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O trabalho do professor pesquisador: uma reflexão sobre sua práxis educativa

Cláudia Letícia de Castro do Amarali , Letícia Ramalho Brittes**

publicado em 05/09/2011 como www.partes.com.br/educacao/praxiseducativa.asp

RESUMO

Cláudia Letícia de Castro do Amaral é licenciada em Letras Português-Inglês com respectivas Literaturas pela Universidade Federal de Santa Maria – RS. Especialista em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa Maria –RS; Mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria – RS; Professora do Colégio Agrícola de Frederico Westphalen – RS. Email: doamaral.claudia@hotmail.com

Este artigo visa a defender a relação intrínseca entre as concepções de práxis educativa e trabalho dos professores, refletindo sobre elas a partir da concepção de professores-pesquisadores, de teoria imbricada na prática. A fim de esclarecer tal entendimento, realiza-se inicialmente uma caracterização da pesquisa educacional na escola para que se entenda os professores como profissionais que só se constituem como tal na interface professores-pesquisadores, realizando sua práxis. Finalmente, é ressaltada a necessidade de refletir sobre a práxis educativa e o trabalho dos professores que, se pesquisadores, elaboram condições fundamentais para que restituam sua condição de sujeito de seu trabalho e transformem a realidade.

PALAVRAS-CHAVE: práxis educativa, trabalho, pesquisa, professores.

 

Introdução

Em seus discursos cotidianos, sobretudo entre seus pares, ao avaliarem negativamente a práxis pedagógica de um professor/professora, principalmente na academia, é comum ouvir-se algo como: “Ele/ela é pesquisadora/pesquisador, mas não serve para professora/professor”. Na escola, por outro lado, dificilmente se escuta tal comentário, pois se considera que os professores não realizam pesquisa. Essas rápidas considerações tornam possível vislumbrar duas concepções vigentes sobre pesquisa em educação que precisam necessariamente ser desconstruídas, para que a ação de pesquisar seja bem-sucedida. A principal delas é a ideia de que os papéis de professor e pesquisador podem ser dissociados. A outra, implicada na anterior, é que existe uma separação entre teoria e prática, ou seja, haveria aqueles que pensam a educação e outros que a executam.

Para refletir sobre essas questões, inicialmente, buscar-se-á mostrar o que é pesquisa educacional, a fim de perceber a inseparável relação entre as concepções de professores e pesquisadores referindo-se ao sentido do sentido do trabalho. Em seguida, será discutida a relação intrínseca entre teoria e prática, ou seja, a práxis, na pesquisa em educação. Finalmente, mostrar-se-ão as condições que geram tais dualidades e como elas afetam e são afetadas pelo trabalho dos professores em sua práxis cotidiana. Para isso, far-se-ão abordagens sobre percepções acerca do percurso de pesquisa com o intuito de ilustrar que a investigação sistemática em educação pode ocorrer na e a favor da escola, em um processo de reflexão-ação em contínuo, por professores que só se constituem como tais na sua interface dialética professores-pesquisadores, em sua práxis.

O objetivo central é propor uma reflexão sobre a relação intrínseca entre as concepções de práxis educativa dos professores, refletindo sobre elas a partir do entendimento de professores-pesquisadores, de teoria imbricada na prática, constituindo a práxis.

 

METODOLOGIA

Letícia Ramalho Brittes é licenciada em Letras Português-Inglês com respectivas Literaturas pela Universidade Federal de Santa Maria – RS. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria – RS; Acadêmica de Doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas – RS; Bolsista CAPES. Email: leticia.brittes@hotmail.com

Escolheu-se a pesquisa qualitativa, que se apresenta como uma abordagem própria para os estudos em educação, tendo em vista que propicia uma maior interação entre pesquisadores e os temas abordados, na medida que não se pauta por um rigor cartesiano absoluto. Ao contraio, permite ser modificada no percurso da pesquisa, garantindo que os sujeitos tenham primazia no desenvolvimento do trabalho.

O artigo foi elaborado com base em um procedimento de pesquisa bibliográfica, entendido como uma sistemática de produção de conhecimento. Criou-se uma sequência de fases, quais sejam: seleção do material mediante o critério da abordagem do tema em consonância com a perspectiva teórica escolhida, centrada em estudos relativos ao trabalho; leitura inicial com fichamento de ideias centrais; análise das categorias (palavras-chave) no material fichado; aprofundamento dos temas em novas leituras; e, por último, sistematização entremeando os estudos realizados com as descobertas e análises dos autores.

Como técnica de análise dos dados, utilizou-se a Análise de Conteúdo, com base em Bardin (2006). Isso exigiu uma elaboração de categorias a priori e a análise delas lidas no material bibliográfico,

Tal metodologia visou a impregnar nesta investigação um rigor científico marcado pela atenção aos detalhes, análise acurada das categorias e sistematização embasada nos estudos realizados até então.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A função social da instituição escolar nos tempos atuais é dúbia: por um lado ela parece querer continuar sua tradicional ação de perpetuar e divulgar conhecimentos; por outro, apresenta-se como espaço para convivência; ainda, há a tão propalada ação escolar propedêutica, dedicada a uma instrumentalização para a continuidade dos estudos. Vale dizer, à escola caberia, assim, efetivamente, a função de permitir que os sujeitos, professores e estudantes, passassem a realizar a leitura e interpretação de sua realidade. Para tanto, é preciso que essa realidade seja inserida em uma proposta pedagógica não como adereço, complemento, mas como tema basilar. Em torno deste tema, elabora-se o diálogo sobre o real, a partir das inúmeras fontes hoje disponíveis. Com base neste diálogo, é possível oportunizar-se atuações para o entendimento do real. Para tanto, impõe-se um compromisso ético da Escola: tornar-se acessível a todos, revelar crenças e gerar ações políticas que garantam uma efetiva produção do conhecimento, deixando de ser, enfim, em qualquer perspectiva, um espaço restritivo e limitador. Todas estas atribuições da escola surgem de uma vinculação a um projeto histórico e social mais amplo, oriundo das demandas sociais e da leitura que se faz destas demandas.

É nessa perspectiva que se pensa a pesquisa enquanto geradora não só de espaços interativos para produção do conhecimento, mas da preocupação dos professores em produzir seu próprio conhecimento, em sua práxis cotidiana. Não é, com certeza, um esforço simples. Ao contrário, implica a reelaboração dos pressupostos que têm orientado até hoje a aula e a prática pedagógica escolar. Neste afã, há a revisão da crença no ensinar e a passagem para a realização de aprender. Passa-se do “dar aula” para interagir na produção de conhecimentos. E lembrando a herança tradicional ainda bastante presente na educação escolar brasileira, faz-se necessário, para tanto, superá-la, o que exige trabalho coletivo, vontade, humildade e muito estudo.

Assim, se a escola for considerada como uma instituição pautada por sua intencionalidade, reagindo a orientações do modelo social em que se insere, pode-se entender a pesquisa como uma forma de os professores e os estudantes encontrarem novos e renovados sentidos para o conhecimento (e, em decorrência, para o conhecimento escolar), atribuindo-lhe sentidos mais em acordo com o que vivem do que com o que lhes é exigido pensar. Dessa forma, há, na pesquisa, uma possibilidade emancipatória, capaz de permitir aos sujeitos atribuírem sentidos ao seu fazer, à sua cultura, intervindo em seu grupo, contribuindo para que este grupo redefina seus próprios sentidos. Em síntese, essa é a centralidade da práxis pedagógica que caracteriza o trabalho dos professores.

Apesar da extrema importância de os professores realizarem pesquisa sobre e na sua prática, a sobrecarga de trabalho que lhe é atribuída cotidianamente o destitui de possibilidades de reflexão Aliado ao excesso de atividades, eles se submetem a condições de trabalho historicamente desfavoráveis, como a desvalorização da classe profissional, materializada em péssimos salários e na indisciplina dos estudantes em sala de aula, por exemplo. Como resultado, os professores tornam-se cumpridores de tarefas, desconhecendo-se como profissionais que pensam a realidade e agem a fim de favorecê-la.

Ventorim (2005) concebe a formação dos professores-pesquisadores como um movimento contra-hegemônico, na medida em que pode contribuir para a construção de alternativas críticas na formação, redimensionando o papel político-pedagógico dos professores, da educação e da escola. É extremamente desejável que os professores tenham a disposição em enfrentar dilemas profissionais e repensar seus próprios pontos de vista, promovendo uma análise mais profunda das situações e elaborando novos modos de pensar e fazer seu trabalho, além de meios para melhorar seu reconhecimento social.

Pensa-se que o trabalho dos professores seja a produção da aula, um tempo e um espaço em que necessariamente precisa acontecer a produção do conhecimento sua e dos estudantes. Por isso, é uma práxis na medida em que ao realizá-lo evidencia crenças elaboradas a partir da reflexão sobre suas práticas, de modo indissociado.

Reitera-se que, ao se pensar em pesquisa, antes, precisa-se lembrar que a função da escola, diferentemente de outras épocas, não é informar, não é transmitir conhecimentos, pois estes assumem proporções espantosas a todo o momento. Uma de suas funções é inserir o estudante em uma dinâmica de aprender, incentivando a autonomia capaz de lhe permitir envidar esforços constantes em prol de sua singular produção de saberes. Desse modo, poderá atribuir sentidos permitidos pelas referências que o orientam, elas próprias em constante ressignificação. É uma produção de conhecimento cotidiana, reelaborada e ampliada conforme as experiências anteriores, significativa e significante. Somente nestas condições se pode falar em produção de saberes: desde que se constitua uma escola que abandona a reprodução de conhecimentos e passa a os questionar, problematizar, produzir. Desempenhando essa função, em um ambiente que se queira alfabetizador, no sentido de permitir conhecer e capaz de re-elaborar o conhecido, a escola pode contribuir efetivamente para a educação de pessoas críticas e criativas, capazes de agir no mundo, torná-lo melhor, e capazes de inserirem-se em um trabalho, uma prática social de caráter emancipatório.

Com base nessas reflexões, percebe-se que não existem modelos prontos para encaminhar a pesquisa, nem a práxis educativa dos professores. Até porque se existissem, novamente, agir-se-ia com base em modelos superados, paternalistas, autoritários que impedem o diálogo. Assim, podem-se criar modelos tornando-os condizentes com a leitura feita da realidade, considerando os interesses de grupos de trabalho. Essas criações, organizadas em projeto pedagógico, vão elaborando a escola que se almeja e tornando-se reais a cada passo dado com ousadia e amparado no coletivo. A propósito, os professores, no momento em que se voltam para a compreensão da realidade, da escola, da práxis educativa que está sendo encaminhada, já estão pesquisando.

CONCLUSÕES

Pelas breves considerações aqui assumidas, pode ser pleonasmo falar em professores-pesquisadores como se fosse necessário o adjetivo “pesquisadores” para expressar o sentido de ser professores. Da mesma forma, o designativo “professores” carrega intrínseco a pesquisa, a reflexão, a crítica. Pesquisa e reflexão são inerentes ao ser professor pela própria natureza do seu fazer.

No entanto, devemos nos preocupar não só em desconstruir falsas concepções, mas também lutar contra as condições concretas que as geram, tais quais a situação deficitária da docência, a crise pela qual passa o trabalho dos professores, de suas profissionalidade e formação.

A fim de fortalecer a práxis educativa, é preciso criar mecanismos que garantam aos professores maior autonomia (individual e coletiva), espaço para investir em novos modos de pensar e fazer seu trabalho e meios de melhorar seu reconhecimento social. Para isso, é preciso haver problematização e reflexão sobre a realidade. Todavia, acredita-se que essas devem estar embasadas em pressupostos e referenciais teóricos pertinentes, para que esse discurso não seja esvaziado de sentido.

A sugestão é que os professores atuem na perspectiva de pesquisa e reflexão. Embora, neste breve artigo, tenham sido esboçadas concepções sobre essas instâncias, servem aquelas utilizadas no cotidiano, desde que submetidas a um exercício lógico e disciplinado de pensamento. Essa recomendação se baseia no entendimento de que há aspectos comuns entre essas acepções, na medida em que ambas devam tomar a realidade como base para racionalizações e críticas e não simplesmente sugerir modelos teóricos supostamente válidos em qualquer circunstância.

Da mesma maneira, pesquisa e reflexão devem considerar a práxis não como um fim pedagógico, mas como meio de transformação da realidade por meio de exame crítico, da análise, portanto, da ressignificação. Apenas apresentar idéias não é suficiente. É preciso haver diálogo entre pontos de vista, é necessário relativizar idéias, problematizando leituras supostamente corretas da realidade, atribuindo novos sentidos ao trabalho dos professores a partir da pesquisa.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, R. Reestruturação produtiva e o mundo do trabalho. In: SENNA, E. (org.) Trabalho, educação e política pública. Campo Grande: Ed. UFMS, 2003, p.13-50.

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. 5ª Edição. Lisboa: Edições 70, 2006.

KUENZER, A. Z. Educação e trabalho: questões teóricas. In: KUENZER, A. Z. et alii. Educação e trabalho. Salvador: Fator, 1988.

FERREIRA, L. S. Gestão do pedagógico: de qual pedagógico se fala?. In: Currículo sem Fronteiras, Currículo sem Fronteiras, v.8, n.2, pp.176-189, Jul/Dez 2008. ISSN 1645-1384

VENTORIM, S. A Formação do professor pesquisador na produção científica dos encontros de Didática e Prática de Ensino: 1994-2000. Tese de Doutorado, UFMG, 2005, 346 p.

i* Licenciada em Letras Português-Inglês com respectivas Literaturas pela Universidade Federal de Santa Maria – RS. Especialista em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa Maria –RS; Mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria – RS; Professora do Colégio Agrícola de Frederico Westphalen – RS. Email: doamaral.claudia@hotmail.com

** Licenciada em Letras Português-Inglês com respectivas Literaturas pela Universidade Federal de Santa Maria – RS. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria – RS; Acadêmica de Doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas – RS; Bolsista CAPES. Email: leticia.brittes@hotmail.com

Como citar:

AMARAL, C. L. de C. do; BRITTES, L. R. O trabalho do professor pesquisador: uma reflexão sobre sua práxis educativa. Revista P@rtes online, P@rtes.V.00 p.eletrônica. Setembro de 2011. Disponível em <>. Acesso em _/_/_.

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