Educação Educação de Adultos

Desenvolvimento Cognitivo: o Adulto e a Aprendizagem da Matemática

Desenvolvimento Cognitivo: o Adulto e a Aprendizagem da Matemática[i]

[i] O presente artigo faz parte de reflexões suscitadas na dissertação de mestrado da autora: DORNELES, Caroline Lacerda. Adição, subtração e cálculo relacional: uma intervenção com alunos do PROEJA FIC/Ensino Fundamental. Porto Alegre, 2013. 120f. Dissertação (Mestrado em Educação)- Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.

 DORNELES, Caroline Lacerda*

Caroline Lacerda

 

RESUMO:

O presente trabalho é um ensaio teórico que tem como objetivo promover uma reflexão sobre o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem do adulto no âmbito da educação matemática. O texto aborda o desenvolvimento humano, do nascimento ao início da vida adulta, e a estrutura de pensamento que compõe cada período, assim como a relação desse desenvolvimento com a aprendizagem da matemática do educando adulto. Também se propõe que essas reflexões sirvam de subsídios para que as práticas pedagógicas sejam pensadas de acordo com a realidade do adulto.

PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento cognitivo, Aprendizagem da Matemática, O estudante adulto.

ABSTRACT:

This work is a theoretical essay which aims to promote a reflection on cognitive development and adult learning in the context of mathematics education. The text highlights the human development from birth to early adulthood, and the structure of thought that makes up each period, as well as the relationship of that development to mathematics learning of the adult learner. It is also proposed that these reflections will serve as support for the pedagogical practices are designed according to the reality of the adult.

KEY-WORDS: Cognitive development, Learning of Mathematics, The adult student.

O presente texto aborda uma discussão teórica sobre a aprendizagem do adulto e o desenvolvimento cognitivo pela visão da Epistemologia Genética. Ao buscar referenciais sobre a temática percebe-se que existem poucos estudos na área e que Piaget não pesquisou especificamente o adulto, mas o desenvolvimento humano como um todo. Desse modo, com o intuito de contribuir para com a continuidade dessas pesquisas, além das reflexões acerca da estrutura cognitiva, serão apresentados estudos que mostram como ocorre o desenvolvimento e a aprendizagem do adulto no campo da educação matemática, pois se sabe da utilidade desta ciência para as diversas situações da vida desse sujeito.

Nesse sentido, estudar o indivíduo adulto requer entender a organização de sua estrutura de pensamento, o meio social e cultural em que está inserido, pois se sabe que o adulto possui uma trajetória de vida, de experiências pessoais e profissionais que implicam no seu processo de aprender. Por isso, compreender sua estrutura mental pode ajudar a organizar os espaços educacionais e os métodos de ensino, com vistas às individualidades desse sujeito, mas sem limitar sua aprendizagem.

A teoria da Epistemologia Genética descreve o desenvolvimento cognitivo humano desde o nascimento, e ajuda a entender a organização do pensamento, principalmente o lógico-matemático. Tal teoria foi desenvolvida pelo suíço Jean Piaget, que destacou o processo de construção de conhecimento, realizado por meio da interação entre sujeito e objeto do conhecimento. Piaget (1973a) embasa a aprendizagem nesse processo de forma diferente, se comparado a outras correntes teóricas.

Sobre isso, Becker (2010) explica que o sujeito, na visão piagetiana, está em constante processo de construção, ao contrário do que preconizam as correntes teóricas apriorista e empirista. A teoria apriorista entende a aprendizagem como determinada por estruturas inatas, já existentes no sujeito desde seu nascimento, e acredita que o conhecimento resulta da hereditariedade derivada de estruturas inatas e do processo maturacional. Essa perspectiva é antiga no campo da filosofia e da educação, e teve origem nas ideias de Platão (427 a.C.) e Descartes (347 a. C). (CHAUÍ, 2004).  Além disso, Becker (2008) destaca que os preceitos aprioristas estão relacionados à teoria da Gestalt, em que autores como Max Wertheim (1880-1943) e Wolgang Kohler (1887-1976) consideram para a aprendizagem a experiência e a percepção, como componentes da visão do todo. Já na tendência empirista, de acordo com Chauí (2004), a aprendizagem é determinada por influência do meio exterior, ou seja, o conhecimento é mediado pelos sentidos e pela experiência adquirida – ideais estes propostos no século XVI e XVIII por filósofos como John Locke, Francis Bacon, Thomas Hobbs, George Berkeley e David Hume, e que contribuíram para o desenvolvimento do empirismo.

Entretanto, a Teoria Piagetiana compreende o desenvolvimento cognitivo humano influenciado por fatores biológicos e sociais, considerando que cada ser é e aprende de acordo com sua estrutura biológica e com o ambiente em que vive, bem como das relações que estabelece com o objeto do conhecimento. Essas noções propostas por Piaget inspiram o pensamento desenvolvido neste trabalho, conforme é possível verificar na sequência.

 

O desenvolvimento cognitivo na perspectiva da Epistemologia Genética

Em termos educacionais, para Piaget (1972a; 1973a), o desenvolvimento acontece por provocações internas ou externas, sendo que esse processo depende da estrutura cognitiva de cada indivíduo e do ambiente em que vive.  Esses processos cognoscitivos, ou seja, essas habilidades de compreensão, aparecem como resultantes da auto regulação orgânica do sujeito, enfatizando que todos têm disposição para aprender dentro de sua forma e de seu tempo.

Uma explicação para isso são os diferentes níveis de estrutura cognitiva propostos por Piaget (1972a, 1973a). O autor caracterizava esses níveis por quatro etapas sucessivas do desenvolvimento, denominadas de estádios[ii], sendo eles: sensório motor (por volta de 0 aos 2 anos); pré-operatório (por volta dos 2 aos 7 anos); operatório concreto (por volta dos 7 aos 12 anos) e operatório formal (por volta dos 12 anos). As ações iniciais, no período sensório motor, são voltadas para o desenvolvimento do conhecimento prático, juntamente com a construção da sucessão temporal e da causalidade sensório-motora elementar, indispensáveis para o pensamento representativo ulterior. Esse conhecimento prático é construído através de ações, como engatinhar na busca de um objeto escondido, ou procurar algo que desapareceu do campo perceptivo.

Com a construção de novas estruturas mentais no período sensório-motor, através da exploração prática do espaço, o indivíduo passa a um novo nível de conhecimento, por meio de representações e pelo surgimento da função simbólica, que marca o início da aquisição da linguagem (Piaget, 1972a). Esse novo período, denominado como pré-operatório, é marcado pelo poder de representação dos objetos ou acontecimentos, o que se pode considerar como uma etapa mais evoluída da construção, ou preparação do pensamento lógico.

Na construção dessas estruturas de pensamento, Piaget (1972a) destacava o estádio das operações concretas como aquele em que se observa o surgimento de sistemas de ações mentais internas, que fundamentam o pensamento lógico através das noções de tempo, de casualidade, de conservação e de inclusão de classes. Essa estrutura mental permite ao indivíduo operar em uma situação, executando a mesma operação em dois sentidos do percurso, tendo consciência de que se trata da mesma ação, ou seja, quando, em pensamento, o sujeito consegue voltar ao ponto de partida.  Tais noções do pensamento lógico são construídas nesse nível estrutural, que ocorre por volta dos sete aos doze anos. Entretanto, sabe-se que nem todas as pessoas conseguem construí-las, pois não desenvolveram estrutura mental que permita este tipo de raciocínio.

No estádio operatório formal surge o pensamento hipotético dedutivo, que permite ao sujeito raciocinar sobre diferentes hipóteses e fazer relações entre elas. O indivíduo constrói novas operações que envolvem a lógica proposicional, a qual possibilita atingir grupos mais complexos de estruturas de pensamento e, a partir disso, entender conceitos altamente formais. Nesse período, o jovem passa de um pensamento material para um pensamento reflexivo, tornando-se crítico frente a si mesmo, sendo capaz de trabalhar com hipóteses e deduções, extrapolando o real. (FARIA, 1998).

Para Piaget (1972a) com o pensamento formal ocorre uma inversão de sentido entre o real e o possível, pois os objetos e as ações sobre eles passam a ser representados verbalmente e, com isso, novas possibilidades operatórias são estabelecidas. Nesse estádio, o sujeito consegue fazer relações entre conceitos, o que Piaget caracteriza como abstração reflexionante e a base para o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático.

Além disso, à medida que o sujeito consegue relacionar conceitos e compreender o processo de sua ação, torna-se consciente, ocorrendo a Tomada de Consciência. (PIAGET, 1975). Tal evento é evidenciado pelo autor como o momento em que o sujeito retoma suas ações e as reconstrói em num novo patamar de conhecimento, sendo que ao se tornar consciente, uma ação reflexionante passa a ser uma ação refletida.

Essas estruturas desenvolvidas no período operatório formal estão relacionadas à organização das estruturas de pensamento dos períodos anteriores, podendo ser acelerada ou retardada à medida que o meio social propicie seu desenvolvimento. Por isso, é importante salientar que além do desenvolvimento cerebral, que é inerente de cada ser humano, o meio em que o sujeito vive desempenha um importante papel no desenvolvimento cognitivo, sendo impossível dizer que todos aprendem no mesmo tempo/ritmo.

Sobre isso, Marques (2005) salienta que, o que dirá se um indivíduo se encontra em determinado período do desenvolvimento não será sua idade, mas as relações que ele estabelece com o objeto do conhecimento, a sua forma de pensar e agir diante da realidade. Nesse aspecto, Silva (2009) ainda afirma que a modificação de um estádio é marcada por uma mudança nos níveis de conduta, podendo adultos que já têm pensamento formal apresentar comportamentos muito diferentes frente a situações com as quais não são familiarizados e, em alguns casos, agir utilizando estruturas de pensamento anteriores, como exemplo, as estruturas do estádio operatório concreto ou do estádio pré-operatório.

A passagem por esses estádios do desenvolvimento é influenciada por alguns fatores que são descritos por Piaget (1973a). O autor apresentava a existência de quatro fatores que explicam o desenvolvimento humano, responsáveis pela passagem de uma etapa à outra. Primeiramente, a maturação, ligada à hereditariedade, fator que mostra a variação dos estádios de acordo com a sociedade, cultura, raça, dentre outros aspectos do meio social que podem influenciar nesse sazonamento.

Em segundo lugar, o autor trazia a experiência física e a lógico-matemática. Piaget (1973a) considerava como experiências físicas as manipulações que o sujeito realiza sobre os objetos, as quais possibilitam, através da exploração, a descoberta de diferentes características e reações. No que diz respeito às experiências lógico-matemáticas, o sujeito constrói conhecimentos a partir de ações sobre o objeto do conhecimento, juntando-os, ordenando-os e realizando descobertas mentais.

Em terceiro lugar, Piaget (1973a) mencionava a transmissão social. Becker (2010) ajuda a entender essa noção dizendo que, para alguém assimilar um conceito, precisa ter construído estrutura equivalente à complexidade desse conceito. Todas essas questões que influenciam o desenvolvimento cognitivo dependem, também, do quarto fator, o da equilibração, que é um processo  autorregulador. Desse modo, vale salientar que esses fatores são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo, garantindo que a aprendizagem ocorra através de um processo de construção.

Nesse sentido, destaca-se que esses fatores influenciam o desenvolvimento cognitivo do adulto, da mesma forma que contribuem para o desenvolvimento cognitivo da criança ou do adolescente. Por isso, ao pensarmos na Educação de Jovens e Adultos é necessário encará-la como um campo de aprendizagem peculiar, considerando a especificidade de tempo de vida – juventude e vida adulta. Tempos diferentes que requerem olhares diferenciados, pois fazem parte etapas diversificadas do desenvolvimento. (ARROYO, 2006).

Considerando a importância que o desenvolvimento cognitivo exerce na aprendizagem e o lugar de destaque que ocupa na teoria de Piaget (1973b), cabe  entendê-lo a partir da ideia de estrutura. O autor se refere às estruturas como padrões de ações físicas e mentais sobre objetos específicos que propiciam a construção de novos esquemas mentais, sendo que novas estruturas cognitivas se constroem à medida que ocorre essa organização (PIAGET, 1973b). Dessa forma, não se pode dizer que essas estruturas são inatas, nem que são adquiridas pelo meio exterior, mas construídas através das ações do sujeito sobre o objeto do conhecimento, portanto, construções únicas de cada pessoa. Sobre esse aspecto, cabe salientar que a noção de estrutura é “frequentemente utilizada para designar as formas de organização dos raciocínios” (MONTANGERO; MAURICE-NAVILLE, 1998, p. 179), e muitas vezes “explica a rapidez de raciocínios lógicos e o sentimento de evidência que os acompanha” (Idem, p. 180).

A construção dessas estruturas mentais é evidenciada por Piaget (1973b), desde as operações mais elementares (operações aditivas e multiplicativas de classes, de relações e de número ou métrica espacial, etc.), e é considerada como um vasto sistema autorregulador que assegura a autonomia e a coerência do pensamento. Esta lógica está presente desde cedo e “consiste em operações de classificar, seriar, pôr em correspondência, utilizar uma combinatória ou grupos de transformações e a origem dessas operações estão nas ações mais gerais” (Idem, p. 16).

Frente a isso, percebemos como a construção de conhecimentos está ligada às ações físicas e mentais, e como as estruturas de pensamento são importantes para a aprendizagem do indivíduo. Inhelder, Bovet e Sinclair (1977) afirmavam que novos elementos fazem com que o indivíduo realize acomodações nas estruturas mentais já existentes. Nesse aspecto Marques (2005) contribui salientando que quanto mais se constroem estruturas de assimilação, ou seja, quanto mais ocorre a incorporação de novos elementos aos já existentes, maiores as possibilidades de aprender; e, quanto mais se aprende, mais se constroem esquemas mentais e modificações na estrutura cognitiva. Assim, se forma a estrutura mental, por meio do conjunto de esquemas mentais construídos.

Cada esquema mental construído é organizado por meio de assimilações, em que o indivíduo incorpora novas aprendizagens aos esquemas já existentes e acomoda esses esquemas antigos aos novos, formando assim um novo esquema. As estruturas mentais construídas se modificam pela adaptação do indivíduo, processo que Piaget (1973a) desdobra em assimilação e acomodação. Os elementos novos são assimilados e o que é acomodado são as estruturas mentais já existentes, para que os novos elementos sejam incorporados. Desse modo, a assimilação diz respeito à interpretação que o sujeito realiza dos fatos, e a acomodação à transformação da estrutura mental para a assimilação de novos eventos.

Arroyo (2006) afirma que as trajetórias sociais e escolares truncadas dos educandos jovens e adultos não significam sua paralisação nos processos de formação mental, ética, cultural, social e política. Tais sujeitos, quando retornam à escolarização, carregam um acúmulo de diversas aprendizagens e estruturas mentais construídas em suas relações com o mundo do trabalho e experiências de vida que carecem ser reconhecidas nos espaços de formação. Nesse sentido, Inhelder, Bovet e Sinclair (1977) afirmam que “o processo mais fundamental de toda conduta de aprendizagem consiste em que o sujeito aprenda a aprender e, além disso, supõe que cada aprendizagem é facilitada por aquelas que a precederam” (Idem, p. 22). Por isso, a importância de se valorizar os conhecimentos prévios e de proporcionar situações para que esses conhecimentos sejam precursores de novas aprendizagens e, por consequência, de novas estruturas mentais.

O adulto e a aprendizagem da Matemática

Como se observou no texto, para aprender é preciso agir sobre o objeto, transformá-lo, entender o processo dessa transformação e compreender o modo como é construído. Desse modo, é importante que os educadores compreendam como ocorre a aprendizagem nas diferentes etapas da vida, tendo em vista que hoje a escola se depara com públicos cada vez mais diversificados e precisa tentar atendê-los em suas particularidades, principalmente quando pensamos no educando adulto, que apresenta uma longa trajetória de vida e de experiências.

Fonseca (2007) mostra que há necessidade de desenvolver um trabalho pedagógico direcionado para as características dos sujeitos, principalmente na educação de adultos, em que o aluno precisa encontrar a funcionalidade da matemática em sua vida:

Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de contextualizar o conhecimento matemático a ser transmitido ou construído, não apenas inserindo-o numa situação-problema, ou numa abordagem dita ‘concreta’, mas buscando suas origens, acompanhando sua evolução, explicitando sua finalidade ou seu papel na interpretação e transformação da realidade com a qual o aluno se depara e/ou de suas formas de vê-la e participar dela. (FONSECA, 2007, p. 55)

Essa necessidade de contextualizar o conhecimento matemático é fundamental, pois ao pensarmos na educação matemática para o sujeito adulto, é importante compreender que se trata de uma ciência utilizada no dia a dia, em ações rotineiras como o pagamento de contas, a realização de compras, e em situações profissionais, como em cálculos e medidas realizados por pedreiros, medidas utilizadas por cozinheiros, entre outros. Dessa forma, trazer essas situações para a sala de aula pode facilitar o entendimento da matemática, pois haverá uma aproximação dos conhecimentos informais utilizados pelos adultos em sua vida social com o conhecimento científico.

Polya (1995) já indicava que desafiar os alunos com a curiosidade, apresentando problemas matemáticos compatíveis com seus conhecimentos, motiva-os a raciocinar e buscar autonomia em seu processo de aprendizagem. Sobre esse aspecto, cabe destacar a pesquisa realizada por Carraher, Schliemann, e Carraher (1988) com crianças e adultos trabalhadores, nas ruas de Recife-PE. Os autores investigaram a situação vivida por cambistas do jogo do bicho e feirantes, e identificaram que sujeitos com mais experiência escolar e pouca experiência prática apresentam desempenho inferior aos sujeitos com menor experiência escolar, mas com maior experiência de trabalho, ao resolver problemas relacionados a atividades profissionais. No entanto, quando são apresentados problemas não usados pelos trabalhadores, o desempenho é inferior.

Freire (1999) também dizia que a construção do conhecimento implica a curiosidade, a capacidade de comparar e perguntar. Por isso, é importante conhecer a realidade dos educandos, seu contexto social, bem como sua estrutura mental, para não correr o risco de desestimulá-los com a utilização de conteúdos desconexos de sua realidade. É necessário levar em consideração que esses indivíduos buscam aprender após uma longa jornada de trabalho e depositam na escola expectativas de melhores condições de vida. No entanto, limitar-se somente ao contexto do educando é uma prática que não lhe permite relacionar o que sabe com os novos conhecimentos, por isso, além de trabalhar com a realidade do aluno é importante que também lhe sejam apresentados conteúdos desconhecidos e de diferentes áreas do conhecimento.

Diante disso, apresentar situações nas quais os indivíduos se envolvam é fundamental na aprendizagem matemática, visto que precisam encontrar razões para aprender. Sobre isso, Polya (1995) salientava que:

Há uma pitada de descoberta na resolução de um problema. O problema pode ser modesto, mas, se desafiar a curiosidade e puser em jogo as faculdades inventivas, quem o resolver por seus próprios meios, experimentará a tensão e gozará o triunfo da descoberta, podendo gerar gosto pelo trabalho mental. (POLYA, p. 05, 1995)

 Essas questões remetem a pensar na importância da proposta pedagógica ser voltada para a realidade do aluno, mas sem deixar de considerar a aprendizagem em diferentes campos do saber, pois o envolvimento do sujeito em uma atividade conteúdo depende do quanto esse exercício desafia suas capacidades mentais. Por isso, faz-se necessário considerar que cada sujeito apresenta uma dada estrutura cognitiva nas diferentes etapas de sua vida, e que os conteúdos não podem ser muito fáceis ao ponto de não mobilizar outros conteúdos já aprendidos, nem muito difíceis ao ponto do sujeito não conseguir estabelecer relações.

Piaget, (1972a, 1973a) descreve esse desenvolvimento por meio da passagem por diversos estádios, do nascimento à adolescência, quando inicia o pensamento formal. No entanto, atingir a adolescência não significa diretamente que a pessoa deverá raciocinar formalmente, ou apresentar uma estrutura cognitiva formal, não temos garantias disso, pois o conhecimento é um processo de construção influenciado por diversos fatores internos e externos.

Nesse aspecto, Silva (2009) aponta os conteúdos[iii] como um dos fatores que influenciam na aprendizagem, pois estes interferem significativamente na forma do sujeito raciocinar, em função das experiências anteriores e do grau de novidade da situação. Na maioria das vezes em que um sujeito é apresentado a um conteúdo ou uma situação desconhecida, ele precisa se reorganizar frente às novidades, podendo até mesmo representar que houve uma “regressão” em sua estrutura de pensamento, mas isso ocorre devido a ainda não ter familiaridade com o assunto. O autor cita como exemplo, a conduta de um físico e um médico diante de um problema de fusão nuclear. Eles podem apresentar condutas parecidas, mas o conteúdo é mais familiar para o físico em razão de suas aprendizagens anteriores, específicas de sua formação, podendo agir, dessa forma, de maneira mais eficaz que o médico na solução do problema.

Sabe-se que o conteúdo pode afetar significativamente a aprendizagem, pois a familiaridade com o assunto e a capacidade de relacioná-lo com experiências anteriores facilitam a compreensão. Dessa forma, na educação matemática, é comum que as justificativas de dificuldades na resolução de situações-problema sejam atribuídas às dificuldades em compreender o conteúdo semântico dos problemas, ou seja, o significado dos signos, das palavras, das frases, entre outros (FÁVERO; MAURMANN; SOUZA; 2003).

Sobre esse aspecto, o aluno adulto pode apresentar vantagens na compreensão de conteúdos, em vistas de sua trajetória pessoal e profissional, pois tem conhecimentos prévios oriundos dessa trajetória. Fávero, Maurmann e Souza (2003, p. 103) destacam que “os adultos que retornam à escolarização trazem para a escola a construção de significados particulares em relação ao conhecimento e sua aquisição”, ou seja, cada aluno carrega experiências diferentes e isso influencia no tempo e na forma de cada um aprender.

Nessa visão, Freire (1999) mencionava que a escola precisa respeitar os saberes do educando, sobretudo o das classes populares, que trazem saberes construídos nas práticas comunitárias. Esses saberes representam os conhecimentos prévios dos sujeitos e carecem serem considerados diante de um conteúdo novo, caso contrário o educando adulto poderá apresentar dificuldades e inclusive recorrer a estruturas mentais anteriores. Diante disso, salienta-se que ninguém é formal o tempo todo, sobre todas as coisas, principalmente quando não se tem esquemas construídos sobre determinado conteúdo. (SILVA, 2009).

Piaget (1972b) afirmava que uma das características gerais do pensamento formal é a independência da forma com relação ao conteúdo. No entanto, uma coisa é dissociar a forma do conteúdo em um campo que seja de interesse do sujeito e dentro do qual ele possa aplicar sua curiosidade e iniciativa, e outra é este sujeito estar apto dessa mesma maneira a um campo desconhecido, à carreira e aos seus interesses. Nesse sentido, na área da educação matemática, Carraher e Schliemann (1983) salientavam que os algoritmos ensinados que não têm significado para o educando, são os mais propensos a erros. Assim, para raciocinar formalmente, é indispensável que o indivíduo tenha estruturas cognitivas formais que lhe permitam estabelecer as relações necessárias para compreender a complexidade do conteúdo, e que esse tenha significado para ele.

Piaget (1972b) fazia ressalvas ao mencionar que, diferente do pensamento da criança, o adulto organiza suas ideias com mais rapidez, ao passo que a criança precisa de um tempo maior de organização. Para isso, é preciso considerar a estrutura mental e as experiências individuais de cada sujeito, pois se sabe que o adulto possui uma trajetória de vida mais longa, sob a influência de atividades laborais, e isso pode ser um diferencial.

Outro aspecto a ser observado, no pensamento do sujeito adulto, destacado por Bovet (1999), está relacionado com a exploração mental que este indivíduo realiza em determinadas situações-problema e da notável mobilidade para perguntas. Bovet (1999) também afirmava que o pensamento do adulto é caracterizado por colocar em relação vários parâmetros responsáveis por determinado fenômeno, conseguindo estabelecer relações diversas, inclusive dimensões opostas realizadas através de explorações mentais. A forma como alguns dos adultos pensam e as perguntas que formulam sobre a situação problema sugerem uma construção de conhecimento que perpassa por várias etapas, e uma das mais importantes é a de comparar uma explicação e dialogar mentalmente com o objeto do conhecimento. De tal modo, raciocinam sobre um fenômeno, como se este pudesse ser explicado por diferentes fatores.

Contudo, se os profissionais da educação direcionarem seu olhar para uma ótica em que o desenvolvimento cognitivo, a trajetória de vida do adulto e suas experiências são importantes fatores para o processo de aprendizagem, será possível desenvolver práticas pedagógicas mais significativas. Da mesma forma que compreender o desenvolvimento humano e a estrutura mental de cada período do desenvolvimento, pode ajudar a pensar que cada período da vida é marcado por estruturas de raciocínio, mas que ter se tornado um adulto não significa que o raciocínio formal estará presente em todas as ações. Haverá situações, principalmente as desconhecidas, em que será necessário recorrer a estruturas mentais anteriores para conhecer e compreender o conteúdo, sendo que isso é possível devido às estruturas de pensamento serem integradas umas as outras.

          Portanto, entender como ocorre a aprendizagem é essencial no campo educacional, tanto para gestores como educadores, pois é preciso compreender que os mecanismos de aprendizagem são os mesmos nas diferentes etapas da vida, e o que difere na aprendizagem são os conteúdos, os seus significados e a estrutura de raciocínio. Assim, pensar no educando adulto requer, além disso, pensar nas suas experiências, no que aprendeu nas suas vivências, e no quanto isso pode fazer parte da sua estrutura cognitiva e influenciar em seu processo de aprendizagem.

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* Pedagoga pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI, Campus Santiago-RS (2007), Especialista em Psicopedagogia pela mesma Universidade (2009) e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2013). Atualmente é Pedagoga do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – IFRS, Câmpus Rio Grande/RS. E-mail: carol.lacerda.ped@gmail.com

Como citar este artigo:

DORNELES, Caroline Lacerda. Desenvolvimento cognitivo: o adulto e a aprendizagem da matemática. Rev. P@rtes. [online]. Setembro de 2013. Disponível em…

[i] O presente artigo faz parte de reflexões suscitadas na dissertação de mestrado da autora: DORNELES, Caroline Lacerda. Adição, subtração e cálculo relacional: uma intervenção com alunos do PROEJA FIC/Ensino Fundamental. Porto Alegre, 2013. 120f. Dissertação (Mestrado em Educação)- Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.

[ii] De acordo com novas interpretações e concepções sobre a teoria piagetiana, entende-se como um erro de tradução stade, do francês, por ‘estágio’ (stage). Estádio do desenvolvimento é a forma mais correta de se referir a um período de grandes assimilações e acomodações. É um período em que o sujeito não está preocupado em passar para o estádio seguinte. Já a expressão estágio subentende que o indivíduo está preocupado em passar para o estágio seguinte (Becker, 2012).

[iii] Piaget refere-se ao termo ‘conteúdo’ para denominar todas as aprendizagens, situações e significados das aprendizagens no desenvolvimento do sujeito, ou seja, tudo o que se pode aplicar ao nosso raciocínio. Os conteúdos podem ser considerados informações, experiências do sujeito sobre determinado objeto do conhecimento.

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