Povos Indígenas

Índios Urbanos em Rondônia: processo migratório e repercussões nas escolas públicas

 

Índios Urbanos em Rondônia: processo migratório e repercussões nas escolas públicas

Patrícia Dias[*]

Resumo: Este trabalho teve como principal objetivo compreender as razões que mobilizaram os indígenas das etnias Arara, Gavião e Zoró a deixar sua terra e vir morar na cidade de Ji-Paraná, bem como as repercussões que esse processo migratório dos povos indígenas causa dentro da escola pública do referido município. Desse modo, o trabalho teve amparo metodológico nos estudos de Minayo (2010) e Bardin (2011) como instrumento de pesquisa qualitativa para trabalhar as entrevistas de modo semestruturada junto aos indígenas colaboradores, que na oportunidade foram todas analisadas. Assim, podemos inferir que os motivos mais comuns dos indígenas das etnias Arara, Gavião e Zoró vir morar na cidade estar diretamente relacionado ao trabalho ou em busca dele, e há procura de escolas a fim de concluir o ensino Médio. 

Palavras chave: Índios urbanos, Município de Ji-Paraná, Repercussões na escola pública.

 

O presente trabalho surgiu a partir dos estudos relacionados à temática “Índios Urbanos” quando percebemos que havia lacunas, pouco material sobre a temática a fim de apresentar elementos para substanciar os estudos dos projetos: Lápis, caderno, flecha e preconceito: feições da violência institucional com crianças indígenas em escolas públicas urbanas de Rondônia e Povos Indígenas: a reedição do contato?, Que se desdobrou em alguns subprojetos onde pesquisou sobre a violência institucional contra crianças indígenas urbanas de Ji-Paraná-RO.

Na ocasião o referido projeto se desmembrou em aspectos evidenciados a partir de quatro sujeitos centrais: crianças indígenas, seus familiares, docentes e gestores. O objetivo do estudo tem sido investigar estas diferentes perspectivas, no intuito de verificar possíveis elementos que podem ser traduzidos em violência institucional escolar em instituições públicas de ensino na área urbana do município de Ji-Paraná Rondônia, com estudantes indígenas que estão cursando o Ensino Fundamental.

Em função destas experiências surgiu a necessidade de continuar aprofundando os estudos a respeito da relação entre indígenas, cidade e a escola urbana de Ji-Paraná, uma vez que não temos dados aprofundados a esse respeito. Para investigar a temática ora apresentada, foi necessário o desenvolvimento do trabalho “Índios Urbanos: razões da migração e repercussões das etnias Gavião, Arara e Zoró nas escolas públicas da cidade de Ji-Paraná-RO” sendo um trabalho de conclusão de curso aqui apresentado em formato resumido, a fim de compreender as razões que mobilizaram os indígenas das referidas etnias a deixarem sua terra tradicional e vir morar nesta cidade.

Realizamos entrevistas com indígenas que vivem na cidade de Ji-Paraná com o objetivo de levantar dados a respeito das razões que mobilizaram algumas

famílias a sair de sua terra para vir morar na cidade e qual é a repercussão que esse processo migratório dos povos indígenas causa dentro da escola pública do referido município. Na ocasião foram entrevistadas duas (02) famílias da etnia Arara, duas (02) da etnia Gavião e uma (01) da Etnia Zoró.

Neste trabalho optou-se em trabalhar com a pesquisa qualitativa segundo orientações de Minayo (2010) e a utilização da técnica de entrevista estruturada e semiestruturada, que possibilita uma flexibilidade maior de expressão ao entrevistado. E também na perspectiva de Analise de Conteúdo de acordo com estudos de Bardin (2011) onde ocorreu à análise do material coletado em campo, momento em que foi realizado uma comparação do que foi constatado nas entrevistas realizadas junto aos indígenas no trabalho de campo com o referencial teórico estudado.

2– MOTIVOS DA MIGRAÇÃO DOS ARARA, GAVIÃO E ZORÓ, PARA CIDADE JI-PARANÁ.

As razões que mobilizaram indígenas das etnias Arara, Gavião e Zoró a sair de suas aldeias e vir morar na cidade de Ji-Paraná-RO, são bem variados. Heliton Tinhawambá Gavião é daqui de Ji-Paraná, da Terra Indígena Igarapé Lourdes, uma pessoa muito respeitada junto ao movimento indigenista. Atua junto à Comissão Nacional da Política Indigenista – CNPI, além de representar na Secretaria do Meio Ambiente deste município as duas etnias da Terra Indígena Igarapé Lourdes. Há 08 (oito) anos mora com a família em Ji-Paraná. É casado com a Elizabete, que não é indígena, com quem tem quatro filhos – dois meninos e duas meninas. Em sua casa ouvimos o relato abaixo:

Saí da aldeia com o objetivo de atuar diretamente efetivamente do movimento indígena para ficar mais fácil de acompanhar a política pública do governo para com os povos indígenas e como há instituições que trabalham diretamente com a questão indígena que é a FUNAI […]. Desde pequeno acompanho meu pai no movimento indígena desde 11 (onze) anos e depois fui eleito numa organização chamada Padereéhy em 1998. E desde 1998 comecei a me dedicar bastante nas associações indígenas pra tentar buscar apoio com parcerias município, estado, e a nível nacional. Comecei a acompanhar o movimento indígena também a nível nacional que é o acampamento Terra Livre que é um encontro de nível nacional, então pra mim fica mais assim, pra busca experiência eu precisei me mudar para cá, não devido assim de ter, vamos dizer assim a falta de escola na aldeia, a falta da saúde, a falta de outras coisas. Não em busca de emprego. […]

O morar na cidade então, está diretamente relacionado a demandas de interesse coletivo e não individual questão bem enfatizada no relato. O morar longe da aldeia traz desconfortos considerando as preocupações com a segurança praticamente inexistentes no cotidiano do território indígena: “[…] Como eu nasci na aldeia […] não tem liberdade de a gente sair conversar com os parentes e vamos dizer assim descansar um pouco na floresta, caçar, pescar, trocar ideia então isso é que falta, faz a gente sentir como um prisioneiro aqui na cidade. […]”.

Destaca que apesar de viver longe da aldeia as compensações que tem em morar na cidade se expressam nas atividades do movimento indígena, os encontros com outras etnias, as viagens possibilitam  bem estar, segurança e felicidade – ocasiões em que juntos podem analisar seus problemas e planejar ações em prol as comunidades indígenas. No entanto, é possível observar que mesmo o forte ideal de coletividade bem evidenciado na fala de Heliton Gavião não impede que avalie que o envolvimento no movimento teve um alto preço pessoal que foi o distanciamento da família onde os dois filhos mais velhos cresceram sem sua presença de pai: “[…]  essa é uma coisa que deixou marcado na minha vida, e eu acho que nesta área foi difícil pra mim, deixar minha família sozinha e eu me dedicar mais a questão do movimento indígena para garantir o direito do meu povo”.

Delson Kavsape Gavião tem 32 anos, pertence à etnia Gavião da Terra Indígena Igarapé Lourdes, Aldeia Ikolen. Atualmente coordena a Organização Indígena PADEREEHJ  do município de Ji-Paraná que congrega povos de duas terras indígenas. Terra indígena Igarapé Lourdes e Rio Branco em Alta Floresta. Mora na cidade desde os 12 anos de idade e tem um filho que estuda na escola pública urbana.

Vim para cidade com objetivo de concluir meus estudos, mas acontece que o compromisso referente à nossa atuação política como liderança ela se deu assim como um Compromisso para a gente ta puxando essa responsabilidade para a gente e aí devido a isso particularmente não tive muita oportunidade de esta fluindo no estudo. A gente coordena duas terras indígenas como instituição representativa e articuladora desses povos tem esse compromisso e um dos objetivos nosso é lutar pelo interesse coletivo de todos os povos que são congregados a essa instituição indígena. […]

 A vinda para cidade com objetivo de estudar, tornou uma oportunidade de estar buscando melhorias para seu povo, com isso percebe se o quanto os povos indígenas das referidas etnias assumem obrigações, as lutas política desde cedo, seja por crescerem acompanhando o ritmo pais ou por simplesmente ver o sofrimento de seus parentes e não mais conseguirem ficar de braços cruzados. Podemos destacar também que esses trabalhos frente as políticas indigenistas são realizados de forma voluntária onde é preciso estar sempre viajando o que impedi de estar buscando um emprego fixo na cidade, eis ai uma das grandes dificuldades enfrentadas pelos indígenas colaboradores deste trabalho e moradores da cidade de Ji-Paraná.

Dora Thuin Arara tem 36 (trinta e seis) anos, mora na cidade desde 2010. Mora com os sobrinhos que vieram para estudar na escola urbana são 08 sobrinhos sendo o mais velho com 23 anos e o mais novo com 13 (treze). Dora estuda no 3° ano do ensino médio à noite e durante o faz as coisas de casa, faz artesanato e cuida dos sobrinhos. Na cidade mora em casa alugada e os pais das crianças, os irmãos dela  ajudam a pagar o aluguel, com venda de artesanato, bolsa família  cada um ajuda um pouquinho.

O meu motivo de vir para cidade é para estudar porque lá não tem ensino médio, só até o 9° ano e meus sobrinhos não estudam na aldeia porque lá eles não aprendem, agora estão aprendendo tem o Ryan, Giovane mesmo ninguém sabia. […] Tem gente que vem para cidade porque gosta, eu não gosto não eu venho para terminar os estudos. Quantos anos que a gente estuda na aldeia? E nunca que ninguém sabe em qual ano que a gente está na escola, quantos que a gente tirou lá na aldeia, é assim tem a aula diferenciada que o pessoal fala de pesquisa, mas aqui a gente vai saber o que a gente já estudou se já terminou o estudo por isso que vim pra cá […]

De acordo com esse relato nos permite julgar que a vinda da aldeia para cidade também ocorre em torno da procura da escola da cidade, principalmente, a fim de concluir o ensino médio uma vez que as aldeias ainda não oferecem. No caso de Dora ela veio para concluir o ensino médio e trouxe também os seus sobrinhos que alguns ainda fazem o ensino fundamental para estudar, por julgar que a escola urbana ensina melhor que a escola da aldeia.

Cesar Aupi Zoró, pertence à etnia Zoró, já está morando na cidade há 18 (dezoito) anos na cidade de Ji-Paraná. Fica mais tempo da cidade, porém vai sempre à aldeia porque seus pais moram lá. É casado com Eliane não indígena tem 04 filhos todos estão estudando na escola publica da cidade. E trabalha como motorista da distribuidora Rondolândia que leva a merenda para as escolas indígenas, no qual esta sempre em contato com seu povo.

Eu vim para cidade porque minha esposa é funcionaria pública municipal e depois vieram também às crianças ai ficamos aqui para estudarem na cidade de Ji-Paraná e as crianças precisam aprender o português e aprender muitas coisas e assim a gente tem ficado aqui, e as crianças estão indo bem estudando, mas depois quando eles terminarem de estudar quero que ele se forme na área para defender os direitos dos indígenas para defender o povo. Aqui também fica mais fácil tem acesso à saúde que é mais próximo aqui qualquer coisa o pessoal da casa busca e te leva no hospital é mais fácil pra mim, mais quando você mora na aldeia lá é muito difícil tem que passar no rádio aí o carro vai buscar lá. Mas fora isso não vejo diferença entre morar na aldeia e na cidade.

De acordo com este relato, podemos afirmar que não só por motivos de trabalho ou para estudar e entre outros é motivos para vir morar na cidade, o casamento entre indígenas é não indígenas também podem influência neste processo migratório. Foi o que aconteceu com Cezar Aupi Zoró, que como a sua esposa Eliane já era funcionário pública municipal ela não poderia morar na aldeia e com isso Cezar afirma que hoje em dia ao ver diferença entre morara na cidade de morar na aldeia e se mantém morando na cidade Ji-Paraná para os filhos estudarem no qual julga a escola urbana como sendo melhor da que tem na aldeia hoje.

Deste modo, podemos inferir que os motivos mais comuns dos indígenas das etnias Arara, Zoró e Gavião vir morara na cidade estar diretamente relacionado ao trabalho ou em busca dele melhorias para se povo nestas questões sociais onde lutam por direitos iguais perante as políticas públicas no estado, e, há também uma procura significativa das escolas urbana a fim de concluir o ensino Médio no caso dos jovens ou no caso de alguns pais e mães que vem morar ou mandam seus filhos para casa de parentes que vivem na cidade por acreditar que então indo em busca de estudos  mais eficazes.

3-   REPERCUSSÕES NAS ESCOLAS PÚBLICAS URBANA DE JI-PARANÁ

Sabe-se que muitas etnias procuram a escola do não indígena como forma de entender a sua cultura, na tentativa de se defender e com isso obter melhores condições de vida, talvez por conhecer sua capacidade de competir com a sociedade dotada de tecnologia superior que se instalou em seu meio. Mas, esta instituição, parte dessa mesma sociedade, não parece compreendê-los e nem estar preparada para tratá-los na sua “diferença.” (REZENDE, 2009, p. 13).

A vinda da aldeia para a cidade classifica-se como uma condição indígena na atualidade que evidencia uma característica recente. Estudos[2] a respeito da presença indígena na cidade explicitam que essa condição provoca outros desdobramentos tais como a necessidade de matricular seus filhos e filhas na escola da cidade. Este novo contexto no qual os povos indígenas precisam entender para lidar com ele – o espaço urbano e a escola –  que é o nosso principal objeto de atenção neste capítulo.

A esse respeito Both (2006), no texto “Migração e História dos Estudantes Indígenas em Escolas Urbanas” discute a procura e a importância da educação na vida dos indígenas e sua presença na escola como algo que tenciona e pode resultar em avanços coletivos:

A escola na vida do estudante índio tem um papel político, ela em si é um local de contradições e de aprendizagem. Nela atuam forças que podem ser mobilizadas para alterar dentro das limitações da escola, dar contribuição à mudança. Por outro lado, a escola urbana não atende apenas aos filhos das classes dominantes, mas a um conjunto de indivíduos de diferentes classes empenhados na busca do saber. Os estudantes índios encontram nas escolas das cidades outros estudantes pertencentes a outros grupos culturais socialmente excluídos, também estão sujeitos a uma aprendizagem processual nas escolas urbanas. (BOTH, 2009, p. 01)

O autor afirma ainda que o reconhecimento dos direitos fundamentais enquanto sociedades diferenciadas são importantes para garantir os direitos dos povos indígenas, não somente para a concretização do indivíduo politicamente, mas ainda para certificação dos direitos anunciados pelo direito de posse de terras e também ingresso à ensino formal”. Pois a escola urbana  “não quer vê nas culturas populares mais que culturais no sentido antropológico do termo, e isso na melhor das hipóteses: e, paralelamente, reforça ao mesmo tempo em que oculta a relação que a cultura escolar mantém em com a cultura dominante” (BOTH, 2009, p. 03).

As falas dos pais deixam claro a insegurança de alguns em matricular seus filhos na escola da cidade uma vez que nota-se o quantos a população indígena passa a não ser bem aceita na sociedade dos não indígenas ao longo da história, e principalmente quando este índio vem morar na cidade, a esse respeito os colaboradores relatam:

Entrevista 01: […] Os meus filhos, os dois começaram estudar na aldeia, o meu filho mais velho e o menor os dois meninos estudaram na aldeia, com as professoras indígenas, depois que a gente mudou para cidade e a gente matriculou aqui na cidade, e isso não deu a vantagem, assim eu tinha muito medo de deixar meu filho estudar aqui na sala de aula da cidade […] Heliton Tinhawambã Gavião.

Entrevista 02: […] Tenho um filho que estuda aqui na escola da cidade. […] Eu acredito que a escola deveria ter mais um pouco de motivação ter uns conteúdos para motiva o aluno, tem aquele conteúdo que o aluno vê é percebe que é um conteúdo bem interessante e o aluno começa a se interar mais com o assunto e a metodologia em relação ao conteúdo deveria mudar um pouco mais neste sentido aí […] Delson Gavião.

Entrevista 03: […] O Ryan tinha 12 anos quando ele veio para cá não sabia nem ler o alfabeto, o ABCD, não sabia nada ai parece que ele aprendeu mais e que é assim também na aldeia os professores saem muito para fazer curso ai ficam paradas as aulas, e os professores daqui se eles saem vem outro ficar no lugar por isso que a gente trouxe as crianças para estudar aqui. […] Dora Thuin Arara

Entrevista 04: […] A escola daqui eu não considero como sendo melhor que a nossa não, melhor que a outra não tem não, só tem a comparação o modo de ensinar, o professor da aldeia tem o modo dele de ensinar e da cidade também tem outro jeito de ensinar. […] Marli Peme Arara.

Entrevista 05: […] Nós estamos ficando aqui para minhas crianças estudar na cidade e moramos em Ji-Paraná para os meus filhos estudar e aprender português e aprender muitas coisas também, e assim a gente tem ficado aqui e as crianças estão indo bem estudando na escola daqui, mas depois, quando elas  terminar os estudos, as  criança vão defender os direitos dos indígenas, estudam  para defender  o povo […] Cezar Aupi Zoró.

De acordo com o relato dos colaboradores, podemos perceber que os pais 01 e 02, falam da preocupação em deixar os filhos estudarem na escola da cidade e também afirma sobre a importância desta escola em se preocuparem mais a cerca do conteúdo trabalhado na sala de aula, uma que vez os indígenas não se sentem representados nos matérias utilizados no processo de aprendizagem. Já a mãe, entrevista 04, defende que a escola da aldeia não é diferente da escola urbana, para ela são maneiras de ensinar diferentes porem o efeito da aprendizagem é o mesmo.

 Os colaboradores 03 e 05 manifestam a respeito da importância da escola da cidade para o sucesso na aprendizagem de seus filhos, porém são categóricos em afirmar ao longo da entrevista, que na escola urbana os alunos indígenas vêm enfrentando alguns preconceitos. Sendo assim nota-se que a escola urbana deixa transparecer acerca dos problemas que vem enfrentando por não estar preparada para lidar com a temática, fazendo com que aumente ainda mais o preconceito para com esses povos.

Por preconceito entende-se a atitude negativa que tem a intenção de criar um ambiente de desigualdades, que não considera a diferença entre pessoas ou grupo, que põe o outro em situação de desigualdade. O preconceito é a recusa em reexaminar as convicções, podendo se tornar dogmas que podem levar à discriminação. Considerando o diferente como inferir, deles são excluídos os privilégios que os “melhores” desfrutam. Entende-se que a manifestação comportamental de preconceito é discriminação.  (REZENDE, 2009, p. 20)

Rezende afirma ainda que o preconceito e a discriminação, tanto a racial como o de desigual socialmente, por ser homem ou mulher, são sempre algumas atitudes que ocasionam prejuízos as violentado. A respeito do preconceito dentro da escola nota-se que a educação escolar, além de reproduzir a cultura dominante, contribui para a perpetuação da desigualdade social, pois não propicia às classes populares um acesso igualitário à educação. Alguns autores[3] evidenciam que o processo educacional não deve reproduzir ações centradas em uma única característica cultural, mas levar em consideração todas as alteridades existentes no espaço escolar.

Para entender melhor a questão do preconceito na escola, abordaremos esse preconceito na perspectiva de violência institucional. Pois as violências sofridas muitas vezes nas escolas não são apenas física, mas também psicológica (CANDAU, 2008). Essa violência psicológica é entendida como aquela que coage as pessoas, humilha, diminui sendo assim interpretada como violência institucional, que na maioria das vezes é a violência mais difícil de diagnosticar, por acontece de maneira silenciosa para as pessoas ao redor, mas a vitima sabe que esta ocorrendo.

Para muitos estudiosos[4], o que determina a violência, sobretudo a institucional é o desrespeito, a coisificação, a negação do outro, a violação dos direitos humanos, fatos estes que se somam a uma realidade social de miséria, exclusão, corrupção, desemprego, concentração de renda, poder e autoritarismo. Levando em conta a história de Rondônia e os conflitos resultantes do processo colonizatório, trabalhamos com a hipótese de que o conflito inter étnico permanece latente se manifestando, dentre outros canais através da violência institucional escolar.

Em relação aos preconceitos observados pelos pais e mãe no ambiente escolar, relataram principalmente, a respeito da violência institucional, pois, em todas as falas os pais relataram a cerca de fatos desta natureza envolvendo os alunos e os membros da escola:

Entrevista 01: […] Nós sabemos que tem muitos povos assim muitos alunos, professores que tem muitos preconceitos ainda sobre os indígenas, eu mesmo assim até o momento não recebi tanta reclamações, só uma vez que o meu filho caçula, nós sabemos muito bem que as pessoas aproveitam a humildade, a simplicidade da pessoa para jogar culpa vamos dizer assim: Alguns alunos bagunçaram e jogaram a culpa em cima dele, e a minha filha também tempos atrás as alunas, as coleguinhas delas com certeza da sala de aula, talvez bagunçaram e a professora, diretora parece achou que era ela que estava bagunçando sobrou só nela a culpa,  só para cima dela. Com certeza a escola ainda tem bastante preconceito. […] Heliton Tinhawambã Gavião.

Entrevista 02: […] Eu acho que na escola da cidade tem preconceito com o índio porque não é da mesma cultura deles, essa parte eu acho um ponto negativo da escola. Minha filha falou uma vez sobre um professor de educação física, que na hora da educação física, ele ficava perguntando o nome dele em indígena, na língua nossa, ai ela ficou com vergonha daquele monte de criança, e ela não queria ir mais para aula. […] Marli Peme Arara.

Entrevista 03: […] Aqui na escola da cidade, teve uma vez que as crianças tiveram um professor em um determinado ano que ele brincava muito com os meninos, ele apelidava as crianças chamava os meninos de curva de rio ai tivemos de ir lá conversar com ele, mas foi só esse único professor e era um professor que estava afastado da sala de aula e tinha retornado naquele ano para sala de aula. Ele era funcionário municipal ai ele fazia umas brincadeiras bobas com as crianças, mas foi o único os demais não. […] Cezar Aupi Zoró.

Entrevista 04: […] Pelas informações que tenho recebido em relação à escola eu acredito que deveria ter um pouco mais de conhecimentos relacionados com a questão indígena, em o índio vir estudar numa escola pública da cidade, que por muitas vezes a gente percebe que por ser indígena até o próprio professor da escola começa agir de uma forma diferente em termo de aprendizado da pessoa. […] Delson Gavião.

Nos quatros relatos fica evidente as marcar deixados pelo preconceito aos alunos, na primeira entrevista o pai descreve que a filha foi à única responsável por algo que seria o grupo todo, na segunda o professorar coage a estudante por querer saber o nome o nome dele na língua indígena, neste caso a falta de conhecimento do professor fez com a aluna pensasse em desistir da escola, pois é sabido que nomes próprios nem sempre tem tradução em outras línguas. E na terceira entrevista mais uma vez o professor que em vez que fazer o papel dele como formador de opiniões críticas, na sala de aula usa um termo pejorativo para tratar o aluno indígena, “curva de rio”.

Para Abramovay (2002) há vários estudos que vem sendo desenvolvidos com o intuito de compreender como a violência institucional escolar acontece, uma vez que esta violência não está vinculada somente a questão da criminalidade, mas também sua relação com que questão da exclusão social, miséria, ao desamparo político, tendo em vista sua desagregação social relacionadas com a exclusão social e institucional como aponta os pais na entrevista nas entrevistas acima.

 Na análise destas entrevistas percebe se o quanto a escola da cidade está despreparada para lidar com as diferenças, em especial, as diferenças culturais onde o diferencial passa a ser considerado como algo “estranho” sendo preciso padronizar fisicamente falando, para que o aluno não possa sofrer com esses preconceitos, como se a culpa estivesse na vítima. E porque não pensar diferente? Fazer uma escola melhor onde todos possam aceitar as peculiaridades de cada um, a fim fazer uma educação intercultural realmente.

Nas respostas apresentadas observamos uma fala recorrente a respeito do por que estudar na escola da cidade, “para um dia se forma em alguma coisa e voltar para ajudar deu povo”. Uma das características dos índios urbanos (OLIVEIRA, 2009) é viver em meio de maioria não indígena, mantém contato com seu povo, sua aldeia e lutam para o reconhecimento de sua cultura e sai identidade. Sendo assim podemos perceber que os colaboradores mesmo matriculando seus filhos e filhas na escola da cidade, independentemente dos motivos, tem a consciência da importância que estes alunos tenham conhecimento a cerca da sua origem sendo orientados a estudar com objetivo de ajudar e defender seus povos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo permitiu compreender múltiplas situações, há indígena que trazem seus filhos para estudar em escolas da cidade e continuam na aldeia a fim de uma escola com maior qualidade, nota-se que as famílias também vêm para zona urbana a fim de arranjar um trabalho, em especial os jovens, que na maioria das vezes não tem suas expectativas atendidas, sendo a partir destas hipóteses que iremos trabalhar a fim de confirmar ou não estas informações.

E quando relacionamos a vinda desse indígena para a zona urbana e a repercussão deste fenômeno dentro do ambiente escolar percebe-se que há muitos preconceitos que precisam enfrentar todos os dias, em especial na escola onde deveria ser um lugar para proporcionar um ambiente de aprendizagem acaba sendo palco por exclusão, preconceitos, discriminação e violências tais como a institucional (REZENDE, 2009).

A escola urbana dentre outros mecanismos dispõe da Lei 11.645/2008, porém muitas escolas não a põem em prática. A referida lei se refere à inclusão de vários aspectos da história e da cultura dos africanos e povos indígenas as suas  lutas, suas culturas ressaltando a  importância deles para a  formação da sociedade nacional, “resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.” (BRASIL, 2008).

 Este estudo poderá contribuir no entendimento das razões que estão levando os indígenas a sair da terra, podendo ser compartilhado para toda a comunidade indígena e não indígenas a fim de garantir que todos tenham os mesmos direitos preservados e que não haja discriminação como vem acontecendo, uma vez que muitas pessoas admitem que se é índio tem que viver na mata ou a ideia equivocada de que se é sustentado pelo governo recebendo um salário, simplesmente por ser índios.

Assim, a partir do estudo realizado podemos inferir que os motivos mais comuns que levam os indígenas das etnias Arara, Gavião e Zoró a migrarem para a cidade de Ji-Paraná são relacionados ao trabalho que realiza frente às demandas da comunidade, ou a procura de trabalho e para estudar, em especial para concluir o ensino médio onde as escolas das aldeias ainda não possuem esse nível de ensino, com exceção o povo Zoró que já o implantou. Porém percebe-se que nem sempre a escola urbana corresponde as expectativas daqueles que a procuram. Em contrapartida os indígenas que para cá migraram não desistem de seus sonhos estão sempre à luta, em especial no que diz respeito à valorização de sua cultura e preservação de sua identidade nestes novos contextos.

REFERÊNCIAS

 

ABRAMOVAY, M. (Org). Violências no cotidiano das escolas. Brasília: UNESCO, 2002.

BOTH, Sergio José. Da aldeia a cidade: o cotidiano de estudantes paresi em escolas urbanas de Tangará da Serra/MT. (Dissertação de Mestrado de Educação). Universidade Federal de Mato Grosso, 2006.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo:  70ª. ed, 2011.

BRASIL, Lei  11.645/2008. Inclusão no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br Acesso 13/07/2013.

CANDAU, Vera. Escola e violência. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2008.

MINAYO, Maria C. S(org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2010.

NEVES, Josélia Gomes. Currículo Intercultural: o processo de ampliação da Lei 11.645/2008 nas escolas publicada Amazônia. Revista Partes, 15.05.2013,São Paulo.

OLIVEIRA, G. Muller de. Índios urbanos no Brasil. Considerações demográficas, educacionais e político-lingüísticas. Outubro de 2009. Disponível em: http://www.ipol.org.br/ler.php?cod=510 >Acesso dia 27 de março de 2013.

 

SECCHI, Darci; MENDONÇA, Terezinha Furtado de. (Orgs.). Sérgio José Both. Da aldeia à cidade: estudantes indígenas em escolas urbanas. Cuiabá: EdUFMT, 2009.

SECCHI, Darci; MENDONÇA, Terezinha Furtado de. (Orgs.). Gerson C. Rezende. Fronteira Cultural: A relação indígenas e não – indígenas na zona urbana. Cuiabá: EdUFMT, 2009.

 

[*] Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Membro do Grupo de Pesquisa na Amazônia – GPEA

[2] (BOTH, 2009); (REZENDE, 2009); (SANTANA, 2004); (SANTOS, 2013).

[3] (BOURDIEU, P; PASSERON, 1975; CANDAU, 1999; ABRAMOVAY, 2002)

[4] (BOURDIEU, P; PASSERON, 1975; CANDAU, 1999; ABRAMOVAY, 2002)

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