Crônicas Margarete Hülsendeger

Sobre o sono  

Cena do Filme Ju-on

Sobre o sono
Margarete Hülsendeger
publicado em 02/06/2011 como www.partes.com.br/cronicas/mhulsendeger/sobreosono.asp

O sono é como uma outra casa que poderíamos ter, e onde, deixando a nossa, iríamos dormir.
Marcel Proust

Difícil de acreditar: pesquisa publicada na revista americana Neuroscience afirma que pessoas com falta de sono têm a tendência de ser mais otimistas. Os pesquisadores chegaram a essa conclusão porque, ao examinarem voluntários – utilizando a técnica de Imagem por Ressonância Magnética (IRM), – constataram uma atividade mais intensa nas partes do cérebro responsáveis pelas expectativas positivas. Para esses estudiosos, os resultados forneceram as evidências necessárias para afirmar que a falta de sono, não só torna as pessoas mais otimistas, mas também faz com que se arrisquem mais.
A notícia do jornal apresenta como forma de ilustração a experiência de gerentes de cassinos nas salas de jogos. Segundo esses profissionais, os jogadores depois de algumas horas sem dormir vão se tornando cada vez mais imprudentes a ponto de no final da noite já terem perdido tudo. Como a nota divulgada no jornal é pequena, muitos pontos desse estudo não ficaram suficientemente claros, contudo, esse é o tipo de pesquisa que pode provocar discussão ou controvérsia. De minha parte – mesmo sabendo o quanto é difícil contestar resultados de trabalhos científicos – acredito que nesse estudo estejam confundindo uma disposição natural de ver as coisas pelo lado bom com comportamentos perigosamente temerários.
A falta de sono é uma daquelas situações difíceis de explicar para quem nunca a experimentou. Apenas aqueles que já passaram uma noite insone entendem quando quero dizer que é muito complicado no dia seguinte – ou até na mesma noite – manter qualquer tipo de sentimento otimista. Na verdade, não dormir embota a mente tornando a ação mais corriqueira uma manobra complexa. Afinal, quando não dormimos impedimos que o nosso cérebro “desligue” e, portanto, descanse. Nesses momentos, tornamo-nos reféns de uma mente cansada que não consegue raciocinar direito. Daí a considerar esse tipo de atitude uma forma de otimismo é, para mim, no mínimo estranho.
Quando penso nas minhas várias noites insones não consigo me lembrar de em algum momento ter me sentido otimista sobre qualquer coisa. Ao contrário. Observar os ponteiros do relógio se movendo inexoravelmente durante uma noite inteira só me fez ver o mundo com cores mais escuras do que o normal. Por essa razão, creio que o otimismo observado pelos gerentes de cassino nada tem a ver com a falta de sono, mas com a presença de uma maior quantidade de adrenalina na corrente sanguínea dos jogadores. É isso o que os mantém acordados, expondo-os a riscos que normalmente não enfrentariam. Trata-se de um efeito cascata ou de uma espécie de círculo vicioso: a tensão provocada pelo jogo os impede de dormir e isso, por sua vez, os faz querer jogar cada vez mais, aumentando a tensão e dificultando a chegada do sono.
Nada substitui uma boa noite de sono, momento no qual temos a oportunidade de nos desligarmos, permitindo inclusive que sejam criados mais espaços em nossa mente e, portanto, abrindo lugar para mais informação. Assim, não se deve tomar decisões depois de uma noite insone, pois com certeza elas não serão o resultado de um momento exacerbado de otimismo. Muito pelo contrário. A pessoa nessa situação estará mais vulnerável e, consequentemente, incapaz de decidir o melhor caminho a tomar.
De qualquer maneira, saber que a falta de sono pode nos tornar mais imprevidentes a ponto de nos arriscarmos a perder tudo em uma única noite é motivo suficiente para soar o sinal alarme. Não considerar esse tipo de comportamento como a definição mais correta de otimismo também não diminui a certeza de que dormir bem é uma necessidade tão importante quanto comer ou respirar.

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