Crônicas Gilda E. Kluppel Gilda E. Kluppel

Salvem as palavras!

Salvem as palavras!

Gilda E. Kluppel

“…Ao longo da muralha que habitamos

há palavras de vida há palavras de morte

há palavras imensas, que esperam por nós

e outras, frágeis, que deixaram de esperar…”

Mário Cesariny

Gilda E. Kluppel é professora de Matemática do ensino médio em Curitiba/PR, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

Quem lê os clássicos da literatura brasileira se depara com palavras que caíram em desuso, impregnadas com cheiro de sebo. Palavras que parecem perder o vigor, incapazes de transmitir sensações; quase nunca mencionadas, mudas e moribundas, à beira da extinção. Mas, o que acontece com as palavras não usadas? Apenas adormecem ou ficam enterradas no dicionário sem direito ao renascimento?

A internet é uma das principais responsáveis por grande parte dos neologismos. A última edição do famoso Dicionário Aurélio introduziu novos verbetes da era digital, tais como tablets, e-book e fotolog. A língua portuguesa adquiriu os verbos tuitar e blogar, acrescidas daquelas expressões correntes entre as pessoas, mas ainda sem espaço nos livros: botox, balada, nerd, spam, test drive, bullying, entre outras. Numa luta desigual, as palavras antigas, diante de tanta novidade, caem fácil no esquecimento.

A Universidade de Oxford, no Reino Unido, lançou o site Save the Words que pede para que as pessoas “salvem as palavras” esquecidas da língua inglesa. Propõe que cada pessoa adote em seu vocabulário uma palavra abandonada. Quem quiser pode se cadastrar no site e receber uma palavra nova a cada dia, por e-mail ou via SMS e a sua definição, segundo o Dicionário de Oxford. Tenta recolocar em circulação as palavras não usadas, para que se tornem novamente frequentes em reuniões, envio de torpedos, conversas e coisas do gênero. Oportunizando às palavras abandonadas a luta por sua sobrevivência.

A modernidade exige objetividade e rapidez na comunicação, as palavras devem ser sucintas, nada mais insuportável que um discurso carregado por centenas de palavras para expressar uma simples ideia; no qual meia dúzia de palavras seriam suficientes. Esta é a objetividade procurada, muitas vezes confundida com redução de vocabulário. Certamente, quanto maior o estoque de palavras disponíveis mais fácil encontrar a palavra adequada para expressar nossos pensamentos, sem cometer excessos e redundâncias.

“Salvem as palavras”, simples e bela iniciativa aos amantes das palavras emboloradas pelo tempo. Uma forma de manter viva expressões que correm o risco de nunca mais serem pronunciadas.

A língua portuguesa propiciou a composição de grandes poemas de Fernando Pessoa, Camões, Cecília e Drummond, entre tantos autores portugueses e brasileiros, também merece esta iniciativa. Um poderoso instrumento para enriquecer e preservar um legado edificado ao longo dos séculos. Possibilitando às novas gerações mais facilidades para compreender o amplo vocabulário dos poetas e escritores clássicos.

Expressões ouvidas no tempo dos nossos avós, agora teriam espaço em conversas, entre as pessoas entusiastas por este tema; sem aquele temor de parecer ultrapassado ou incompreendido. Dessa forma, podemos até falar em mágoas que feneciam (terminam), passar horas pândegas (alegres); sem muito alarido (gritaria) e afastar o taciturno (tristeza) ao pronunciar algumas palavras avitas (vindas de nossos antepassados).

Concluindo os últimos versos do poema “Ao longo da muralha” de Mário Cesariny:

“…Entre nós e as palavras, os emparedados               E entre nós e as palavras, o nosso dever falar.”

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