Crônicas Gilda E. Kluppel Gilda E. Kluppel

O portão eletrônico

O portão eletrônico

Gilda E. Kluppel

 

Gilda E. Kluppel é professora de Matemática do ensino médio em Curitiba/PR, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

Entre as muitas comodidades obtidas pela evolução tecnológica está o portão eletrônico, este nos protege da chuva, do frio e de outros intempéries, mas sobretudo é instalado pela questão da segurança. O portão eletrônico acarreta alguns inconvenientes, as pessoas entram e saem de suas casas em carros com vidros escurecidos, sequer visualizam os moradores ao lado.

Principalmente para quem reside em casa, o portão eletrônico impediu aquelas tradicionais paradinhas para descer do automóvel e conversar com o vizinho. Em nome do conforto, da segurança e da privacidade, erguemos verdadeiras muralhas em torno de nós e de nossas residências. E o pior dessa situação é que estamos nos acostumando com o distanciamento. Cada vez mais fechados em casulos e sem tempo para “desperdiçar”, necessitamos do controle absoluto sobre as horas do relógio, aproveitando ao máximo as comodidades oferecidas.

A correria do cotidiano não admite a perda de tempo, aqueles poucos minutos que se dispunha, quando não existia o portão eletrônico, possibilitava “jogar conversa fora”. Mas, será que estávamos mesmo gastando saliva à toa? Essas conversas descontraídas e desinteressadas não propiciavam uma oportuna e feliz fuga do habitual? Neste intervalo de tempo, agora indisponível, quantas amizades não iniciadas, namoros perdidos, discussões políticas acaloradas não realizadas em véspera de eleição e tantos desabafos contidos. Imagine a preciosidade desses momentos de descontração e quantas sessões de terapia poderiam ser dispensadas. Contudo, parece que as pessoas não encontram mais um resto de tempo para descontrair e sair do traçado determinado.

Esses instantes não aproveitados, ao evitar por receio certas situações, diminuem a ocorrência dos imprevistos. Os imprevistos não são mais bem-vindos, a programação do dia está tomada por afazeres e com tempo cronometrado para executa-los.

Por motivo de segurança recomenda-se não conversar em frente aos portões, antes o perigo nos rondava apenas à noite, mas agora hipoteticamente existe em qualquer hora do dia. Diante da suposta descomunal insegurança, as pessoas que passam pela rua merecem apenas um olhar suspeito. Caso alguém se aproxime e faça um simples pedido de informação é motivo suficiente para gerar apreensão, pode ser pretexto para alguma ação perigosa…

Esta insegurança e o medo afetam cada vez mais as relações entre as pessoas, ao se tornarem menos amistosas e mais individualistas. A paranoia urbana nos atinge em cheio e pega em nosso ponto mais fraco: necessitamos da convivência, não conseguimos viver bem sem a companhia do outro.

Não significa dizer que não devemos usufruir dessas comodidades, mas tudo o que beira ao exagero interfere em nosso bem-estar. E como ninguém ainda é capaz de viver em segurança absoluta nas cidades, tanto as grandes como as de menor porte, temer pela possibilidade de imprevistos no meio do caminho pode acarretar a perda de surpreendentes e belos momentos.

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