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Docência com/sem decência: experimentando o ser-professor na escola pública

DOCÊNCIA COM/SEM DECÊNCIA: EXPERIMENTANDO O SER-PROFESSOR NA ESCOLA PÚBLICA

¹ Otávio Martins Cruz

Após um ano de docência na disciplina de ciências físicas e biológicas em duas escolas públicas do município de Pelotas/RS, Brasil, vejo-me obrigado a relatar o quão desafiador mostrou-se o trabalho docente. Acredito que o fazer-se professor é um caminho trilhado desde a formação inicial nos cursos de licenciatura, ou mesmo antes, até a prática efetiva em sala de aula e na escola, sendo que neste caminho não há esgotamento em se tratando de formação. Penso que os cursos de licenciatura no Brasil estão alheios às práticas pedagógicas exercidas atualmente, principalmente nas escolas públicas. Afirmo isto me baseando nas experiências que tive neste período de um ano como professor na escola básica. Em ambas as escolas em que pratiquei a docência, apesar de encontrarem-se em regiões geográficas distintas na cidade de Pelotas/RS, os docentes das diversas disciplinas enquadradas no ensino fundamental mostraram-se cansados, desiludidos, sem amor, sem tesão, sem entusiasmo e tristes, principalmente tristes.

Não enxergam mais os alunos como velas que devem ser acesas com o fogo do conhecimento, pelas relações sociais e acima de tudo pelos seus próprios sonhos. A escola está acabada. A instituição escolar está em desacordo com o que a sociedade da tecnologia deste século XXI vem buscando, ainda que o que ela procura vai ao encontro das leis do mercado, do consumo e da busca infinda de sentimentos, objetos, amuletos, bens materiais que na verdade revelam o quão egoísta estão se tornando as pessoas que em outro momento ainda se entusiasmavam ao tremular bandeiras partidárias, ao manifestar em atos públicos o seu descontentamento com a forma como o poder estatal impunha maneiras de viver, com os impostos abusivos e com a falta de ética na política. O que se percebe hoje, na escola e fora dela, são jovens perdidos que se entregam as primeiras oportunidades, geralmente vazias em se tratando de capital cultural, afim de ganharem algum trocado para aproveitarem a vida, segundo eles.

A escola que sonhei ser professor/educador não existe. Quanta decepção. Ainda assim, percebo que há no saber fazer docente de inúmeros colegas um “micróbio” que aos poucos está “contaminando” a forma de pensar, de agir e de ser professor. Estamos acumulando revolta contra o poder público que não favorece, não estimula, não trata como prioridade a educação em Pelotas e em nenhuma outra cidade do País. Esse sentimento de insatisfação, tem-nos feito debater, criticar, corrigir as falhas que estão ao nosso alcance, mas ao mesmo tempo sentimo-nos incapazes de mudar a forma como a educação está estruturada em nossa sociedade. Enquanto não ousarmos revolucionar a escola, fazer dela um quadro branco esperando criação, tensão, sentimento, coletividade, amorosidade, generosidade, respeito entre tantas outras ações, permaneceremos neste marasmo em que se tornou a educação pública (e porque não a privada?) no Brasil.

Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia/UFPel. Atualmente é doutorando em Ciências (Bioquímica) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atua nas áreas de biologia celular e molecular de tumores in vitro.

 

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