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Ensino e aprendizagem ciências: desafios tangentes aos saberes, fazeres e conheceres pedagógicos com a Universidade, Escola Básica e os outros aí (multi)situados

Igor Helal, Celso Sánchez

10/12/2011  www.partes.com.br/educacao/artigos/ensinodeciencias.asp

 

 

Resumo

Este trabalho discute os desafios presentes na articulação entre universidade e escola básica, tendo como foco o ensino de ciências e o contexto de formação do pedagogo em uma perspectiva crítica, reflexiva e autopoiética. Versa sobre um processo experienciado por professores e estudantes da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), os quais discutiram, na disciplina ciências naturais, diversas vertentes científicas. O semestre explicitou as resistências discentes em fazer com os conteúdos, embora tenha visibilizado, também, um movimento de (auto)conhecimento e complexificação de saberes e fazeres.

Palavras-chave: ensino de ciências, pedagogia, universidade, escola básica.

Abstract 

This work discusses challenges in the relationship between university and elementary school, focusing on science education and the context of teacher training in a critical, reflective and autopoietic. Deals with a process experienced by teachers and students of the Federal University of Rio de Janeiro State (UNIRIO), which discussed, in the natural sciences discipline, various aspects of science. The semester students explained the resistance to do with the content, although visualized, too, a movement (self) knowledge and complexity of knowledge and practices.

Keywords: science education, education, university, elementary school.

 

A conversa que iniciamos agora intenta versar e explicitar os múltiplos mo(vi)mentos de uma pesquisa em andamento, cujo percurso é atravessado por experiências que nos tocam, nos mobilizam e nos pulsam (LARROSA, 2002). É também um convite à reflexão sobre as possibilidades entre um trabalho integrado e integrante sobre atividades educacionais e o universo múltiplo acerca das ciências naturais. É nesta pesquisa que emergem práticas, investigações e ações pedagógicas: uma passagem para ver/ouvir/sentir os imprevistos e desvios constitutivos dos saberes, fazeres e conheceres científicos e suas potencialidades no que tangem às práticas docentes, as quais se (com)partilham com as curiosidades e desejos infantis ebulidos com os cotidianos da Escola Básica.

O lócus privilegiado de investigação e ação fez-se e estruturou-se por meio da disciplina Ciências Naturais na Educação II, do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), na qual a turma se desafiou, a partir da proposta do professor, a pesquisar, investigar e compreender melhor os múltiplos sistemas[i] e conhecimentos designados ao ensino e aprendizagem de e em ciências para os anos iniciais do Ensino Fundamental – o trabalho foi produzido em pequenos grupos, mas sobretudo em coletivo, visto que as aulas se consubstanciaram em momentos de escuta e fala entre os interlocutores da disciplina: os desafios e percalços dos estudantes eram explicitados, a fim de excitar a ajuda entre os pares.

No objetivo de “aprender fazendo e se formando ao fazer”, adentrando em processos que não essencializam identidades (SKLIAR, 2003), o trabalho foi proposto, realizado e atravessado por muitas resistências e desafios apresentados pela turma. Contudo, como todo conhecimento é, também, (auto)conhecimento (SANTOS, 2008), os estudantes discutiram sobre universos, gens, biodiversidade, meio ambiente, etc., colocando-se, assim, como autores e atores desse/nesse processo, no qual as ações não foram de apenas constatação, mas sobretudo de criação.

Neste sentido, se os pensamentos e conhecimentos se formam, também, em redes, pensamos terem sido potencializadoras os encontros na Universidade, porquanto se consubstanciaram em momentos de atenção mútua e compartilhada (CONNELY & CLANDININ, 1995) com (novos) pares e de diálogos entre (des)conhecimentos e teorias várias: o presenciado ali pôde nos fornecer algumas pistas para pensar o percurso de ação – embora saibamos que este se desvirtua e se indetermina constantemente.

Desta forma vale salientar que, por nos inserirmos um curso de formação docente, o movimento prática-teoria-prática (ALVES, 2003) foi perseguido a fim de tentar explicitar possibilidades outras de fazer com o cotidiano (CERTEAU, 2007) da e na escola básica, descortinando as produções de conhecimentos emergentes de (futuros) professores/as e crianças.

Neste sentido, pretendemos, por meio deste relatório-ensaio, trazer a baila alguns mo(vi)mentos vividos e experienciados com a turma de Ciências Naturais II ocorrido durante o segundo semestre de 2010 – explicitando as efervescências teórico-epistemológicas que contribuíram para traçarmos o caminho metodológico desta investigação-ação – mas sobretudo nossa participação na turma e sua complexidade emergente e (trans)formadora que nos atravessaram sem o findar do tempo (LARROSA, 2002), ou seja, a partir da experiência da disciplina mas sem o fim na mesma.

Contudo, o nosso trabalho esbarra em estudos com o cotidiano, no qual mudanças existem e ocorrem a todo momento, porque, como Certeau (2007) afirma, a realidade é gazeteira, e o dia-a-dia é constituído de permanências mas também transformações – ele se move, movediço e desobediente que é… São sempre possíveis outros caminhos, novas rotas a trilhar e maneiras outras de enxergar a ensino e aprendizagem em ciências, os espaços dedicados a ele e as relações aí estabelecidas. Por isso, faz-se mister complexificar nossas percepções acerca do vivido e experienciado na turma, questionando(-nos):que modelo de ciências defendemos? Por quê? Para que? Como o trabalho se estruturou? Como agimos? Aonde chegamos? Conseguimos alcançar (supostos) resultados?

Esses questionamentos revelam nosso inacabamento, a assunção de um aprendizado contínuo; por isso, nos motivamos a investigar de que forma a escola e a própria formação continuada de professor, hegemonicamente, ao não garantir relações de ensino (SMOLKA, 2008) em ciências – nas quais os professores assumem a mediação do processo de aprendizagem e ensino potencializando os saberes e ampliando os ainda-não-saberes (ESTEBAN, 2008) dos estudantes – acaba imprimindo aos professores a missão de ensinar por ensinar (sem contextualizar?), resquício de uma história pedagógica calcada nas missões religiosas (PEREZ, 2004).

Logo, transpassados por esses questionamentos, colocamo-nos a refletir acerca do ensino de ciências, práticas docentes e formação de professores, isto é, sobre diferentes perspectivas pedagógicas que possibilitam os múltiplos trabalhos palpáveis a essas ações – e, certamente, sem esquecer as crianças, também sujeitos de todo o processo e as quais devem ter suas vozes garantidas e amplificadas pelo/a professor/a, fazendo desta e nesta relação surgir momentos dialógicos, mediáticos e de múltiplas interlocuções.

Partindo dessas inquietudes preliminares – mas indiciárias – sobre que ciências atravessam as formações docentes da Universidade, pusemo-nos a refletir acerca de metodologias adotadas para o ensino de ciências e a quem se destina esses “modelos” – ou seja, que sujeitos pretendemos formar? Mais importante: que pedagogos estão sendo formados? E como isso se processa?

Tanto a Universidade quanto a Escola Básica tem nos fornecido pistas para pensarmos essas questões, na medida em que a inserção nesses espaços é pensada, por nós, a partir de um olhar sensível que estabeleça a sala de aula como ambiente produtor de conhecimentos – e não um mero lugar de reproduções e experimentos indigestos. Aliás, além da produção de conhecimentos, lutamos para que haja apropriação e, consequentemente, compartilhamento destes entre os pares.

Acreditamos que o conceito de experiência trazido por Larossa (2002) nos ajuda a compreender o contexto no qual se insere a formação do pedagogo que perseguimos: crítica e reflexiva. “Um processo autopoiético de criação de si e do mundo que não se efetiva sem o risco constante de “experiência de crise”, o que significa correr riscos, num processo (…)” (Rauter; Passos; Benevides de Barros, 2002).

Nesse sentido, nossas impressões como partícipes de uma disciplina de Ciências Naturais, esbarraram-se com desafios tracejados em nosso caminhar, os quais nos fizeram complexificar o ensino de ciências para e com pedagogos. Nesse processo, surgiu a proposta de fazermos um livro didático que pudesse ampliar os modos de saber/fazer docente, fazendo-nos desconfiar das tentativas homogeneizantes que engessam os conhecimentos em manuais descontextualizados e frágeis na conjuntura escolar.

Essa sugestão, apesar de ainda estar em andamento, anunciou possibilidades de entender e (in)compreender a ciência como um saber complexo, que suscite indagações, dúvidas e questionamentos. Esse pensamento corrobora a nossa utopia (que nos move!)de praticar uma ciência vivae que esteja em constante processo de mudança e evolução. Uma ciência que fuja à abstração e surja como concreta e possível nos cotidianos escolares, nas quais as negociações se travestem em ações diárias que ganham visibilidade e tentam romper com as regulações instituídas pela/na escola, explicitando a impossibilidade de se pensar em autoridade e capacidade em um mesmo plano de ideias (CERTEAU, 2007). Se somos seres inacabados, quem é capaz e/ou detêm o poder na sala de aula? E esse poder aparentemente detido, defronte aos acontecimentos efêmeros, não é – ou se torna – transitório?

Além disso, se determinado poder tornar-se compartilhado, abre-se licenças a novos conhecimentos, teorias e métodos que subvertem a lógica dicotomista de com os quais fomos expostas em nossa educação básica. Um modelo de verdade/mentira, certo/errado que nos trouxe algumas respostas, mas esqueceu-se de trazer perguntas e deixar rastros duvidosos que fomentassem a formação de um “espírito científico” (BACHELARD, 1996).

Fazer ebulir essa postura é, como nos diz Bachelard, romper com experiências antigas – que nunca tornam-se absolutizantes – e se acender ao novo. É perseguir a constituição de uma plurivalente luta por princípios dialetizados, que, por nos habitarem, precisam ser sensibilizados por nossas condutas, ações e intenções.

Por fim, acreditamos que as aulas podem se processar como acontecimentos, como nos expõe Geraldi (2004); em situações “em que se interrogue sobre o acontecido (…). De pensar o ensino não como aprendizagem do conhecido, mas como produção de conhecimentos, que podem resultar também de novas articulações entre conhecimentos disponíveis”(GERALDI, 2004, p. 20). As palavras desse autor nos ajudam a compreender que as ciências devem ser abrangidas como potenciais cotidianos de saberes e fazeres, contribuindo para que a relação entre professor/a e educandos seja mais dialógica e horizontal nas escolas, perseguindo a emancipação social dos sujeitos multissituados que nelas se inserem.

Referências Bibliográficas:

ALVES, N. Decifrando o pergaminho – o cotidiano das escolas nas lógicas das redes cotidianas. In: OLIVEIRA, I. B.; ALVES, N. (orgs.). Pesquisa no/do cotidiano das escolas – sobre redes de saberes. 2ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

CERTEAU, M. A Invenção do Cotidiano. 13ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

CONNELLY, F. Michael & CLANDININ, D. Jean.Relatos de Experiência e Investigación Narrativa. In: RODRÍGUEZ, Maria Luiza & LARROSA, Jorge (orgs). Déjame que te cuente – ensayos sobre narrativa y educación. Barcelona, Espanha. Editorial Laertes, 1995.

ESTEBAN, M. T. Diferenças na sala de aula: desafios e possibilidades para a aprendizagem. In. GARCIA, R. G; ZACCUR, E. (orgs.) Alfabetização – reflexões sobre saberes docentes e saberes discentes. São Paulo: Cortez, 2008.

GERALDI, W. A aula como acontecimento. Universidade de Aveiro, Portugal: Tipave, indústrias gráficas de Aveiro Lda, 2004.

LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação. São Paulo, n 19, p.20-28, Jan/Fev/Mar/Abr 2002.

PEREZ, C. L. V. Leituras do mundo/ leituras do espaço: um diálogo entre Paulo Freire e Milton Santos. In: GARCIA, R. L. (org.). Novos olhares sobre alfabetização. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2004.

SANTOS, B.S. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. In: Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as Ciências (revisitado). São Paulo: Cortez, 2008.

SKLIAR, C. Pedagogia (improvável) da diferença: e se o outro não estivesse aí? Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

SMOLKA, A. L. B. A criança na fase inicial da escrita: A alfabetização como processo discursivo. 12ª ed. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Universidade Estadual de Campinas, 2008.

[*]Graduado em Pedagogia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e pesquisador (bolsista de iniciação científica) do grupo GPPF (Grupo de Pesquisa Práticas Educativas e Formação de Professores), que está atrelado ao Núcleo de Estudos e Pesquisas: Práticas Educativas e Cotidiano (NEPPEC), o qual é vinculado ao Departamento de Didática da Unirio. Integrante da Rede de Formação Docente (FORMAD).

* Biólogo, mestre em Ecologia Social e doutor em Educação, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro(UNIRIO).

[i]No percurso do semestre, nomeamos os diferentes temas abordados como hólons, fazendo alusão à palavra cunhada por Arthur Koestler, jornalista hungariano, o qual entendia o hólon como um sistema (ou fenômeno), que é uma evolução e auto-organizaçãode estruturas dissipativas, composto por outros hólons, cujas estruturas existem em um ponto de equilíbrio entreo caos e a ordem. Uma vez que um hólon é incorporado em todos maiores, é influenciado e influencia estes conjuntos maiores – e desde que um hólon também contém subsistemas, ou partes, é igualmente influenciado e influencia essas partes, em uma perspectiva rizomática de saberfazercompreender.

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