Crônicas Margarete Hülsendeger

O gato que ri

O GATO QUE RI

Margarete Hülsendeger

 

Si viéramos realmente el Universo, tal vez lo entenderíamos.[1]

Jorge Luis Borges

Margarete Hülsendeger é Física e Mestre em Educação em Ciências e Matemática/PUCRS. É mestra e doutoranda em Teoria Literária na PUC-RS

Segundo o dicionário Houaiss, a expressão “entidade” é definida como sendo “aquilo que constitui a existência de algo real; essência”. Para os físicos muitos fenômenos são “entidades matemáticas”, ou seja, existem apenas na forma de equações complexas. Esse é o caso do que, na física quântica, se chama “função de onda”.

Explicar, sem matemática, o que seria uma “função de onda” não é uma tarefa fácil. No entanto, de uma forma bastante simplificada pode-se dizer que a “função de onda” descreve as propriedades de qualquer sistema quântico. E aí se poderia perguntar: “o que é um sistema quântico?”. A resposta, igualmente simplificada, seria que se trata de sistemas cujas dimensões são muito, muito pequenas, próximas ou abaixo da escala atômica, como, por exemplo, uma molécula, um elétron, um próton ou qualquer partícula subatômica.

Assim, a “função de onda” é uma equação capaz de descrever, por exemplo, a posição e a velocidade de um elétron. Há, porém, um problema: quando uma dessas propriedades é medida, a outra desaparece ou, como os físicos gostam de falar, “colapsa”. Um caso clássico é o do famoso “Gato de Schrödinger”.

Trata-se de um gato fictício que pode estar vivo e morto até que alguém olhe dentro da caixa onde ele se encontra preso. Enquanto a caixa estiver fechada há o que se denomina de “superposição de ondas”. Nesse estado todas as possibilidades ou realidades (vida e morte) coexistem. Apenas quando se abre a caixa – e o “colapso” acontece– é que somente uma realidade passa a existir.

Na literatura temos um caso similar, o irritante “Gato de Cheshire”, personagem do livro Alice no País das Maravilhas, do escritor inglês Lewis Carroll. Esse gato, também chamado de “Risonho”, pois passa o tempo todo com um sorriso sarcástico no rosto, oferecendo pistas absurdas para a pobre da Alice, é capaz de aparecer e desaparecer conforme o seu desejo. E mesmo quando está invisível ainda pode-se ouvir sua voz e, muitas vezes, ver apenas o contorno de sua boca. Se relacionarmos essa capacidade de aparecer e desaparecer com uma “escolha” entre estados quânticos, estaremos diante do colapso da função de uma onda.

Então, os gatos são uma onda? Sim e não. Os gatos, mortos e/ou vivos, visíveis e/ou invisíveis, são o resultado do comportamento da função de onda quando o observador resolve intervir, ou seja, abrir a caixa ou conversar com Alice. Antes de qualquer um desses eventos acontecer – antes do colapso! – tudo é possível!

Essa não é uma ideia totalmente absurda. Ao contrário. Alguns físicos acreditam que seja possível e até deram um nome para essa possibilidade: “teoria dos multiversos”[2]. Os adeptos dessa teoria acreditam que a função de onda, além de não colapsar, é capaz de descrever as propriedades de vários universos. Assim, enquanto neste universo o “Gato de Schrödinger” está vivo, em outro estará morto. E eles vão mais longe ao afirmar que, quando qualquer propriedade de um sistema quântico for medida, “infalivelmente” encontrará o valor da propriedade que vale para este universo. Sem escolhas. Sem colapso. Um gato absolutamente morto ou absolutamente vivo. E um gato que poderia aparecer ou desaparecer quando bem quisesse, sem que isso fosse estranho ou milagroso.

Parece tudo uma grande maluquice. Absurdos que apenas um “Chapeleiro Louco” seria capaz de imaginar. Contudo, o conceito de “função de onda” ou a “teoria dos multiversos” são, para muitos físicos, “entidades” reais e, portanto, material sério de pesquisa. Assim, quem ainda acredita que exista um abismo entre a ficção criada pelos escritores e a ficção dos cientistas deve repensar seus conceitos. Quanto mais adentrarmos na física quântica com mais frequência perceberemos os pontos em comum entre essas duas formas de criação, sendo que o mais evidente é a capacidade de imaginar universos além da nossa limitada compreensão.

Continua…

[1] “Se víssemos realmente o universo, talvez o entenderíamos” (Jorge Luis Borges – tradução livre).

[2] Ver “Alice e o Coelho”:  http://www.partes.com.br/2015/01/12/alice-e-o-coelho/

 

HÜLSENDEGER, Margarete Jesusa Varela Centeno . O GATO QUE RI. REVISTA VIRTUAL PARTES, SÃO PAULO, 05 fev. 2015

Deixe um comentário