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Ensino de Artes Visuais

Daniela da Cruz Schneider[1]

Resumo: Este ensaio tem por finalidade desdobrar os conceitos de experiência e saber de experiência, buscando suas ressonâncias sobre o Ensino de Artes Visuais. Assim, propõem-se a discutir um saber de experiência para o Ensino de Arte. Tais conceitos são elaborados por Jorge Larrosa. O texto divide-se em duas partes: a primeira parte busca problematizar a caracterização instrumental do conhecimento da arte proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais da área de arte; a segunda, procura desdobrar os conceitos de experiência e saber de experiência, a partir de Jorge Larrosa.

Palavras-chave: Ensino de Artes Visuais; Currículo; Experiência; Saber de Experiência

Abstract: This essay aims to unfold the concepts of experience and knowledge of experience, seeking its resonances on the Teaching of Visual Arts. Thus, we propose to discuss an experience of knowing for Teaching Art. These concepts are elaborated by Jorge Larrosa. The text is divided into two parts: the first part seeks to question the characterization of instrumental knowledge of art proposed by the National Curriculum art area, the second seeks to unfold the concepts of experience and knowledge gained from experience, from Jorge Larrosa.

Key-words: Teaching of Visual Arts; Curriculum; Experience; Knowing experience

Apontando problematizações

A disciplina de Ensino de Arte, sob suas diferentes linguagens – Dança, Teatro, Música e Artes Visuais – foi oficializada e tornada obrigatória no currículo escolar a partir da Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/96. Esta Lei pretendeu regulamentar uma série de mudanças no campo das políticas públicas, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Neste contexto, foi realizada uma reforma curricular nacional, que deveria assegurar a qualidade da educação, por meio do estabelecimento de um parâmetro mínimo para disciplina escolar, o que culminou na publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), incluindo a área de Arte.

Assim, com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais a área de Arte, em suas diferentes linguagens, passa a ter objetivos específicos, critérios para avaliação e seleção de conteúdos, bem como finalidades correlativas ao campo educacional explicitadas pelo documento. Tudo isso garantiu à área de Arte uma equiparação às outras disciplinas escolares – pelo menos expressas pelo currículo nacional, ainda que tenha levado algum tempo, se é que de fato ocorreu, para que esta equiparação funcionasse na prática.

A Arte, tal como foi caracterizada pelos PCNs, tem seu conhecimento específico dividido em três dimensões: o fazer artístico, a apreciação significativa e a contextualização histórica – que coincidem com as proposições da Metodologia Triangular. Esta tripartição do conhecimento da Arte está expressa no documento da seguinte forma:

  • a experiência de fazer formas artísticas e tudo que entra em jogo nessa ação criadora: recursos pessoais, habilidades, pesquisa de materiais e técnicas, a relação entre perceber, imaginar e realizar um trabalho de arte;
  • a experiência de fruir formas artísticas, utilizando informações e qualidades perceptivas e imaginativas para estabelecer um contato, uma conversa em que as formas signifiquem coisas diferentes para cada pessoa;
  • a experiência de refletir sobre a arte como objeto de conhecimento, onde importam dados sobre a cultura em que o trabalho artístico foi realizado, a história da arte e os elementos e princípios formais que constituem a produção artística, tanto de artistas quanto dos próprios alunos. (BRASIL, 1997, p. 43-44)

Para fins de rápida contextualização, é preciso dizer que a Metodologia Triangular consiste em uma abordagem pedagógica para trabalhar com a Arte, desenvolvida por Ana Mae Barbosa. A metodologia foi perspectivada pelo DBAE (Disciplined Based Art Education), concebida nos Estados Unidos e na Inglaterra na década de 1960 (BIASOLI, 2007). Os quatro pilares ou as quatro disciplinas que compreendem o DBAE são a produção, a crítica, a estética e a história da arte. No Brasil, a abordagem foi deslocada e recebeu uma nova configuração, baseando-se em três disciplinas: o fazer artístico, a fruição (leitura de imagem) e a contextualização (história da arte).

Assim como os ingleses e norte-americanos, os pesquisadores e Arte-Educadores brasileiros buscavam uma metodologia que pudesse dizer de um conhecimento da arte. Enquanto se organizavam e lutavam pela obrigatoriedade e oficialização da disciplina, foi a partir desta metodologia que os Arte-Educadores empreenderam seus esforços para uma caracterização da área, a ser incorporada pelo documento oficial. Sem nomeá-la claramente, o documento diz que o ensino de arte “tem por premissa básica a integração do fazer artístico, a apreciação da obra de arte e sua contextualização histórica” (BRASIL, 1997, p. 31). E, ainda, que o campo artístico no âmbito escolar deve ser investigado como atividade humana, delimitando o fenômeno artístico “como produto das culturas, como parte da história e como estrutura formal na qual podem ser identificados os elementos que compõem os trabalhos artísticos e os princípios que regem sua combinação” (BRASIL, 1997, p. 43).

Tendo a Arte sido pedagogizada, foi preciso conjecturar conhecimentos organizados que lhe dissesse respeito. Instituí-se então, através dos PCNs – Arte, uma triangulação desse conhecimento da arte. Eles contemplam um fazer artístico, ou seja, objetivam a capacidade de produção de produto artístico, bem como domínio de técnicas que permitam sua elaboração; uma retenção de informações que possibilite ao aluno contextualizar as produções artísticas e compreendê-las dentro de um quadro histórico; e, por fim, uma apreciação significativa das obras de arte, o que seria uma soma do processo de contextualização mais uma decodificação. Acerca da apreciação significativa, ela é expressa da seguinte forma pelos Parâmetros Curriculares Nacionais – Arte:

  • Identificação dos significados expressivos e comunicativos das formas visuais;
  • Contato sensível, reconhecimento e análise de formas visuais presentes na natureza e nas diversas culturas;
  • Reconhecimento e experimentação de leituras dos elementos básicos da linguagem visual, em suas articulações nas imagens apresentadas pelas diferentes culturas (relações entre ponto, linha, plano, cor, textura, forma, volume, luz, ritmo, movimento, equilíbrio).
  • Contato sensível, reconhecimento, observação e experimentação de leituras das formas visuais em diversos meios de comunicação da imagem: fotografia, cartaz, televisão, vídeo, histórias em quadrinhos, telas de computador, publicações, publicidade, desenho industrial, desenho animado;
  • Identificação e reconhecimento de algumas técnicas de procedimentos artísticos presentes nas obras visuais; (BRASIL, 1997, p. 64-65)

Com isso, infere-se que o Ensino de Arte, à luz dos PCNs, passa a ter uma finalidade especifica: formar um sujeito decodificador e “contextualizador” de imagens da cultura visual. Percebe-se, ao analisar as proposições feitas pelo documento, um caráter instrumental na relação com a Arte: a escola deve instrumentar os alunos e as alunas na e para as experimentações com o território das visualidades.

Identificar. Reconhecer. Observar. Palavras que antecedem ou sucedem o contato sensível e/ou a experimentação. A experiência pedagógica com a arte, assim, centra-se na aquisição de conhecimentos-verdade, a imagem passa a ser uma imagem-representação, uma imagem-verdade, que deve ser decodificada, destrinchada. Ela torna-se um bloco de informações, que serão transmitidas e adquiridas – identificadas, reconhecidas e observadas. A dimensão sensível, da afecção, da sensação da imagem fica subordinada a um processo de objetivação, pura instrumentalização.

Segundo Marly Meira (2003), esta dimensão instrumental do Ensino de Artes Visuais chega ao Brasil via metodologia DBAE (Disciplinas Básicas para Arte na Educação): “onde a estética e a subjetividade são reduzidas ao que é verbalizável ou experimentável segundo programas formalistas” (MEIRA, 2003, p.27). Mais adiante, continua sustentando sua postura, dizendo que:

Não podemos considerar a imagem como um objeto, nem como um espaço a ser descrito, analisado, julgado, fundado (…). A linguagem reduz a imagem a um objeto, e o olho a um sujeito. As análises da imagem prendem-se a seu percepcionismo e recognição, ao conteúdo da imagem, ao que se metaforiza sobre a sua forma. O geometral feito pela linguagem converte a imagem num signo-ideativo. (MEIRA, 2003, p. 39)

Jorge Larrosa (2010) tratando da experiência com a leitura, mais especificamente em relação à apreensão dos códigos como necessários para a realização da leitura, defende que a aquisição dos códigos é necessária, visto que sem eles não haveria possibilidade de leitura/decodificação do texto literário. No entanto, reivindica a dimensão sensível da experiência com a leitura, defendendo que essa experiência não coincide com decifrar códigos. Faz uma crítica à pedagogia, dizendo que ela está limitada a transmissão dos códigos, limita-se a instrumentalização.

Se só é experiência aquilo que nos passa e que nos forma ou nos transforma, a experiência que fazemos ao ler um texto é diferente de decifrar seu código. E isso, entre outras coisas, porque cada experiência de leitura também suspende e faz explodir o código ao qual o texto pertence. Por isso, e em relação ao código, a leitura não é atar um texto a um código exterior a ele, senão suspender a segurança de todo o código, levá-lo ao limite de si mesmo, e permitir sua transgressão. (LARROSA, 2010, p. 145)

Deslocando essa discussão para a experiência com as Artes Visuais, com as imagens da arte, a crítica feita por Larrosa assume a mesma tonalidade. Nas palavras de Meira:

O percepcionismo que ainda impera na análise da imagem é fruto da mentalidade racionalista cartesiana, da qual se procura sair mediante pesquisas estruturalistas e pós-estruturalistas, onde a visibilidade aparece não mais como experiência estético-percepcional, mas evento que revela o diálogo entre o sujeito e a subjetividade politicamente determinada pela cultura e pelos poderes dominantes da sociedade. (MEIRA, 2003, p. 39)

No que concerne ao fazer artístico, tal como está empreendido pela Metodologia Triangular, Marly Meira também traça uma crítica, na esteira do que Larrosa propõe como experiência com a leitura, deslocando essa percepção para a experiência com a arte: “o fazer excede o poder do código, das normas de sintaxe de formas, porque essa operação está dentro dele mesmo, do que se vai plasmando na relação do materiais e imateriais envolvidos” (MEIRA, 2003, p. 43).

Um saber de experiência no e para o Ensino de Artes Visuais

Para o filósofo francês Gilles Deleuze (1999) a arte não é informação[2]. Ela nada teria que ver com comunicação e informação, se as consideramos, assim, como Deleuze, como palavras de ordem, emitidas com a finalidade de regular comportamentos, orientar para finalidades previstas. Deleuze defende que a arte não é da ordem das intenções, mas das intensões: é um campo de intensidades. Ela atinge o sistema nervoso diretamente, dando-se através do campo das sensações e do sensível.

O pensamento de Deleuze, com base nessas premissas, encontra-se com o de Jorge Larrosa neste ensaio, no que tange o conhecimento da arte. o que defendo aqui é uma valorização da potência sensível do campo da arte, buscando tal potencialização na concepção de saber de experiência.

Se assumimos o que defende Deleuze, que a arte não é informação; se consideramos o que diz Larrosa, que o excesso de informação é uma anti-experiência, então jogamos a arte para o campo das experiências, a arte como possibilitadora de experiências. Isso é possível quando apartamos a experiência com a arte do campo informacional, quando pensamos na arte não só – mas também, cabe ressaltar – do conjunto de informações que a cercam. O que procuro defender associando arte com um saber de experiência é a valorização deste contato sensível, da exposição aos afectos da obra, deixar-se atingir o sistema nervoso, sem a mediação da intelecção.

Como já exposto, os esforços dos Parâmetros Curriculares da área de Artes Visuais propõe um valorização do conhecimento intelectivo, da lógica informacional. A partir dessa perspectiva, a experiência com a arte passa para o campo da instrumentação, em que as visualidades da arte tornam-se um conjunto de informações a serem decodificados. Uma espécie de verdade que precisa ser destrinchada via racionalidade.

É preciso ainda conceituar o conceito de experiência. Não se trata de experiência no sentido de um experimento, no qual se testa algo a fim de se chegar a um resultado previamente estabelecido. Também não se trata da experiência transcorrida de uma vida, um conjunto de conhecimentos que foram adquiridos através do trabalho, do estudo, da vivência como contingência.

A experiência, tal como trata esse ensaio, está matizada pelo pensamento de Jorge Larrosa. Segundo o filósofo a experiência é aquilo que nos passa, que nos acontece. Não aquilo que passa ou acontece de uma forma generalizada, mas aquilo que nos acontece, que nos toca, de forma singular e particularizada. E um saber de experiência está ligado e esta singularização do acontecimento (LARROSA, 2006). Adquirindo uma qualidade existencial, nas palavras do próprio Larrosa. A experiência não é aquilo que acontece simplesmente, mas aquilo que acontece a alguém e opera uma transformação neste alguém.

Larrosa (2002) defende que parece estar tudo organizado para que nada nos aconteça, nada nos passe. E isso inclui a escola, com sua lógica de transmissão e aquisição de conhecimentos, calcada em um princípio de que o conhecimento e, portanto, aquilo que conhecemos pode ser medido e, logo, avaliado: “a cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que passa está organizado para que nada nos aconteça” (LARROSA, 2002, p. 21).

São quatro os motivos apontados por Larrosa como os desarticulares da experiência: o excesso de informação, o excesso de opinião, a falta de tempo e o excesso de trabalho. Os dois últimos estão ligados diretamente a um modo de vida capitalista, na qual tempo converte-se em dinheiro; e o trabalho está associado à ascensão social. Gostaria de centrar-me nos dois primeiros motivos o excesso de informação e de opinião.

Larrosa coloca a informação como uma quase anti-experiência. Diz ele que a experiência não é informação. Os sujeitos de informação buscam incessantemente pela informação. É preciso estar cada vez mais informado, em um processo de atualização quase constante: “o que gostaria de dizer sobre o saber de experiência é que é necessário separá-lo de saber coisas, tal como se sabe quando se tem informação sobre as coisas, quando se está informado” (LARROSA, 2002, p. 22).

Daniel Lins (2005) utiliza uma expressão que muito me agrada para a discussão deste texto: o saber-sabor. É preciso saborear aquilo que se conhece, degustar. E, para isso, é preciso tempo.

O acontecimento nos é dado na forma de choque, do estímulo, da sensação pura, na forma da vivência instantânea, pontual e fragmentada. A velocidade com que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo moderno, impedem a conexão significativa entre acontecimentos. (LARROSA, 2002, p.23)

Nietzsche (2009) também utiliza uma expressão que me apraz: ruminar. É preciso fazer voltar à boca, sentir novamente algum sabor – por mais inconveniente que este sabor do saber ruminado possa trazer. Extrair mais uma vez alguma coisa que antes não havia sido absorvida. Mas para ruminar, também é preciso tempo. E este é outro empecilho para a experiência, como já foi apontado, a falta de tempo.

Os saberes como sabores não mudam a realidade finita dos homens e, tampouco, a angústia vinculada à morte. A realidade continua sendo o que ela é, mas o olhar que se tem sobre ela transforma não a força das coisas nos seus paradoxos e incertezas, mas atribui ao “incompreensível”, sob o olhar ético e estético, para além do bem e do mal, uma realidade artística, criadora, isenta do imaginário divino, do juízo, da verdade, da punição e do castigo. (LINS, 2005, p. 1230)

 

O excesso de opinião também está associado à desarticulação da experiência. É preciso informar-se e depois opinar sobre aquilo que se informa:

E quando a informação e opinião se sacralizam, quando ocupam todo o espaço do acontecer, então o sujeito individual não é outra coisa que o suporte informado da opinião individual, e o sujeito coletivo, esse que teria de fazer a história segundo os velhos marxistas, não é outra coisa que o suporte informado da opinião pública. (LARROSA, 2002, p. 22)

Informação e opinião formam um par objetivo-subjetivo. A informação se estabelece como o objetivo, aquilo que é apreensível e passível de verificação. Já a opinião está voltada, supostamente para o subjetivo. No entanto, Larrosa defende que esta reação subjetiva tornou-se em nós algo automático, como um disparador: estando informados, nós opinamos automaticamente.

E o Ensino de Artes Visuais? É neste ponto da discussão que acredito encontrar os argumentos que sustentam a hipótese de uma despotencialização do sensível, em detrimento de uma instrumentalização nas experimentações com as imagens. Pois, como vim tentando demonstrar, o Ensino de Artes Visuais proposto pelos PCNs considera a dupla informação-opinião, que triangula o conhecimento da arte no fazer artístico, na leitura de imagem e na contextualização.

Cabe dizer que tanto o fazer artístico, como as leituras de imagens não se restringem a meras opiniões, expressas segundo suas especificidades. Para que elas sejam realizadas é preciso a apreensão de um certo número de técnicas e mesmo roteiros. No entanto, elas acabam centrando-se neste lado subjetivo da dupla expressa anteriormente: é preciso informar-se e depois opinar. É preciso obter um conjunto de informações sobre determinada obra e/ou imagem, para que o subjetivo possa operar. As imagens, assim, são decodificas, para em seguida passarem à verbalização.

Em outro texto, Larrosa (2010) trata do silêncio e da nossa falta de direito ao silêncio. O sistema de ensino está organizado para que tudo possa ser legível e verbalizado. A linguagem ocupa um lugar central na educação, pois é a partir dela que damos sentido ao mundo. O sentido apreendido é preciso ser verbalizado, para que possa ser regulado.

Anulação do silêncio é também um efeito do poder. O poder não funciona apenas intimidando e fazendo calar. A presença do poder não se mostra apenas no silêncio submetido que ele produz. O poder está também nesse burburinho que não nos deixa respirar. E, muitas vezes, até mesmo na maioria das vezes, o poder está em todas essas incitações que nos fazem falar. Mas que nos exigem falar como está ordenado, segundo critérios de legitimidade. (LARROSA, 2010, p.48)

Não se trata, então, de simplesmente incitar à fala, à verbalização daquilo que nos passa, que nos acontece, mas seguir um roteiro que organiza e legitima esta fala. A tripartição do conhecimento, expressa pelos Parâmetros Curriculares Nacionais – Arte, intenta uma legitimação e ordenação da experiência com o território visual por meio de um plano, de passos a serem seguidos, coordenados por uma determinada visão do que seria arte e de quais seriam as especificidades de seus conhecimentos.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (LARROSA, 2002, p.24)

Para Marcos Villela Pereira (2011) para haver experiência estética é preciso haver uma atitude estética. E esta atitude estética pode ser entendida como uma abertura do sujeito. Uma abertura para a experiência, uma configuração na percepção. Esta concepção de atitude estática está relacionada àquilo que Larrosa nomeia como sujeito de experiência. O sujeito de experiência está aberto aos acontecimentos.

É certo que um acontecimento, uma experiência estética não pode ser previsível, tampouco premeditada. A experiência tem esta dimensão imprevisível. E isso pode ser dito também para a experiência estética. Se fosse possível prever quando certos acontecimentos irão desembocar em experiências, isso seria tranquilamente manipulável, o que possibilitaria incorrer na lógica de transmissão e aquisição. E, com isso, recaindo aos modelos informacionais de educação. Um sujeito de experiência não é um sujeito de informação:

Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se “ex-põe”. É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre. (LARROSA, 2002, p.25)

Sendo a experiência estética algo que não pode ser controlado e/ou manipulado, uma educação que privilegie a experiência estética deve se colocar como possibilitadora, provocadora… agenciadora de encontros com a arte e com a experiência sensível com a arte. E se a informação é uma anti-experiência, nas palavras do próprio Larrosa, então estes encontros devem ultrapassar a lógica da transmissão-aquisição, atingindo outra dimensão, indo além em experimentação. Mas para que isso ocorra, é preciso que o docente assuma uma atitude estética, que ele mesmo se verta em um sujeito de experiência: aberto e sensível ao campo da arte no território escolar.

Conclusão

O que apresento aqui é apenas um esboço de discussão. É preciso discutir com cautela e certa suavidade tudo aquilo que diz respeito ao Ensino de Arte. Essa disciplina passou por um longo processo de luta até sua oficialização. Não foi objetivo deste texto fragilizar uma ainda mais uma área do conhecimento que ainda procura se consolidar. Mas, apenas buscou-se problematizar a caracterização que o conhecimento da arte assume após a oficialização, defendo a concepção de um saber que experiência, que permita à potência sensível da arte emergir, frente a um projeto de racionalização da educação.

Referências

BIASOLI, Carmen Abadie.  A formação do professor de artes – do ensaio à encenação. Campinas, SP: Papirus, 2007.

 

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Ensino de quinta a oitava séries. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC /SEF, 1997.

DELEUZE, Gilles. O ato de Criação. IN: Folha de São Paulo, Caderno Mais!, 27 de junho de 1999.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.

LARROSA, Jorge Bondía. Sobre la experiencia. Aloma: Revista de Psicologia, Ciències de L’Educació i de L’Esport. Blanquerna, n.19, 2006.

LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev. Bras. Educ. n. 19 [online]. 2002.

LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças piruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica. 2010.

LINS, Daniel. Mangue’s School ou por uma pedagogia rizomática. Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 93, 2005.

MEIRA, Marly. Filosofia da criação: reflexões sobre o sensível. Porto Alegre: Mediação, 2003.

NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

PEREIRA, Marcos Villela. Contribuições para entender a experiência estética. Revista Lusófona de Educação, n. 18, 201.

[1] Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pelotas. Especialista em Educação (UFPel) e graduada em Artes Visuais – Licenciatura (UFPel). Bolsista CAPES. E-mail: danic.schneider@gmail.com

[2] É preciso salientar que Deleuze considera a Arte, junto com a filosofia e a ciência, como um campo de produção de pensamento. O que a separa da outras duas é a matéria com a qual lida. Deleuze diz que o substrato da Arte são os agregados sensíveis. Para ela a Arte é território sensível, um bloco de sensações.  Ver: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

SCHNEIDER, D.C. Por um saber de experiência no Ensino de Artes Visuais. P@rtes (São Paulo), v. X, p. 01-13, 2013; Meio de divulgação: Digital. Homepage: http://www.partes.com.br/2013/02/05/ensino-de-artes-visuais/; Série: X; ISSN/ISBN: 16788419.

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