Ciências Sociais Geografia

Empresas, redes e uso do território: uma reflexão teórica

 

EMPRESAS, REDES E USO DO TERRITÓRIO: UMA REFLEXÃO TEÓRICA

 

Zaqueu Luiz Bobato[1]

Resumo 

Zaqueu Luiz Bobato é professor do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) campus de Irati-Pr. Doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Geografia Gestão do Território pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Licenciado em Geografia pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro). E-mail: zaqueudegeo@gmail.com

O artigo em questão apresenta uma reflexão teórica acerca do processo de “redes”, assim como sua influência na organização de um dado território. No decorrer do artigo, aponta-se que as redes ao ser intensificadas num determinado contexto territorial, estas conferem um uso seletivo e racional do mesmo, sendo que tal uso se dá, sobretudo pela atuação de grandes empresas. 

Palavras-chave: Lógica territorial reticular, rede geográfica, uso territorial.

Resumen 

El artículo en cuestión presenta una reflexión teórica sobre el proceso de “redes”, así como su influencia en la organización de un territorio determinado. A lo largo del artículo, señala que las redes a ser mejorados en un contexto territorial dado, estos imparten un uso selectivo y racional de lo mismo, y tal uso se produce principalmente por el desempeño de las grandes empresas. 

Palavras clave: Lógica territorial reticular, rede geográfica, uso del territorio

 

Introdução 

A dinâmica capitalista tem constantemente gerado “reconfigurações” em diversos territórios, sendo que as reconfigurações ocorrem na esfera da cultura da política da economia do meio ambiente. Cumpre ressaltar que as redes materiais se intensificaram a partir do capitalismo, contribuindo assim para as complexas reconfigurações que foram mencionadas. Portanto, as reflexões escritas neste artigo partem de uma compreensão acerca das redes convergindo a posteriori para o debate que aponta para o “uso do território”, pois acredita-se que as lógicas reticulares possibilitam com maior intensidade sobretudo as grandes empresas, uma apropriação seletiva e ao mesmo tempo racional dos territórios, na medida em que elas utilizam dos recursos naturais, técnicos, econômicos, culturais e sociais neles existentes.

No que tange aos procedimentos metodológicos utilizados para a elaboração do presente artigo, destaca-se que fora realizado um levantamento bibliográfico acerca da temática que está sendo abordada. O levantamento prezou por textos científicos de autores especializados no assunto. Desta maneira, este artigo se caracteriza como sendo teórico e reflexivo, sendo que ele visa estimular o leitor a refletir a dinâmica das redes nos processos de reconfigurações que ocorrem constantemente nos diversos territórios existentes no Brasil.

 

A territorialização de empresas em redes

De modo a estabelecer um entendimento sucinto para a rede geográfica torna-se necessário conhecer a origem do termo “rede”. Elucida-se que o elemento humano já nos tempos primórdios por meio do uso de técnicas e ações desenvolvidas nos espaços que territorializava, já produzia organizações em formas de rede.  Segundo Musso (2004, apud COSTA; UEDA 2007), a noção de rede não é recente, remete à Antiguidade Clássica, quando estava ligada ao labirinto. O labirinto representaria uma reticulação espacial, a partir das linhas e pontos de conexão que permitiriam passagem.

Em Costa (2008) encontram-se exemplos elucidativos de organizações em redes, onde de acordo com ele os povos egípcios na antiguidade desenvolveram grandes canais de irrigações para as suas necessidades agrícolas. Também os romanos criaram meios de suprir suas demandas territoriais por meio da construção de estradas que atravessavam todo o seu Império, podendo assim obter um maior controle sobre a circulação dos fluxos que ali ocorriam. Portanto, é a partir desses levantamentos históricos que compreende-se as incipientes organizações em redes, pois as formas de linhas e pontos de conexões geradas por labirintos, por canais de irrigação, bem como por estradas, passaram a redesenhar o território com ligações reticulares.

No contexto histórico e geográfico da Idade Média o processo de tecelagem passou a ser associado as redes, já que o entrelaçamento dos fios do tecido formava um emaranhado do tipo rede (MUSSO, 2004 apud COSTA e UEDA, 2007). Nas palavras de Costa e Ueda (2007, p. 134) o uso do termo empregado à atividade da tecelagem “influenciou a medicina da Idade Moderna, passando a ser utilizado associado ao organismo, simbolizando a circulação, passagem de fluxo no corpo humano, no qual o sangue era a principal representação”. Contudo, até fins do século XVIII, a rede era uma questão de metáfora do labirinto, do corpo humano, ou seja, ainda não havia uma materialidade técnica da mesma. De acordo com Costa e Ueda (2007) é somente a partir do período de século XVIII, principalmente com a expansão do capitalismo na Europa, que a rede se torna um artefato material incorporado ao espaço.

Em Costa e Ueda (2007), compreende-se que no século XVIII com Saint – Simon começou-se a se pensar a relação de território e redes de uma forma materializada (infraestruturas) e imaterializada (informações). Nas palavras dos autores:

essa emergência capitalista pode ser observada na  Filosofia de Saint Simon  que  passa  a  defender  a  difusão  das  redes  como  uma  condição  de desenvolvimento. O discurso do Conde de Saint Simon defendia a proposta de que a construção de redes técnicas seria uma forma de promover o desenvolvimento da indústria e dos transportes e, assim, possibilitar uma melhoria da qualidade de vida da população. Porém, não é necessariamente ele, mas seus discípulos, os grandes responsáveis pelo que Musso (2004) chama de ideologia das redes. Segundo o autor, os discípulos de Saint-Simon, em especial, Michel Chevalier, passaram a propagar a idéia de redes como sinônimo de desenvolvimento. (COSTA E UEDA 2007, P. 134).

Compreende-se que a partir da noção de entrelaçamento, malha e estrutura reticulada, a palavra rede foi ganhando significados ao longo dos tempos, se intensificando a partir da consolidação do sistema capitalista. Em tempos recente o processo de redes é entendido da seguinte forma como destaca Corrêa (2001, p. 107):

Um conjunto de localizações geográficas interconectadas” entre si “por um certo numero de ligações”. Este conjunto pode ser constituído tanto por uma sede de cooperativa de produtores rurais e as fazendas a ela associadas,como pelas ligações materiais e imateriais que conectam a sede de uma grande empresa,seu centro de pesquisa e desenvolvimento,suas fábricas,depósitos e filiais de venda.

Ainda nas palavras de Corrêa (2001, p. 109):

As redes geográficas são, como qualquer materialidade social, produtos e condições sociais. Na fase atual do capitalismo a importância das diversas redes geográficas na vida econômica, social, política e cultural é enorme e, de um modo ou de outro, todos estamos inseridos em mais de uma rede geográfica e, simultaneamente, excluídos ou ausentes de um numero ainda maior de redes.

Compreende-se que quando as redes técnicas se implantam materialmente em um território, não é aleatoriamente que isso se faz, a rede traz em si uma função que é atribuída pelo conjunto de ações que a implanta. Nesse sentido entende-se que a função da rede é interligar os pontos de fluxos, tornando-se um instrumento de ação para os atores que atuam no território. Sendo assim, acredita-se que a instalação de empresas em diferentes territórios, muitas vezes em áreas remotas, somente se torna possível a partir de um sistema de atuação baseada em diferentes tipos de redes: as de infraestruturas que compreende as redes de transportes; as de comunicações e informações; e as de serviços que são representadas pelas redes informacionais (PEREIRA; KAHIL, 2006).

Santos e Silveira (2012 p. 49) salientam que o aprimoramento das redes de transportes e de comunicações possibilitaram uma evolução e melhor fluidez do território, em suas palavras:

Ampliam-se as redes de transportes, que se tornam mais densas e mais modernas; e graças a modernização das comunicações, criam-se condições de fluidez do território, uma fluidez potencial, representada pela presença de infra-estruturas, e uma fluidez efetiva significada pelo uso do solo.

Levando em consideração o exposto pelos autores, entende-se que para a lógica territorial das grandes empresas o processo de intensificação das redes materiais e imateriais se caracterizam de grande importância, pois, conferem a elas fluidez e rentabilidade. As empresas se fixam em determinado local com base na sua lógica territorial, com isso buscando a melhor opção de localização no espaço, fato que favorece a expansão de suas atividades. Nesse sentido a base para uma intensificação do uso do território está na forma atuante do processo de rede, possibilitando um dinamismo e assim um uso mais complexo do mesmo.

 

Aspectos territoriais e uso estratégico

Santos e Silveira (2012) ressaltam que quando se fala em ordem espacial estar-se-á se referindo ao espaço explicado pelo seu uso. Nas palavras dos autores “cada momento da história tende a produzir sua ordem espacial, que se associa a uma ordem econômica e a uma ordem social. É necessário entender sua realidade a partir de forças que, frequentemente, não são visíveis a olho nu (SANTOS; SILVEIRA 2012, p. 289)”. Os autores permitem compreender que em diferentes contextos históricos e geográficos a organização de espaços territoriais se manifesta a partir das formas econômicas e sociais existentes no momento, logo as ações provenientes da estruturação política, técnica também se fazem presentes.

No caso do Brasil quando se estuda a organização de seus espaços territoriais, percebe-se que a partir dos anos 1990 o processo de globalização passou a se intensificar gerando “reconfigurações”. As reconfigurações a que se refere, dizem respeito as mudanças nas formas de organização das empresas, da produção agrícola, dos sistemas de transportes entre outros (SANTOS E SILVEIRA, 2012). Destaca-se que o avanço do meio técnico-científico-informacional, ou seja, a associação entre técnica, ciência e informação, foram fatores importantes para tais “reconfigurações”.

Ora, a intensificação das organizações em redes se beneficia dos fatores acima descritos, sendo que tais lógicas “reticulares” passaram a ser apropriadas pelas grandes empresas permitindo-as estabelecerem um “uso consciente do território”. De acordo com Santos e Silveira (2012, p. 290) “cada empresa, cada atividade necessita de pontos e áreas que constituem a base territorial de sua existência, como dados da produção e da circulação e do consumo (…)”. As redes de transportes incluindo a materialidade de infraestrutura das mesmas são elementos importantes para que as empresas selecionem suas áreas de atuação. Segundo os autores:

Cada empresa, cada ramo da produção produz, paralelamente, uma lógica territorial. (…), esta é visível por meio do que se pode considerar uma topologia, isto é, a distribuição no território dos pontos de interesse para a operação dessa empresa. Esses pontos de interesse ultrapassam o âmbito da própria firma para se projetar sobre as empresas fornecedoras, ou compradoras, ou distribuidoras. Para cada uma delas, o território do seu interesse imediato é formado pelo conjunto dos pontos essenciais ao exercício de sua atividade, nos seus aspectos mais fortes. (SANTOS E SILVEIRA 2012, p. 292).

Acredita-se que a presença de uma grande empresa seja de atuação escalar global, nacional ou regional, esta leva em consideração a estrutura de consumo, as infraestruturas materiais e sociais existentes ou que serão possibilitadas por um dado território. Chama a atenção os escritos dos já referidos autores quando explicitam que:

As empresas mais poderosas escolhem os pontos que consideram instrumentais para a sua existência produtiva. É uma modalidade de exercício do seu poder. O resto do território torna-se, então, o espaço deixado às empresas menos poderosas. Os primeiros seriam, do ponto de vista da produtividade, da competitividade, “espaços luminosos”, enquanto o resto do território chamar-se-ia “espaços opacos”. Na verdade, as coisas não se dão de maneira tão simples. Em primeiro lugar, os pontos luminosos abrigam também as atividades menos luminosas, que tanto podem ser complementares às atividades mais dinâmicas como resultar da permanência, em cada lugar, de uma sociedade desigualitária. Em segundo lugar, o que existe é toda uma gama de lugares luminosos e de lugares opacos, disputados por empresas com diferentes graus de modernidade capitalista ou organizacional. (SANTOS; SILVEIRA 2012, P. 294).

Mediante os escritos acima, compreende-se que o poder de uso do território ocorre de forma diferenciada a partir da condição de importância das empresas, no entanto, as condições materiais de um dado território se caracterizam importantes para que as empresas deles se apropriem usando-o.

 

Considerações finais 

As organizações em redes são antigas, sendo que em diferentes contextos históricos e geográficos estas geraram com intensidades distintas “reconfigurações territoriais”. No entanto, com a intensificação do modo de produção capitalista, as redes expandiram-se passando inclusive a proporcionar, sobretudo aos detentores de capital um uso seletivo e racional das condições de um dado território. Portanto, toda a materialidade, assim como imaterialidade das redes, permitem aos agentes dotados de poder econômico aquilo que Santos e Silveira (2012) denominam de “uso do território”.

 

Referências

COSTA, J. M; UEDA, V. Redes técnicas e território: notas sobre a reticulação espacial.  Bgg n.º 32, Porto Alegre, 2007. Disponível em: < https://www.google.com.br/#q=Redes+t%C3%A9cnicas+e+territ%C3%B3rio%3A+notas+sobre+a+reticula%C3%A7%C3%A3o+espacial.&safe=off>. Acessado em 12 de junho de 2013.

COSTA, Jodival Maurício da. Redes técnicas e uso privado do território na Amazônia: o caso da Estrada de Ferro Carajás da Companhia Vale do Rio Doce (1997-2006). Dissertação de Mestrado Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEA). Porto Alegre, RS 2008.  116 f. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13549/000648223.pdf?sequence=1>. Acesso em 12 de agosto de 2013.

CORRÊA, Roberto Lobato. Trajetórias Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand, 2001, p. 107- 118.

PEREIRA, Mirlei Frachini Vicente; KAHIL, Samira Peduti, O território e as redes: considerações a partir de estratégias de grandes empresas. In: GERARDI, Lucia Helena de Oliveira; CARVALHO, Pompeu Figueiredo de (orgs). Geografia. Ações e reflexões. Rio Claro-SP: Programa em Pós-Graduação em Geografia- UNESP Associação de Geografia Teorética, AGETEO – 2006. p.217 – 219.

SANTOS, M; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 16 ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.

[1] Professor do curso de Geografia do DEGEO/I da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Geografia “Gestão do Território” pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).  Licenciado em Geografia pela Universidade Estadual do Centro-Oeste, (UNICENTRO) campus de Irati – PR. E-mail: zaqueudegeo@gmail.com.br

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