Educação

Educação, pulos e arte modos de experimentação

 

Daniela da Cruz Schneider[1]

Resumo: A proposta deste trabalho é pensar a educação e a educação em arte a partir de um encontro com a imagem e com o pulo. Estas imagens são propostas para se pensar educação de uma outra forma, em que um educador possa se desvestir e se permite pular com os alunos em busca da construção dos saberes. Por este motivo esta proposta tenta subverter as lógicas de poder, encontradas na instituição escolar e possibilitar a vivência com a Arte, para além de valores moralizantes.

Palavras-chave: Infância; Educação; Ensino de Arte; Imagem.

 

Abstract: The purpose of this study is to think about education and art education from an meeting with image and jump. These images are offered education to think of another way in which an educator may be putting off and allowing students to jump in the search of knowledge. For this reason this proposal attempts to subvert the logic of power, found in schools and allow the experience with art, besides uplifting values​​.

Key-words: childhood; Education; Art Teaching; Image.

  1. Considerações iniciais

 

Este artigo é resultado de pesquisa proposta para a conclusão do curso de Especialização em Educação, na Universidade Federal de Pelotas. Desenvolvido no Núcleo de Infância e Cultura: Imagem, Poética e Alteridade, sob orientação da professora Denise Bussoletti. Relata uma experiência pedagógica, tornada objeto de pesquisa.

Propõe, assim, a imagem como um lugar de encontro, entre a infância e a cultura. Para isso, uma metodologia que se diferencia do usual, buscando as matizes nos pulos e fragmentos oferecidos pelo campo de pesquisa e os outros campos, flutuantes do em torno.

 A construção deste texto se dá através de uma abordagem metodológica que privilegia a Bricologem como via de pesquisa. Ou seja, as inspirações e referências para esta construção partem de lugares do saber diferentes, são os fragmentos que formam o todo deste trabalho. São inspirações de ordens diversas que constituem um mosaico, formado por peças de vidros coloridos, dotados de aparência translúcida, pedacinhos que, apesar de seus limites, unidos pela separação, ao refletir do sol, deixam irradiar seu colorido, inundando desrespeitosamente a separação imposta pela materialidade. Lança-se ao espaço e nele, suas possibilidades… deixa-se gaseificar.

Assim apresento este texto, através de fragmentos. Pedaços de experiências, inspirações de tantos lugares, olhares que cruzam e somam-se. Uma assemblage, que busca traçar potencializar a educação através de uma poética do pulo.

 

  1. Territorializando percepções: descrição de proposta

 

A proposta, que matiza as reflexões que compõem este trabalho, foi realizada em uma turma de 5ª série da Escola Núcleo Habitacional Dunas, com 22 alunos de idades entre 11 e 14 anos. Parte de atividade prevista por plano de estudo, na disciplina de Arte, tornando-se objeto de escrita de pesquisa após o seu desenvolvimento.

A Escola Núcleo Habitacional Dunas é o meu espaço de transpirar. É o lugar que possibilita o encontro entre Arte e a Infância. Olhamos a partir de onde estão nossos pés, estas crianças, quando em contato com a Arte na escola, fazem parte de uma construção social, habitam a Infância, ao mesmo tempo em que habitam nestas infâncias o lugar Dunas.

Situada neste Loteamento (Bairro Areal – Pelotas), a Escola encontra-se na mesma situação do local: esquecida pelos desmandos públicos, reafirmando um lugar de exclusão e construção de estereótipos.

Aí, há uma infância diferente, várias, a margem ou não! Um mundo em que crianças convivem com coisas de gente grande, fazem coisas de gente grande. Se há a beleza e o sublime de ser criança dentro deste mundo de coisas grandes e pequenas gentes? Há!

Uma nova infância para mim: crianças que apesar de um isso ou de um isso tudo, não perderam a habilidade de sorrir … se encantam e ainda não se embruteceram. Perdeu-se todo o referencial de beleza infantil: rosto rosado, cheirinho de banho misturado com o de doce lambuzado, as cores primárias! Ganha espaço no meu imaginário, uma infância de rosto negro, com nuances de amadurecimento precoce, de um conhecer a vida, que ainda não era hora de conhecer. Mas que ainda… e novamente ainda, resiste ao mundo virado. Virado? virado para quem? Quem olha ou quem vive aquela realidade? Como o gambá de Rubem Alves, nossos padrões de felicidade não se encaixam ao destas crianças. Aos olhos destes encantados, o mundo está como sempre foi. Há alegria em meio a poeira, que recobre as superfícies, formando as telas em que desenham. Cambalhotas despreocupadas, abaixo de um céu que inunda a “paisagem” ao contrário. Não há medo de desafiar… é um mundo em grandes gentes pequenas, que ainda sabem valorizar as coisas muito miúdas. Ao contrário para quem olha, faz sentido para quem fica! A aprendizagem nunca é de um lado para o outro, mas preenche a vida de todos aqueles que se envolvem. E que… não de forma contraria, ainda se encantam.

Assim, não caberia dizer que a infância é mais ou menos infância aqui ou ali. O ser questionador, que desacomoda o adulto, o faz rever seus conceitos e princípios morais. E sim! Virado! Virado ao contrário, porque é assim que uma criança faz sentir o mundo, de ponta cabeça.

Educadores colecionam histórias, percepções, mas muitas vezes não se deixam desvestir de seus conjuntos de valores, para apreender as novas realidades que se impõe. Apenas somam estas vivências, acumulam, não se encharcam das novas narrativas.

Quando se trata de educação em Arte, um novo embate que se soma ao anterior: além de estar sensível para a descoberta de um novo mundo e de uma ou várias formas de se olhar para ele, é preciso atentar para os modos de se perceber arte neste espaço, considerando a riqueza das reinvenções narrativas.

Eu sentirei na exata medida em que coincido com o sentido, em que ele deixa de estar situado no mundo objetivo e em que não me significa nada. O que é de admitir que deveríamos procurar a sensação aquém de qualquer conteúdo qualificado (…) percepções de fato que conhecemos versam sobre relações e não sobre termos absolutos (PONTY, 1945, p.23).

Reaprender cada conhecimento já construído, ver além da pura racionalidade que o habita. Os conjuntos de conhecimentos estanques, as metanarrativas são ponto de partida para as subversões criativas e prazerosas do ato de ensinar, que não pressupõe o caminho chato de uma reta, ou melhor, uma seta, que parte de um ponto para outro. Ensinar é um verbo permeado de deixar-se relacionar, não vai em uma direção, mantém um movimento de vai-e-vem, uma dança entre as diferentes percepções e os diferentes saberes. Ser professor, neste contexto, é ser convidado a dançar… levinho… invadir os espaços.

Parte de uma série de fotografias realizadas pelo artista Philippe Halsmann, chamada “Jump” (pulos) e também de leituras de obras do Movimento Surrealista. Partindo da técnica de pulologia do fotógrafo, em simbiose com a estética surrealista, uma outra série de fotografias foi sugerida: os alunos foram convidados a pular e registrar os pulos uns dos outros.

Quanto aos procedimentos, o primeiro momento foi de encontro entre infâncias e imagens. Possibilitar um contato de estranhamento ou aproximação com os pulos de Philippe Halsmann. Em seguida, uma breve fala sobre o Movimento Surrealista e nova apreciação de imagens, utilizando os trabalhos de René Magritte (1898 – 1967), Salvador Dalí (1904 – 1989) e Max Ernst (1891- 1976).

III. Pulando

 

Philippe Halsmann fotografou, na década de 1940, as peripécias do artista plástico Salvador Dalí. Em uma série intitulada Dalí Atomicus, um artista fotografa as impossibilidades de outro. Tenta trazer para a fotografia os absurdos surrealistas, em sintonia com a estética do retratado. Algumas situações que somem com a realidade objetiva, apenas proporcionando os sabores dos acasos em cenas premeditadamente construídas.

Em uma de suas séries mais conhecidas, fotografava pulos. Vários de seus contemporâneos, personalidades famosas, se propuseram ao salto. Este fotógrafo dizia ter inventado a pulologia, um método que permitia a interpretação da personalidade dos indivíduos analisando a expressão de seus pulos.  Falava que no pulo as pessoas mostram quem realmente são: quando você pede a uma pessoa para pular, a atenção dela é dirigida basicamente ao ato de pular, de modo que a máscara cai e a ‘verdadeira’ pessoa aparece.”

Isso é facilmente perceptível. A relação entre o pulo e a fotografia se dá através do acaso, neste contexto. Há um momento certo para que o pulo seja pulo, caso contrário, se o operador demora uma fração de instante a mais ou a menos, o movimento é de impulso ou de estar com pés no chão. Barthes (1984), com o contrário que corrobora dizendo que “a partir do momento que me sinto olhado pela objetiva, tudo muda: ponho-me a ‘posar’, fabrico-me instantaneamente um outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem”(p. 22). Quem pula, quer o pulo, mas se deixa ser… pois contraria a força que o puxa para o solo, se solta da amarra… não há como “posar”.

É na mesma mão que Halsmann e na contramão de Barthes, que os pulos seguem. Estas fotografias são da ordem da vontade e vontades múltiplas: a de sair da sala de aula, de extravasar, de deixar o corpo solto experimentando o ar. Por outro lado, supondo o meu, de possibilitar um caminho para compreender as formas como a arte se estabelece e como pode ser experimentada.

 

  1. Imagem como encontro

 

A imagem é este lugar de encontro e confronto, em que expectativas são criadas. Existe a concepção do criador, o apelo de um possível manipulador e as verdades próprias de quem as recebe. À respeito disso Alberto Manguel (2001) fala em seu livro Lendo Imagens:

A imagem de uma obra de arte existe em algum local entre percepções: entre aquela que o pintor imaginou e aquela que o pintor pôs na tela; entre aquela que podemos nomear e aquela que lembramos e aquilo que aprendemos; entre o vocabulário comum, adquirido, de um mundo social, e um vocabulário mais profundo, de símbolos ancestrais e secretos (p. 29).

No contexto do ensino, geralmente o professor assume o papel do manipulador, veste-se de personagem que possibilita as discussões a partir da imagem. O aluno, por sua vez, toma emprestado o papel de consumidor, aquele que aprende o que uma construção visual tem para/pode ensinar. Nesta pequena história de ensinar e aprender, a imagem não é cenário, tão pouco o enredo, ela é um outro personagem, que aglutina a história e promove a reunião destes outros indivíduos.

Há de se pensar que alunos e professores possuem culturas visuais diferentes e, em alguns pontos seus acervos visuais tangenciam-se. O que uma imagem pode oferecer nesta trama é o encontro e também o choque entre as diferentes culturas de olhar e as diferentes biografias visuais[2].  Se por um lado, a expectativa do professor é motivada pelo conjunto de conhecimentos que cercam determinada imagem, por outro, os alunos reinventam os modos de ver e “ler” as provocações visuais que lhes são feitas.

Desta forma, a alteridade acaba sendo a grande mediadora das compreensões. Não é possível pensar a educação como vetor, que se direciona de um extremo para o outro. Pensar a imagem como lugar de encontro, pressupõe despir-se, deixar que as provocações não sejam unilaterais, que se espalhem, partindo da multiplicidade dos acervos visuais que coexistem no espaço sala de aula.

Evocando uma reflexão que abarque o espaço da arte na sala de aula, tratando de uma cultura visual pretensiosamente artística, pensar a imagem como narrativa visual a ser decodificada, seria uma das formas de barrar esta dança entre percepções de alunos e professor. As imagens “talvez sejam apenas presenças vazias que completamos como nosso desejo, experiência, questionamento e remorso.” Experiências com estas e com as imagens estimuladoras de consumo nos constituem e “qualquer que seja o caso, as imagens, assim como as palavras, são a matéria de que somos feitos” (MANGUEL, 2001, p. 21).

Imersos nestes universos visuais, de diferentes culturas visuais, a imagem sempre assumirá o papel de encontro. Imagem ou artefato visual, como já mencionado. Epistemologias a parte, o que se discute é variedade de olhares que se direcionam ao objeto visual. As percepções diferem-se, andam lado a lado ao acabam colidindo, justamente por não haver a noção da diferença de contexto destes olhares. Para que haja uma educação a partir da imagem é preciso se ter consciência que a idéia de uma leitura hegemônica não existe, tão pouco há

receptores nem leitores [pensando no âmbito da cultura visual], mas construtores e intérpretes na medida em que a apropriação não é passiva nem dependente, mas interativa e de acordo com as experiências que cada indivíduo tenha experimentado fora da escola (HERNÁNDEZ, 2000, p. 136).

Este múltiplo de olhares é resultados das diferentes visões de mundo que abarca a Escola. Os contextos culturais e sociais são diversos, mesmo em uma escola pública de um determinado bairro. São diferentes concepções de mundo, construídas por pilares morais e de valores diferenciados, mediados por experiências visuais ainda mais diversificados. Desta forma, este lugar em que se pensa a cultura visual está longe de ser homogênea, antes brinda as ações educativas com a diferença, que não pode ser apenas reconhecida, mas saboreada.

Os discursos em torno das imagens, neste contexto, assumirão as matizes da diferença e suas significações não Irã emanar da imagem em si “mas dos diálogos produzidos entre elas e as pessoas, sendo que estes diálogos são mediados pelos contextos culturais e históricos” (CUNHA, 20007, p.119), corroborando o que já foi exposto.

  1. Notas conclusivas

Porque unir estes conceitos/elementos? A infância desafia a ordem racional da mesma forma que o faz a Arte. A imagem se põe como um lugar de encontro entre estes dois outros, no contexto da aula de arte. E, discutir educação através de uma brincadeira-bricolagem, de metodologia dos fragmentos, estabelece-se como um desvio para outra via, um outro modo de pensar as relações com a imagem na educação.

Assim, o pulo neste trabalho está relacionado a este desvio. Pensado para uma educação que escape do padrão estabelecido e possa lidar com as vontades.

Tratou dos diferentes desejos: alunos que pulam no espaço/tempo sala de aula; professora que pode convidar ao passeio pela e através das imagens, pensando em um encontro em pulos, escapes da força que nos prende ao chão, aos desejos de racionalização de uma área de conhecimento que pretende a experimentação.

Referências

BARTHES, Roland. A Câmara Clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura Visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000.

MANGUEL, Alberto. Lendo Imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

SOUZA, Solange Jobim e (org.). Subjetividade em questão: a infância como crítica da cultura. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005.

______. Educação @ pós-modernidade: ficções cientificas e ciências do cotidiano. Rio de Janeiro: 7letras, 2003.

VIEIRA DA CUNHA, Susana R. Pedagogias de imagens. In: DORNELLES, Leni Vieira (org). Produzindo pedagogias interculturais na infância. Porto Alegre: Vozes, 2007, p. 113-145.

Ler foneticamente

Dicionário

[1] Mestre em Educação pelo Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pelotas. Especialista em Educação (UFPel) e graduada em Artes Visuais – Licenciatura (UFPel). E-mail: danic.schneider@gmail.com

[2] Termo utilizado por Susana Rangel Vieira da Cunha (IN: CUNHA, Susana R.V. da. Cultua Visual, Gênero, Educação e Arte, ANPED) que tomo emprestado para falar sobre as imagens que constituem a subjetividade de um indivíduo.

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