras de Plantar, Terras de Criar – Sistema Faxinal – Rebouças – 1950 – 1997. (Tese de Doutorado), UNESP, Assis, 2000.

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RUPP, Marla Luciana Treichel. MARTINS, Valter. Mudanças culturais nos faxinais. In: SOCHODOLAK, Hélio. CAMPIGOTO, José Adilçon. Estudos em História Cultural: na região sul do Paraná. Guarapuava: UNICENTRO, 2008.

TOLEDO, Ilma Aparecida de. Representações e práticas culturais do sistema faxinal. In: SOCHODOLAK, Hélio. CAMPIGOTO, José Adilçon. Estudos em História Cultural: na região sul do Paraná. Guarapuava: UNICENTRO, 2008.

 

1 Bacharel em turismo (Unicentro/Irati – PR), mestrando em geografia (UEPG/Ponta Grossa – PR). E-mail: joelciosoares@yahoo.com.br

2 Pós-doutora em Planejamento Urbano e Regional na Universidade de Heidelberg (Ruprech-Karls). Doutora em Geografia Humana pela Universidade de Tübingen (Alemanha), Professora dos Programas de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade Estadual de Ponta Grossa, e da Universidade Federal do Paraná. E-mail: cicilian@uol.com.br

3 O município localiza-se nas coordenadas 25o 43’58” de latitude sul, 50o 47’47” de longitude oeste, tendo como municípios limítrofes, Irati ao norte, Mallet e São Mateus do Sul a sul, Rebouças a leste e Inácio Martins e Cruz Machado a oeste. Está a 183,5 km de Curitiba a Capital do Estado (IPARDES, 2010).

4 HALBWACHS, Maurice. The Social Frameworks of Memory. Chicago: University of Chicago, 1992.

5 Grifo do autor citado.

6 HEELAS, P. e WOODHEAD, L. Religion in Modern Times. Oxford/Cambridge: Blackwell Publishers, 2000.

7 Mutirão: denominado também como puxirão (trabalho coletivo realizado num dia determinado, por um grande grupo de homens, em favor de alguém da comunidade) pixirum ou pitoco, cuja marca comunitária estava presente também nos dias de viação ou limpeza das estradas e caminhos, assim como no consertos de pontes e bueiros e na manutenção das cercas (NERONE, 2000).

8 Festas típicas: a) as realizadas ao final do dia de mutirão, onde toda a comunidade se reúne, para festejar pelo dia de trabalho; b) novenas com rezas, danças e festejo realizado em homenagem determinado santo de devoção da família que oferecia a festa (TOLEDO, 2008; RUPP e MARTINS, 2008).

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