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Um “Modo De Ser”, Pela Vontade E Pelo Esclarecimento

João Henrique Bordin*

Resumo

João Henrique Bordin – Doutorando em Educação na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde também cursou Mestrado em Educação. Obteve licenciatura plena em Filosofia pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Atualmente é Técnico em Educação na UFPel. E-mail – jhbordin@hotmail.com

O objetivo deste artigo é apontar para a necessidade de disciplinar a vontade para buscar o esclarecimento. A pesquisa utiliza as obras do pedagogo ucraniano Anton Semionovitch Makarenko, que esclarece a diferença que há entre o “regime” como o conjunto de normas e regras que ajudam a educar e a “disciplina” como o resultado de todo o processo educativo. O estudo apresenta a coletividade como o meio capaz de criar as condições necessárias para que a “disciplina” seja entendida e compreendida como um “modo de ser” e onde é possível disciplinar a vontade.
Palavras-chave: Disciplina, Vontade, Esclarecimento, Coletividade.

Introdução
O homem, ser social, desde o raiar de sua existência nas pequenas comunidades tribais, sentiu a necessidade de estabelecer um modo de vida em que, o grupo como um todo, se sentisse orientado em sua conduta social. A educação, que até então apenas era passada de pai para filho, e este tinha como objetivo seguir o que recebera do pai e repassar para seu descendente, começa a ter a preocupação de avançar para a coletividade nascente, como uma forma de concretizar uma conduta válida para todos. Desde então a humanidade vem buscando o esclarecimento para atingir um maior grau de entendimento e até de felicidade na vida em sociedade. O objetivo deste artigo é justamente apontar para a necessidade de disciplinar a vontade para buscar o esclarecimento.
Uma das formas de tratar este tema, na história da educação, foi aquela dos chamados “educadores socialistas”, entre eles encontra-se Anton Semionivitch Makarenko (1888-1939) e sua maneira de colocar a diferença entre “regime” e “disciplina”. “[…] El régimen es um sistema determinado de recursos y métodos que ayudan a educar. La disciplina es, precisamente, el resultado de la educación” (MAKARENKO, s.d. p.49). Assim, neste trabalho, quero mostrar como o referido autor busca levar o indivíduo ao esclarecimento para constituir uma vida social melhor. O problema, neste viés de pensamento, indaga: é possível disciplinar a vontade para a busca do esclarecimento e da disciplina como o objetivo da educação? Como hipótese apresento que a vontade disciplinada conduz a formação de um “modo de ser”. A tese que defendo, a partir da interpretação da teoria e prática educacionais desenvolvidas por Makarenko e da referida hipótese, é que, para instaurar uma vida social melhor é preciso disciplinar a vontade.
Atualmente, o sistema capitalista, fomenta a ideia de que cada um alcança sua satisfação pessoal baseado no individualismo. As pessoas são medidas pela capacidade de produção e consumo a que se submetem enquanto ativas no sistema do capital. O “ser humano”, vai atrofiando sua existência devido à quase inexistente vida comunitária. A comunidade, ou coletividade, segundo Makarenko, é o meio, a forma capaz de criar as condições necessárias para que a “disciplina” seja entendida e compreendida como um “modo de ser” e onde é possível disciplinar a vontade. No Poema Pedagógico esta claro que a “[…] coletividade é um organismo vivo em crescimento perpétuo, composto de diversos indivíduos, todos interessantes à sua maneira” (MAKARENKO, 1980, v.1, p.8). Não é a soma de pessoas isoladas, a isto se chama multidão.
O “modo de ser”, aqui sustentado como uma forma de vida baseada na “disciplina”, entendida como o fim de todo o processo educativo, oferece a possibilidade da superação das desigualdades sociais. Não cabe em uma comunidade, constituída na forma makarenkiana, a existência de ricos e pobres, estudiosos e analfabetos, uns que mandam e outros obedecem… A “disciplina”, como o “modo de ser” “[…] é o rosto da coletividade, e a sua voz, é a sua beleza, o seu movimento, a sua expressão, a sua virtude convincente. Tudo o que existe na coletividade assume no fim de contas a forma da disciplina” (MAKARENKO, 1981, p.451). Uma comunidade, que tem a “disciplina” como seu rosto e suas virtudes, assume a voz, a beleza e o movimento na expressão de todos que a compõem e supõem a vontade disciplinada na busca do esclarecimento.

Disciplina, Vontade e Esclarecimento
A disciplina é conceituada e concebida, a partir de Makarenko, como o fim de todo o processo educativo e traduzida, neste artigo, no modo de ser em sociedade. O regime são as normas e regras que ajudam a educar. No entanto o entendimento da vontade ainda permanece na definição do livre arbítrio, portanto faculta a ação no seguimento de uma disciplina coletiva. Desse modo surge o questionamento a respeito do que é a vontade? O que tem a ver a vontade com a disciplina? A vontade disciplinada parece que tem a ver com regime, com regras a serem fielmente seguidas. Mas, é mais um acostumar a mente a conduzir o corpo, na vida coletiva, a na busca do seu objetivo, a disciplina como o modo de ser. A definição de vontade, como uma faculdade mental, parece fácil, num primeiro momento. No entanto, indo mais a fundo percebe-se suas conexões com todos os campos da psique humana e suas estreitas ligações com a realidade. Os filósofos, desde os Pré-Socráticos, Platão, Aristóteles, passando pela modernidade, até a contemporaneidade, demonstraram, e demonstram, interesse em desvendar seu mistério.

[Na filosofia clássica é definida de duas formas]: 1. como princípio racional da ação e 2. como princípio da ação em geral. É o apetite racional ou compatível com a razão, sustentado por Platão e Aristóteles e prevalece por toda a Idade Média […] (ABBAGNANO, 2007, p.1007).

Essa definição compilada pelo dicionário de Filosofia, desde Platão e Aristóteles, até a modernidade, deixa o pensamento um pouco difuso quanto a sua compreensão. Portanto, para um melhor entendimento pode-se resumir a noção de vontade, que aparece preponderantemente na história da filosofia, como ‘o princípio da ação racional de afirmar o que é verdadeiro e negar o que é falso, para escapar da obscuridade do impulso cego da irracionalidade e para criar o novo que ainda não existe’. O novo que ainda não existe é a disciplina como finalidade de todo o processo educativo e que a vontade disciplinada pode ajudar a concretizar. Como a sociedade atual é democrática e capitalista, liberal e não livre, é preciso disciplinar a vontade para a finalidade da igualdade social e da vida em liberdade. Vontade, na vida em liberdade, é o poder, que toda a pessoa tem, de executar determinada ação respaldada pela reflexão consciente. Esta reflexão conduzida pelo regime, que aos poucos se torna um costume interno, se expressa e se concretiza na coletividade. A vontade deve partir da compreensão consciente de que a sociedade é fruto do esforço interior de seus membros, como no dizer de Antônio Gramsci (1891-1937), e que estes necessitam interiorizar a disciplina, muito mais que o seguimento das regras externas do regime.

A coletividade deve ser entendida como produto de uma elaboração de vontade e pensamento coletivos, obtidos através do esforço individual concreto, e não como resultado de um processo fatal estranho aos indivíduos singulares: daí, portanto, a obrigação da disciplina interior, e não apenas daquela exterior e mecânica. (GRAMCSI, 2006, p.232)

O pensamento coletivo é elaborado a partir do esforço individual de buscar o esclarecimento do que é vida em coletividade. A força da vontade ajuda a conceber e concretiza a disciplina como o modo de ser. A liberdade pressupõe servir-se do entendimento para ajudar nas escolhas ou decisões. Para poder servir-se do entendimento tem que haver a predisposição para a busca, a coragem e a decisão de retomar suas próprias rédeas e perseguir o objetivo desejado, sem ser dirigido pelos outros. Makarenko, no artigo intitulado “Vontade, audácia e claridade de objetivo”, de 1939, afirma que a vitória é resultado de, “[…] nuestra poderosa voluntad, de nuestro incondicional espíritu de sacrificio, de nuestra tenaz consciente propensión al objetivo […]” (MAKARENKO, 1977, p.53). A vitória, vencer obstáculos, decorre de uma apaixonante educação da vontade no dia a dia da coletividade. O objetivo que a educação na coletividade perseguia, na época de Makarenko, era a disciplina. Esta, tida como fenômeno interno, exteriorizado no modo de ser, aguça a vontade na busca do esclarecimento e supera a incapacidade e o medo de se expor ao mundo. O incentivo a disciplinar a vontade é a forma de se obter o esclarecimento, Aufklärung, no dizer de Kant, e em contrapartida favorece tomar uma decisão e ter coragem de servir-se do entendimento.

Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dele não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento [Aufklärung] (KANT, 2005, p.63-64).

Kant partia do princípio de que a sociedade vivia um tempo de esclarecimento. Apenas faltava ao homem a decisão e coragem para fazer uso deste esclarecimento. Partia ele da exaltação da razão, numa fundamentação absoluta que a colocava nas alturas. Em nossa sociedade, e a bem da verdade também na época de Kant, o esclarecimento não está dado. A razão não é absoluta, mas um instrumento do pensamento para chegar à verdade. Há muito para ser desvendado e sempre haverá algo mais que precisa ser desvelado. A vontade é esta força capaz de alvoroçar a coragem para que a busca e o uso do esclarecimento, Aufklärung, seja uma constante. Tal busca põe em evidência a forma com que cada um conduz sua vida privada concatenada com a vida social. A sociedade atual se constitui do sistema capitalista e do regime democrático liberal. A democracia deve ser fomentada pela vontade coletiva de reconhecimento às individualidades. Theodor W. Adorno ajuda nesta compreensão e pressupõe, para evitar a irracionalidade, a coragem de servir-se do próprio entendimento.

[…] A democracia repousa na formação da vontade de cada um em particular, tal como ela se sintetiza na instituição das eleições representativas para evitar um resultado irracional é preciso pressupor a aptidão e a coragem de cada um se servir de seu próprio entendimento […] (ADORNO, 1995, p.169).

Servir-se do próprio entendimento pressupõe a coragem de valer-se da vontade para escapar da obscuridade da irracionalidade e desvendar o esclarecimento. Mais do que conceituar o termo vontade, entendida como o princípio de afirmar o verdadeiro e negar o falso, é tomá-la como uma alavanca capaz de tirar da inércia a mente das crianças, jovens e adultos, que extasiados com a tecnologia se tornam incapazes de buscar o esclarecimento e dele se valer para sair do estado de desigualdade social. Neste sentido, avista-se a necessidade de aplicar o regime na primeira instância da vontade nascente. Em seguida, quando a vontade já está concretizada na mente humana, entra a disciplina, compreendida como o objetivo a ser atingido. Disciplinar a vontade para superar obstáculos, não medir esforços para atingir um objetivo, manter a atenção fixa a um ideal é dar possibilidades para a formação da inteligência, é ter domínio de si diante do mundo, da natureza e da sociedade.
A vontade que busca o esclarecimento forma a consciência objetiva de interação social e de relação com a natureza e preserva a consciência de si, preocupação de uma educação que procura driblar as armadilhas ideológicas capitalistas. O capitalismo nos diz que precisamos ter a consciência de si, da situação individual de cada um. No entanto a consciência “é”, quer dizer, não se produz a partir de razões que justificam seu fim, mas, a partir do real, em sua forma mais simples e objetiva, alcança a percepção da totalidade como realmente é, ou deveria ser e permanece inalterada.
A educação já não diz respeito meramente à formação da consciência de si, ao aperfeiçoamento moral, à conscientização. É preciso escapar das armadilhas de um enfoque “subjetivista” da subjetividade na sociedade capitalista burguesa. A “consciência” já não seria apreendida como constituída no plano das representações, sejam ideias oriundas da percepção ou da imaginação, ou da razão moral. A consciência já não seria “de”, mas ela “é”.[…] (ADORNO, 1995, p.16).
Disciplinar a vontade, buscando o esclarecimento, torna possível a formação da consciência de nível subjetivo e, especialmente, de nível objetivo, fazendo com que a pessoa se sinta predisposta e apta a novas experiências, a fazer uso do próprio entendimento. Esta possibilidade se traduz na abertura para o outro, o coletivo e social. A abertura oferece a capacidade da intuição da vontade da sociedade e sem ressentimentos aceita-se uma escolha comum, mesmo não sendo da própria vontade. Esta abertura se consegue com “[…] la educacion de la voluntad, la abnegación y la persistencia vocacional […]” (MAKARENKO, 1977, p.54), que ajudam o indivíduo a suportar, se preciso for, certos sacrifícios.

[…] No se puede cerrar la ventana, envolver al niño en algodones y hablarle de proezas… Y no se puede porque el resultado de su sensible conciencia en este caso es evidente: usted educa un observador cínico para el que la proeza ajena no pasa de ser objeto de contemplación, un pasatiempo (MAKARENKO, 1977, p.54-55)

A exposição ao sacrifício ajuda na formação da vontade e a compreender que seus deveres não são um passatempo, mas precisam ser executados com toda a atenção. Uma forma de fecundar a vontade nas crianças e jovens e garantir sua sustentação na maturidade pode ser encontrada no exercício físico, que não deixa de ser um sacrifício. A educação física, tão falha em nossas escolas, oferece a oportunidade do conhecimento e do controle do próprio corpo e da mente, predispondo o aluno para, por si mesmo, sentir a necessidade de buscar uma educação mais aprofundada. Foucault, em seu livro “Vigiar e Punir”, constata que a sociedade pretende moldar o corpo, “[…] vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos. Procedimento, portanto, para conhecer, dominar e utilizar. A disciplina organiza um espaço analítico” (FOUCAULT, 1999, p.123). Desta transcrição de Foucault aproveita-se a ideia de conhecer o corpo, sua formação, modelo e capacidade, para dominá-lo, moldá-lo e lhe dar uma utilidade prática e válida para sustentar a vida social. De outro modo, apropria-se da concepção do controle do corpo com a intenção de oferecer ao aluno a oportunidade do autoconhecimento e, através dos jogos e competições de interação social, suscitar o respeito e o interesse pelo coletivo, onde é vivenciada a disciplina, o modo de ser.
Makarenko, na concepção de condicionar o corpo, era partidário que nas escolas, bem como nas famílias, deve haver incentivo a brincadeiras e a jogos, pois acreditava que “[…] o trabalho da criança depende da maneira como ela brinca” […] (CAPRILES, 1989, p.157) e o pedagogo deve participar junto com ela. A brincadeira, o jogo, deve ser encarada como uma forma de exercitar a vontade para que depois, nas demais matérias escolares, o aluno busque o esclarecimento para a aceitação do regime para o bem viver em coletividade e busque a disciplina como o modo de ser. A brincadeira, o jogo, parece ser banal, no entanto ai pode estar a diferença entre ser mestre ou não. A mestria ajuda nas coisas que, por vezes, são consideradas insignificantes, como a postura no estar de pé, ou no permanecer sentado, a maneira de se levantar, de falar, de sorrir, de olhar, de pôr-se a escuta, etc., estes e outros meios o educador precisa conhecer e ensinar para ser mestre.

Nas nossas escolas, os alunos comportam-se bem nas aulas de um professor e mal nas aulas de outro. E isso não é de modo algum porque um deles seja talentoso e o outro não, mas simplesmente porque um é mestre e o outro não. (CAPRILES, 1989, p.156)

A vontade disciplinada assegura à educação a possibilidade de construir um regime com a participação dos professores, dos alunos, dos pais e de representantes da comunidade, que estão preocupados com a formação humana. O condicionamento do corpo e da mente das crianças para a formação do cidadão comunitário começa por disciplinar a vontade. Esta dá sustentabilidade à educação no empreendimento de colocação da disciplina como o objetivo a ser atingido por todo o processo educativo ou como o modo de ser no mundo. É a forma mais garantida para a educação ajudar na superação das desigualdades sociais e possibilitar a vida em liberdade.
Incentivar a vontade nas crianças de buscar o esclarecimento, de se sujeitar a sacrifícios, pode suscitar, aos mais ativos, certa revolta, pois começam a descobrir que as coisas poderiam ser diferentes. Estes precisam ser apoiados para que continuem nesta busca; no entanto acentua-se a formação da disciplina consciente, como objetivo de sua caminhada educativa. Os que são revoltosos e desordeiros se bem encaminhados, por todo um processo de formação coletiva, que tem o regime como necessário e a disciplina como o objetivo a ser alcançado em seu processo educativo, podem se tornar grandes personalidades de nossa sociedade. Há aqueles muito quietinhos, que nunca saem de sua acomodada situação, para estes a vontade disciplinada tira-os da inércia para pô-los em ação. A escola em geral procura uma “[…] disciplina de ordenación, pero no de lucha y superación […]” (MAKARENKO, 1977, p.55). Espera-se que o aluno cometa um deslize para poder educá-lo. Não há preocupação com aquele que passa a vida escolar quieto, sem dar trabalho ao professor, com um caráter aparente e externo inquestionável.

[…] Tipos de carácter tan comunes como los mosquitas muertas, acaparadores, conformistas, simplones, papanatas, presumidos, garrones, misántropos, soñadores y memoriatas pasan de largo ante nuestro trabajo pedagógico […] (MAKARENKO, 1977, p.55).

Esses alunos não desenvolveram uma vontade de luta e de vencer os obstáculos, pois nunca lhes foi exigida esta provação, ou nunca foi preciso exigir. A esses alunos é preciso ajudar tanto quanto àqueles que são rebeldes e que a princípio parecem necessitar mais atenção do que os quietinhos. A exigência nunca fez parte de sua educação, por isso são manipuláveis e se sujeitam facilmente ao sistema dominante, ou, desses é que surgem os piores males. Nestes casos parece haver uma maior exigência do trabalho pedagógico, no entanto, tomando-o em seu lado prático, em que o professor é chamado a contribuir com seu exemplo, desperta o interesse, desses sonhadores, em desenvolver sua vontade.
Um dos melhores meios de desenvolver a vontade da criança é o de proceder por afirmações que serão articuladas sempre que se oferecer a ocasião de um esforço a realizar: “Trabalho pesado! Isto me agrada. – Isto vai custar, mais vou fazer. – É difícil, tanto melhor!” Tornamo-nos fortes â custa de esforços (COURTOIS, 1962, p.129).
Disciplinar a vontade parte do princípio da exigência. Exigir de cada aluno o cumprimento dos seus deveres, a realizar esforços, tarefas pesadas e às vezes desagradáveis. Não um cumprimento isolado, apenas para a satisfação de sua individualidade, mas que tenha um alcance coletivo. Não é o esforço isolado do professor, apesar de sua dignidade e grandiosidade, que forma a vontade de lutar para encarnar a disciplina como um modo de ser e tornar possível viver em coletividade. Esta coletividade só se concretiza com “[…] la organização de la escuela como um todo […]” (MAKARENKO, 1977, p.56), em que, os professores, os alunos, os funcionários, os pais e a comunidade local, participem de forma ativa de todo seu processo educativo, de maneira alegre e severa.

La vida de nuestra escuela, de nuestra colectividad infantil, debe ser mucho más animada, más airosa, más alegre y más severa. Sólo en ese caso la escuela comenzará a cumplir con su función en cuanto a la educación comunista, renunciando de una vez y para siempre a la tranquilizadora espontaneidad ética (MAKARENKO, 1977, p.56).

Com a perspectiva de disciplinar e educar a vontade a escola tem a função de desestabilizar tudo o que é executado espontaneamente e suscitar a consciência da própria ação. Seguindo o princípio fundamental da pedagogia makarenkiana, “[…] exigindo el máximo del hombre y distinguiéndole con el mayor respeto possible […]” (MAKARENKO, s.d., p.64), predispõe-se o indivíduo a fazer uso de seu entendimento. Cada individualidade animada se põe na busca do esclarecimento pela severidade que a coletividade escolar exige e que é sua própria exigência. Disciplinar a vontade na busca do esclarecimento significa criar o autodomínio de si no uso da razão e da coragem para valer-se do entendimento e sair da obscuridade irracional. Essa busca terá muito mais êxito quando realizada em coletividade, convenientemente organizada e se o fim de todo o processo educativo for a disciplina como um modo de ser.

Conclusão
A concepção de disciplina e coletividade a partir de Makarenko parece, a uma primeira investida, ser a ideia pertencente apenas à sociedade socialista. Ao abordar a concepção de vontade, buscando seu disciplinamento, com o objetivo do esclarecimento, induz a pensar que se trata de conceitos liberalistas. Portanto, a princípio parece haver uma contradição e uma tentativa frustrada em tal aproximação. Contudo, concebendo o “modo de ser”, construído a partir da disciplina como o objetivo da educação, tem-se o entendimento da veracidade da disciplina, da vontade e do esclarecimento, válidos para qualquer sistema social. Estes conceitos tem seu desenvolvimento assegurado a partir de uma coletividade em autogestão e convenientemente organizada, no dizer de Makarenko.
A vontade é o elo, a alavanca, capaz de desestabilizar com a inércia das mentes que apenas aceitam como válido o que é fomentado com bases apenas pertinentes a seu modo de pensar. A partir de uma ação norteada pelos interesses individuais dizem proclamar mudanças, mas só almejam a manutenção de seus privilégios e do atual estado de coisa. A vontade, para ser este elo, esta alavanca, precisa ser disciplinada para buscar o esclarecimento. O esclarecimento possibilita que a vontade possa assumir a disciplina como o “modo de ser”. O “modo de ser”, que tem a preocupação com uma sociedade melhor e com a felicidade de todos, advém do disciplinamento da vontade. A vontade predispõe toda ama formação do caráter e da personalidade do indivíduo com a finalidade da fraternidade universal.

Referências
ADORNO, Theodor W. L. Educação e Emancipação. São Paulo. Paz e Terra, 1995.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia – 5.ed. São Paulo. Martins Fontes, 2007.
CAPRILES, René. Makarenko: O Nascimento da Pedagogia Socialista. São Paulo. Scipione, 1989.
COURTOIS, Pe. Gastão. A Arte de Educar as Crianças de Hoje. Rio de Janeiro. AGIR, 1962.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 20.ed. Petrópolis. Vozes, 1999.
GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere. V.2: Os intelectuais. O Princípio Educativo – Jornalismo. 4.ed. Rio de Janeiro. Civilização Brasiliense, 2006.
KANT, Immanuel. Textos Seletos – 3.ed. Petrópolis. Rio de Janeiro. Vozes, 2005.
MAKARENKO, Antón S. La coletividade y la educación de la personalidade. Compilação de V. Kumarin. Moscu/URSS. Progresso, 1977.
MAKARENKO, Anton S. O Livro dos Pais. V.1-2. Lisboa/Portugal. Horizonte, 1981.
MAKARENKO, Anton S. Poema Pedagógico. V.1-3. Lisboa/Portugal. Horizonte, 1980.
MAKARENKO, Anton S. Problemas de La Educacion Escolar Sovietica. Moscú/URSS. Progreso, s.d.

* Doutorando em Educação na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde também cursou Mestrado em Educação. Obteve licenciatura plena em Filosofia pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Atualmente é Técnico em Educação na UFPel. E-mail – jhbordin@hotmail.com

Como citar este artigo:
BORDIN, João Henrique. Um Modo De Ser, Pela Vontade E Pelo Esclarecimento. P@artes: São Paulo …..

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