Alfabetização Educação Educação educação infantil

Trabalho Pedagógico na Educação Infantil: crianças da Pré Escola constroem conhecimentos sobre o tempo

Diana Vandréia Dal Soto*; Diolinda Franciele Wilterhalter*

publicado em 06/06/2011 como www.partes.com.br/educacao/sobreotempo.asp

 

RESUMO

Diana Vandréia Dal Soto – Pedagoga; Especialista em Gestão Educacional e Educação Ambiental pela UFSM; professora de Educação Infantil no Núcleo de Educação infantil Ipê Amarelo/UFSM

Constitui-se, este artigo, em um relato de experiência com crianças da Pré-Escola no Núcleo de Educação Infantil Ipê Amarelo da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Nele foi desenvolvido o estudo do tempo. O estudo se insere na metodologia de projetos de trabalho[1], que defende a criança como co-protagonista na construção dos processos de conhecimento. Essa experiência, por tanto, revela a importância de aproveitar e melhor explorar elementos de interesse das crianças, incentivando-as na construção do conhecimento.

Palavras-Chave: Educação Infantil, estudo do tempo, curiosidades infantis,  construção de conhecimentos

ABSTRACT
This article constitutes in a report of an experience with Pre-school children in the Children’s Education Nucleous “Ipê Amarelo” of the Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. In the article was developed the study of the time. The study is inserted in the work’s projects methodology, that defends the child as co-protagonist in the construction of the knowlege processes. This experience/experiment,therefore, reveals the importance of making use of and better exploring elements of children’s interest, incentivating them in the knowlege construction.

Key-words: Children’s Education, study of the time, children’s curiosities, knowlege construction.

 

Diolinda Franciele Wilterhalter- Acadêmica do curso de Pedagogia UFSM

O presente trabalho relata uma experiência na prática pedagógica com crianças da educação infantil pela abordagem do tema tempo.  Essa proposta de trabalho surgiu no período de adaptação das crianças da Pré Escola – Manhã, no Núcleo de Educação infantil Ipê Amarelo, da UFSM, a partir do interesse por elas apresentado em conhecer os números, medir o tempo, como marcar as horas e entender a rotina diária na escola.

Tendo em vista algumas observações e situações ocorridas nos primeiros dias de aula, percebemos esse interesse das crianças em relação ao tempo. A questão se fazia presente em todos os momentos: nas falas, questionamentos e brincadeiras cotidianas do grupo, como por exemplo: Em determinada atividade uma das crianças falou que só come cenoura para ficar rápido como o coelho, e que depois corre, corre para ver se ficou rápido mesmo.  Enquanto tentava realizar uma atividade bem rápida, perguntou quanto tempo levou: menos de uma hora? Zero hora? Um minuto?  Outras indagavam que horas são? Como marca no relógio? E ainda, quanto tempo falta para o meu pai vir me buscar? Ou mesmo, por que temos que guardar os brinquedos agora? Por que está na hora do almoço?

A partir dessas evidências que revelam o interesse das crianças, foi construída a proposta de trabalho denominada “Quanto tempo o tempo tem?[2] Crianças da educação infantil descobrem o tempo presente em suas vidas!”

Esse estudo objetivou desenvolver atividades relacionadas ao tempo, a fim de permitir às crianças maior contato com as questões temporais, possibilitando-lhes a compreensão da influência deste marcador em suas vidas, e como este orienta a organização social.

Nesse propósito, os planejamentos ao longo do estudo, buscaram propor ações que contemplassem o interesse das crianças nas diferentes áreas do conhecimento, favorecendo a exploração de materiais diversos e oportunizando algumas situações práticas de construção, experimentação e pesquisa com as famílias, de maneira a contemplar os objetivos da proposta e os interesses das crianças.

Desse modo, adota-se a Metodologia de Projetos por acreditar que essa perspectiva de trabalho favorece o processo de ensino e aprendizagem, pois considera o educando um sujeito ativo, respeitando sua historicidade e levando em conta o conhecimento prévio para a construção dos conhecimentos sistematizados. Assim, concebe-se que nas situações de aprendizagem

o problema adquire um sentido importante quando as crianças buscam soluções e discutem-nas com as outras crianças. Não se trata de situações que permitam “aplicar” o que já se sabe, mas sim daquelas que possibilitam produzir novos conhecimentos a partir dos que já se tem e em interação com novos desafios. Neste processo, o professor deve reconhecer as diferentes soluções, socializando os resultados encontrados (BRASIL, 1998, p. 33).

No sentido de valorizar a ação da criança como sujeito ativo, o Referencial Curricular Nacional para a Educação infantil, v.1 (BRASIL, 1998) traz a importância de identificar os conhecimentos prévios das crianças, a fim de que estas possam estabelecer relações entre os novos conteúdos e os conhecimentos já codificados. Esse processo possibilitará as crianças modificarem seus conhecimentos prévios, ampliá-los com novas aprendizagens. Desse modo, com a turma em questão, foi possível criar situações intencionais, nas quais puderam demonstrar e explicar seus conhecimentos por meio das diversas linguagens e assim, socializar, no grupo, suas vivências e experiências.

Sobre os processos de aprendizagem, ZABALA (2002) aponta que “a aprendizagem não é simplesmente um acúmulo de saberes, e sim depende das capacidades de quem aprende e de suas experiências prévias” (ZABALA, 2002, p. 64). Estas servem de base para a estruturação do novo conhecimento, permitindo ao indivíduo aplicá-lo de modo a solucionar as diferentes situações que lhe ocorrer.

 No convívio social as crianças se deparam com uma série de regras e convenções já estabelecidas: horários determinados, espaços delimitados, etc. Nesse sentido, é importante que tenham a oportunidade de refletir sobre essas questões, para que possam compreender a organização do grupo social e descobrir maneiras de interagir num espaço comum, respeitando os colegas que são mais lentos, controlando a ansiedade de alguns, que levam a querer acabar tudo depressa para começar outra atividade, o que pode influenciar negativamente no resultado da proposta.

A vida cotidiana, na escola, é regulada e ordenada pela questão temporal e, o relógio representa o artefato central. De acordo com Barbosa (2007)

ninguém pode negar o lugar de privilégio a esse objeto, que faz parte da vida cotidiana, marcando o ritmo da ação, medindo os rituais e ordenando os ciclos da existência. Ele é um símbolo cultural e, também, um mecanismo de controle social da duração do tempo (BARBOSA, 2007, p.139).

Nesse sentido, o desenvolvimento da temática em questão torna-se relevante e necessária na medida em que possibilita a construção em relação às noções de tempo e localização temporal, proporcionando o desenvolvimento do raciocínio lógico matemático, como também estimulando a investigação científica e a busca pelo conhecimento através das atividades que foram propostas.

A noção de tempo foi explorada nos seus diversos aspectos: ordem, sucessão, duração, simultaneidade e etc. Por exemplo: a sucessão dos dias (ontem, hoje, amanhã); a duração das atividades (mostrando que existem “diferentes tempos”, de acordo com o ritmo de cada pessoa); as noções de presente, passado e futuro. E muitos outros aspectos.

De forma, o estudo possibilitou responder questões como: O que é o tempo? Como marcamos o tempo? Para que serve o relógio? Que outros instrumentos marcam o tempo? Como os povos antigos se orientavam no tempo? Quais os tipos de relógios existem? Quais desses têm em sua casa? Como acontece o dia e a noite? Dentre outras questões, as quais estiveram orientadas por uma série de experiências. Destas destaca-se, resumidamente, algumas das atividades realizadas.

O trabalho teve início através da narração da história “O tempo e o ponteirinho do relógio azul”[3]. Nela a personagem Meg faz importantes descobertas sobre o relógio e o tempo. Numa conversa com sua avó observa o seu crescimento com o passar dos anos, vê as fotos como maneira de registro do tempo passado (memória).

Essa história motivou a realização de uma pesquisa sobre os diferentes marcadores de tempo. Com o resultado, obteve-se materiais impressos e objetos, como relógios, ampulhetas, relógio de engrenagem; sendo alguns objetos confeccionados pelas próprias crianças juntamente com seus familiares. Todos os elementos resultantes da pesquisa foram explorados ao longo do estudo e reservados para o fechamento da aprendizagem sobre o tempo em um momento posterior.

Na sequência, ainda motivadas pela história, organizou-se uma linha do tempo com fotos das crianças em diferentes idades para que elas, além de perceberem suas diferenças individuais, visualizassem a ação do tempo em suas vidas.

Hewlett (2010) defende a utilização de histórias para desenvolver a compreensão de conceitos científicos com crianças pequenas, representando um instrumento para relacionar conceitos já construídos com as novas ideias.  De acordo com a autora estas oportunizam “conexões entre conceitos científicos e suas próprias experiências de vida, proporcionando um modelo de referencia para fundamentar sua aprendizagem” (HEWLETT, 2010, p.126).

Em outro momento, as crianças foram incentivadas a observar com atenção os relógios de casa e, no dia seguinte, além de relatarem ao grupo, realizaram um desenho para registrar suas concepções iniciais (conhecimentos prévios) e revelar o que consideravam como relógio. Alguns desenharam relógios com números e ponteiros, outros celulares e micro-ondas em que também viam as horas, o que possibilitou o reconhecimento de diferentes tipos de relógios.

A história “De hora em hora” da autora Ruth Rocha, na qual um menino aprende a ver as horas no relógio e descobre que existe hora para tudo, também foi trabalhada. Neste momento, novamente, as crianças foram oportunizadas a falar sobre suas experiências e rotinas, em casa, com a família. Segundo Bizzo (2009):

É necessário dar voz ao aprendiz, que deve ficar consciente de como concebe a realidade que conhece. Ao fazê-lo falar sobre suas idéias, elas se tornam claras para o próprio sujeito. […] Ao expor suas idéias, as crianças ficam contentes e é possível que isto esteja associado com um tipo de prazer parecido ao de montar um quebra-cabeça, uma satisfação intelectual (Bizzo, 2009 p. 66).

Foram realizados também alguns experimentos. Um deles sobre a formação do dia e da noite (fig.1) Neste as crianças observaram a projeção da luz de uma lâmpada (sol) em um globo terrestre que demonstrava o movimento da Terra em torno do sol, em que foram introduzidos os conceitos de rotação e translação. De acordo com Ward (2010, p. 54) “A observação é uma importante habilidade processual, pois desenvolve a capacidade de usar todos os sentidos de forma adequada e segura, proporcionando que os alunos encontrem padrões e desenvolvendo a capacidade de separação e de classificação”.

                                                                                                        Fig. 1: Experimento – “formação do dia e da noite”.

Após a experimentação, as crianças assistiram ao vídeo “De onde vem o dia e a noite”[4]·, que possibilitou a retomada dos conceitos trabalhados. Posteriormente, registraram através de desenho, o que foi observado durante a realização do experimento. Segundo Ward (2010, p. 53) “os desenhos das observações proporcionam excelentes oportunidades para os alunos registrarem suas observações”.

Utilizou-se, também, a canção de Beto Hermann “O relógio”, a qual proporcionou a retomada e a fixação dos conceitos de segundo, minuto e hora, a percepção do ritmo presente na canção, além de enfatizar a questão temporal e o raciocínio lógico-matemático.

A parlenda “O tempo perguntou pro tempo: quanto tempo o tempo tem? O tempo respondeu pro tempo. Que tem tanto tempo. Que nem o tempo poderá dizer quanto tempo o tempo tem”, falada em vários ritmos, proporcionou a exploração e o exercício da linguagem oral, além do diálogo sobre o tempo.

Para a experienciação do funcionamento do relógio de sol, um exemplar foi construído com materiais alternativos. As crianças participaram projetando, através de desenho, o relógio de sol. Na sequência, as ideias foram colocadas em prática, ou seja, todos colaboraram de algum modo na construção do instrumento.  O medidor de tempo foi levado para o pátio, de maneira a possibilitar a observação do funcionamento do mesmo.

O estudo, ainda possibilitou a releitura da obra “A persistência da memória” de Salvador Dali. Antes da releitura as crianças pesquisaram sobre a vida e obra do pintor.

Na tentativa de organizar todo o conhecimento que foi trabalhado e construído com a turma, um gráfico em forma de círculo que apresenta desde o relógio com os segundos, minutos e horas até a formação das estações do ano, foi construído pelo grupo, representando concretamente suas aprendizagens. (fig 2 ). Neste gráfico, foi acrescentado ainda o desenho resultante de uma entrevista que as crianças realizaram com seus pais, na qual perguntam quando nasceram: dia da semana, mês, estação do ano, se é dia ou noite.

Fig. 2: gráfico – sistematizando o estudo

Fig. 2: gráfico – sistematizando o estudo

O trabalho foi encerrado com uma grande exposição organizada por todos da turma, composta pelos materiais arrecadados nas pesquisas e pelas produções e construções realizadas pelas crianças no decorrer do estudo (fig. 3 e 4). Esta mostra serviu para que as crianças pudessem rever tudo o que foi apreendido e produzido durante este período e também para que as crianças das outras turmas pudessem apreciar e conhecer objetos e imagens; até então, para eles, desconhecidos.

Além disso, os autores das obras (crianças da pré-escola) se sentiram entusiasmados em receber os colegas de outras turmas, que estavam prestigiando suas criações, o que contribuiu para a motivação das crianças na busca por novas aprendizagens.

Fig. 3: mostra de trabalhos

Fig. 4: mostra de trabalhos

  Ao concluir o estudo, fica como resultado o crescente envolvimento das crianças com aprendizagens significativas. Posteriormente, na continuidade, apesar de o projeto ter assumido um outro enfoque, pode-se percebe o envolvimento das crianças nas propostas e atividades. Seus questionamentos, ainda mais críticos aconteciam a todo o momento durante o estudo do tempo, sendo questionados e instigados a buscar suas respostas.

Essas aprendizagens foram (re) significadas ao longo do semestre e, após a conclusão do trabalho, ainda ficaram algumas reflexões das crianças em relação às noções de tempo. Considera-se isso positivo, pelo fato de que as construções mais abstratas, nesta faixa etária, se fazem num processo. Ao passo que as interações sociais, o contato com o outro e as reflexões que envolvem questões cotidianas da rotina na escola, que são de certa forma orientadas pelo tempo, favorecem a criança em suas construções temporais, não para internalizar a sequência de ações, mas compreendendo o significado destes acontecimentos.

Com a construção de novos conceitos sobre a temática em questão, as crianças passam a observar o tempo presente em suas vidas. Percebem que a vida de cada um é movida pelo tempo e suas consequências e, por isso, ela também não para, está em constante movimento e mudança.

  Essa proposta comprova também, que é possível construir, já com crianças de pouca idade, um conhecimento com questões e conceitos elaborados, de cunho complexo e com uma linguagem rebuscada, utilizando-se, para isso, métodos e procedimentos científicos.

Obteve-se ainda, como vantagem deste estudo, o desenvolvimento das habilidades de observação, desinibição para partilhar as opiniões, criticidade e outras, estas que foram bastante estimuladas ao longo do estudo.

E, por fim, essa experiência nos revela que na educação infantil devem ser explorados elementos que instigam as crianças a descobrir, desenvolvendo nestas a curiosidade e o interesse pela interpretação dos fenômenos que ocorrem no meio que estão inseridas. E assim, Compreendendo e fazendo do experimentar e do descobrir uma maneira muito rica de apreender.

Isso é possível, principalmente, quando se trabalha com a Metodologia de Projetos, em que o docente, após diagnosticar  interesses e/ou necessidades expressas na turma, consegue desenvolver o trabalho com a interação e participação de todos os envolvidos.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, M. C. S. Os usos do tempo. In: Por amor e por força: rotinas na educação infantil, Porto Alegre: Artmed, 2007.

BARBOSA, M. C. S.; HORN, M. da G. S. Projetos na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008.

BRASIL. Ministério da Educação – MEC/SEF. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: Introdução, vol.1, Brasília, 1998.

Bizzo, Nélio. Ciências: fácil ou difícil? 1º. Ed – São Paulo: Biruta, 2009.

Hewlett, C. A ciência das histórias. In: Ward, Hellen; Roden, Judith; Hewlett, Claire; Foreman, Julie. Ensino de Ciências. 2º. EdPorto Alegre: Artmed, 2010.

ROCHA, R. De hora em hora…. São Paulo: Quinteto Cultural, 1998.

ZABALA, Antoni. Enfoque globalizador e pensamento complexo: Uma proposta para o currículo escolar – Porto Alegre: Artmed, 2002.

* Diana Vandréia Dal Soto – Pedagoga; Especialista em Gestão Educacional e Educação Ambiental pela UFSM; professora de Educação Infantil no Núcleo de Educação Infantil Ipê Amarelo/UFSM. dianandalsoto@hotmail.com

* Diolinda Franciele wilterhalter- Acadêmica do curso de Pedagogia UFSM. francielewinterhalter@bol.com.br

[1] (Barbosa & Horn, 2008).

[2] Título inspirado nas dúvidas das crianças e na parlenda: “o tempo perguntou pro tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu pro tempo que tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.”

[3] Obra da coleção Pequenas Coisas Grandes Mensagens, autora Márcia Helena dos Anjos e Márcia Macedo dHaese, editora Ciranda cultural.

[4] Vídeo disponível em: http://vodpod.com/watch/1492377-tvcultura-de-onde-vem-o-dia-e-a-noite-kika

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