Educação Educação Educação Física

Aulas de Educação Física Mistas e Relações de Gênero

Greice Rosso Lehnhard*, Aline Rosso Lehnhard, Sofia Wolker Manta*

16/10/2011 www.partes.com.br/educacao/artigos/aulasmistas.asp

 

 

Greice Rosso Lehnhard é licenciada em Educação Física pela UFSM e Especialista em Atividade Física, Desempenho Motor e Saúde pela UFSM.

Resumo: O objetivo deste artigo foi  realizar uma busca acerca dos conflitos nas representações de gênero em aulas de Educação Física. Pode-se observar em diversos estudos que as relações conflituosas entre meninos e meninas recaem em representações marcadas como biológicas, como por exemplo, as meninas são mais fracas que os meninos. As aulas mistas poderão ser um meio de atenuar estas diferenças socialmente construídas desde que o professor seja um mediador comprometido em diagnosticar, analisar e intervir nestas diferentes situações.

Palavras-chave: Educação Física, Gênero, Aulas mistas, Escola.

 

Abstract: The aim of this paper was to perform a search about the conflicts in the representations of genderin in physical education classes. It can be observed in several studies that conflictual relations between boys and girls fall into representations marked as organic, for example, girls are weaker than boys. Mixed classes may be a means to alleviate these differences socially, constructed since the teacher is a mediator committed to diagnose, analyze and intervene in these different situations.

Keywords: Physical Education; Gender; Mixed classes; School.

 

Introdução

As representações de gênero dentro da educação física percorreram um caminho de desenvolvimento da preocupação com o corpo nas práticas esportivas no contexto da história.

Aline Rosso Lehnhard é Licenciada em Educação Física pela UFSM.
alinelehnhard@mail.ufsm.br

Com o aparecimento da burguesia,no século XIX, a Educação Física passa a ser a expressão da nova sociedade, deixando a preguiça, marco do passado, para trás. Buscou-se assim, construir um “homem novo”, preocupado com as áreas mental, intelectual, cultural e física, aplicando tais conceitos na força de trabalho (SOARES apud FERRAZ, 2005).

Também na burguesia havia a imagem de fraqueza e impotência acerca da mulher, tirando suas possibilidades de cuidar do corpo, em função de ter o papel de progenitora e não poder perder a forma corporal (SARAIVA apud FERRAZ, 2005).

O dualismo – separando homem e natureza – tem seu surgimento na modernidade, onde o corpo passa a ser instrumentalizado em função de uma promoção do individualismo em ordem econômico-social (SILVA apud FERRAZ, 2005).

Com a Revolução Industrial vem a industrialização e, conseqüentemente, a urbanização, jogando a classe baixa na miséria e aumentando as epidemias de cólera e tifo, fato que só gerou preocupação quando atingiu as classes média e alta. A partir disso, a Educação Física tornou-se um instrumento da educação higienista, promovendo mobilizações sanitárias na Europa. Assim a industrialização trouxe malefícios inclusive para as tropas do exército, visto que em função da degeneração provocada pela produção de corpos dóceis e sem cuidados, os homens já não atingiam a altura mínima exigida (SOARES apud FERRAZ, 2005).

Sofia Wolker Manta é Formada em Educação Física Licenciatura pela UFSM/RS. Especializando no Curso de Pós graduação em Atividade Física, Desempenho Motor e Saúde na UFSM. Tem experiência na área de Atividade Motora Adaptada.
sofi488@hotmail.com

Na Sociedade Industrial, as mulheres eram consideradas debilitadas, provocando assim desvantagens nos campos produtivos e de esportes, não podendo participar de práticas esportivas e de trabalho, consideradas prejudiciais à saúde do sexo feminino (SARAIVA apud FERRAZ, 2005).

O culto ao corpo forte e resistente veio com a modernidade e ascendeu nos ginásios de esporte, onde a sensibilidade era descartada. As contradições na representação social na imagem do sexo feminino vieram com o crescimento do fenômeno esportivo e a entrada da mulher no campo de trabalho. Assim os esportes marcados pelos gestos graciosos e suaves , que eram pouco prejudiciais a saúde, tornaram-se particulares da mulher (SARAIVA apud FERRAZ, 2005).

A Educação Física escolar no Brasil

Ao final do século XIX a educação física foi introduzida na escola com caráter higienista, tendo base nos exercícios físicos (SOARES apud FERRAZ, 2005). No entanto, somente os meninos tinham esse privilégio, tendo em vista que a educação física moral e intelectual para as meninas deveria ser modificada (OLIVEIRA; DUARTE 2006).

No Rio de Janeiro em 1928, através de uma Reforma na educação, Fernando Azevedo atendeu especialmente às mulheres, recomendando as mesmas a natação e a dança, em função dessas modalidades não exigirem grande esforço físico e não terem forte caráter de competição. A partir daí as aulas de educação física eram divididas por sexo, no intuito de oferecer atividades associadas à graciosidade e beleza para o sexo feminino e voltadas ao rendimento físico para o masculino (OLIVEIRA; DUARTE 2006).

A elaboração da primeira Lei de Diretrizes e Bases 4024/61 trouxe a obrigatoriedade da educação física nos cursos primário e médio, recomendando que “a prática da educação física na escola fosse complementada por atividades esportivas, mesmo que essas fossem ministradas fora do horário escolar, a fim de permitir a formação do espírito de equipe e liderança dos alunos” (OLIVEIRA; DUARTE, 2006 p.1).

Com isso as aulas passaram a ser semelhantes para meninos e meninas, além disso os movimentos promovendo a igualdade para todos mobilizaram-se e, em algumas escolas, as aulas de educação física tornaram-se mistas, ou seja, eram desenvolvidas em um mesmo ambiente para toda turma, não significando que eram em conjunto (OLIVEIRA; DUARTE, 2006).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) colocam a educação física em lugar de prestígio e trazem as aulas mistas como uma oportunidade de meninos e meninas tornarem-se mais tolerantes e compreensivos com as diferenças, de maneira que os estereótipos da relação social entre os mesmos não sejam reproduzidos.

As aulas de Educação Física para turmas mistas

Segundo Sousa e Altmann (1999) é errôneo concluir que exclusivamente a questão do sexo faça com que as meninas sejam excluídas do jogo, mas sim por, na concepção dos colegas, serem mais fracas e menos habilidosas que os mesmos. Além disso, os meninos mais novos e os considerados jogadores ruins também sofrem com a mesma exclusão.

As autoras ainda colocam que há uma resistência ao trabalho integrado, resistência esta que é constante ao longo da história da educação física escolar do Brasil. As relações de poder, marcadas pela dominação masculina, separaram homens e mulheres apesar da criação das aulas mistas, desde o princípio do século passado.

As concepções de “homem como força e razão” e “mulher como fragilidade e emoções” foi mantida através das técnicas corporais e conteúdos de ensino, principalmente o esporte.

Para Oliveira e Duarte (2006)

As aulas mistas na educação física têm o intuito de priorizar as atividades para ambos os sexos, porém nem sempre as aulas mistas são aulas co-educativas, pois a co-educação tem como objetivo levar o aluno a trabalhar as mesmas possibilidades e oportunidades, vivenciando as diferenças e semelhanças (p. 2).

A co-educação, segundo Saraiva (apud FERRAZ, 2005) engloba uma prática conjunta entre meninos e meninas nas aulas de educação física, onde os mesmos recebam atenção idêntica e compreendam, através da prática, as diferenças nas ações femininas e masculinas diante do jogo.

O professor tem por missão promover a integração social do aluno, através das atividades físicas onde as diferenças sejam aceitas. Por isso, é destacado o campo pedagógico, pois muitos professores resistem a essas práticas em função da distinção de interesses entre meninos e meninas.

Sendo a educação física a disciplina que promove o contato entre os corpos, acaba por expor os estereótipos de gênero que são reforçados pelo sexismo da escola. Para Oliveira e Duarte (2006) esses estereótipos são acentuados pela

determinação das atividades por sexo, por exemplo, a menina dança e o menino joga futebol. Se o objetivo das aulas é desenvolver as qualidades físicas, e as habilidades motoras, que são igualitárias aos dois sexos, se são trabalhados a expressão corporal e o ritmo, são para os dois sexos, se for a força também se destina aos dois. O que não pode ocorrer é um sexo ser mais privilegiado em relação às oportunidades que o outro devido às características físicas serem mais determinantes em um sexo do que no outro. Com isso nas aulas de educação física acabam ocorrendo desentendimentos entre os alunos (p. 3).

Esses conflitos estão constantemente presentes nas aulas mistas, no entanto, devem ser utilizados na promoção do respeito às diferenças, sejam elas físicas ou de performance nas atividades.

Em estudo realizado por Haertel e Gonçalves Junior (2007) foi observado como ocorrem as relações de gênero nas aulas de educação física do ensino Médio, a partir do entendimento da adolescência como uma fase determinante na construção de concepções acerca da relação “mulher – feminilidade”. Foram sujeitos da pesquisa alunos de duas escolas, uma pública e outra privada, observou-se assim que ambas fundamentam as aulas no conteúdo dos esportes coletivos e, além disso, as meninas são menos participativas e ocupam um espaço menor em relação aos meninos.

Na escola em que as aulas eram separadas por sexo, os autores constataram que os alunos não eram contra as aulas mistas. Nas duas instituições os alunos admitem que os meninos são mais fortes que as meninas, podendo gerar no momento do jogo misto uma preocupação dos meninos em não machucar as meninas.

Em pesquisa realizada por Oliveira e Duarte (2006) foi entrevistado um grupo de professores acerca do relacionamento de meninos e meninas, meninas e meninas, meninos e meninos nas aulas de educação física. Constatou-se que há agressividade tanto entre alunos do mesmo sexo quanto entre alunos de sexos opostos e apesar das aulas serem mistas – por determinação da escola – os alunos separam-se por sexo durante as atividades, não contemplando com isso o principio da co-educação citado anteriormente.

Considerações finais

Ainda hoje é polemizada a questão das aulas de educação física mistas, principalmente em função da distinção de interesses entre meninos e meninas. Além disso, idade, força e habilidade, juntamente com a questão do gênero, são categorias decisivas na exclusão de meninos e meninas na escola. Isso leva-nos a crer que a separação por sexo nas aulas de educação física não considera os demais fatores, já que há diferenças e conflitos entre indivíduos do mesmo sexo.

Então, é dever da instituição escolar promover a relação entre meninos e meninas e, através da convivência, aprender com as diferenças existentes entre os seres humanos. Nesse intuito, a educação física oferece uma gama de oportunidades através do contato que pode ser estabelecido entre os alunos através da prática.

De acordo com o que já foi exposto é na fase da adolescência que as marcas da feminilidade e da masculinidade mais aparecem. Estando esta fase de desenvolvimento diretamente relacionada ao Ensino Médio.

Por fim, vale lembrar que ao chegar à escola os alunos já têm certa bagagem cultural, e cabe aos professores criar estratégias a fim de reconstruir alguns significados e valores quanto a hierarquias desmistificando os estereótipos criados.

Finalmente, as aulas mistas tornam-se grandes ferramentas para o alcance deste objetivo.

Referências bibliográficas

ALTMANN, H.; SAOUSA, E. S de. Meninos e meninas: Expectativas corporais e implicações na educação física escolar. In: Cadernos Cedes, ano XIX, 1999.

DUARTE, C. P.; OLIVEIRA, F. F. Discurso dos professores e professoras de educação física sobre o relacionamento de meninos e meninas. In: Simpósio Temático Gênero e sexualidade nas práticas escolares. Florianópolis, 2006

FERRAZ, L. Mitos e gêneros nos meandros da Educação Física. In: Revista Digital, Buenos Aires, 2005.

HARTEL, B.; GINÇALVES JUNIOR, L. A temática do gênero nas aulas de educação física do Ensino Médio das escolas de São Carlos. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2007.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, Brasília: MEC/SEF, 1997.

 

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