Crônicas Gilda E. Kluppel Gilda E. Kluppel

Belas palavras

Belas palavras

Gilda E. Kluppel

 

Gilda E. Kluppel é professora de Matemática do ensino médio em Curitiba/PR, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

Gostava de falar palavras bonitas, aquelas com uma boa sonoridade. Quando ouvia alguma palavra diferente, considerada agradável, anotava num bloquinho de papel, que carregava sempre junto ao bolso da camisa. O sentido da palavra não era relevante, apenas a beleza do som que elas produziam. Pretendia causar impacto. Sentia-se valorizado quando as pessoas não compreendiam o significado das expressões que usava. Para ele, o importante são as muitas voltas e firulas para se expressar.

Julga elegante ao mencionar “quero falar consigo”, quando se refere à outra pessoa, apesar de seu chefe alertá-lo de que falava consigo mesmo. Não se importa, acredita deixar uma boa impressão por onde circula. Não compreendia bem o sentido de algumas palavras, mas elas valiam pela pronúncia. Entre as preferidas, a palavra âmago. Logo, trata de dizer que no âmago disto ou daquilo, essa expressão sempre o acompanha em qualquer conversa. Além do mais, a composição das sílabas forma a palavra mago, portanto supõe existir um certo misticismo e poder nessa palavra. Também gosta de se referir a qualquer situação como um “caso emblemático”.

Eram tantos os termos para guardar que, às vezes, a memória o traía. Numa roda de amigos, ao discutir sobre política, expressou que governo bom era um governo baseado no despotismo. Ficou falando sozinho. Em alguns momentos se atrapalhava e provocava risos, ao dizer que marcou uma sessão de “apicultura”, ao invés de acupuntura. Em certa ocasião anotou a palavra tergiversar, pensando se tratar de conversar. Após uma olhada no dicionário, percebeu que significa hesitar, mas ninguém havia notado e continuou a usar a palavra com outro sentido.

Maravilha-se com as pessoas que usam um palavrório rebuscado. Constantemente busca por palestras, independente do assunto, para ouvir a retórica do palestrante. Numa noite assistiu ao discurso de um orador considerado fabuloso, pela capacidade de falar por horas a fio. Prestou muita atenção, enquanto a maioria da plateia dormia, ouviu expressões que o cativaram. Pouco entendia sobre o tema da palestra, mas as palavras o embriagaram, entre multifacetada, cibernética, conjuntural e polivalente, olha admirado para quem as pronuncia.

A sua infância foi difícil, viveu por muitos anos em uma área rural e pouco frequentou a escola. Não pode adquirir o vasto vocabulário que tanto desejava. Imaginava que as pessoas formadas sabiam todas as palavras existentes no dicionário. Encontrou este modo para tentar parecer mais culto. O uso de muitas palavras para se expressar, para ele, é uma demonstração de grande conhecimento adquirido. Quando descobria uma nova bela palavra, procurava ansioso por uma situação para que fosse possível encaixá-la.

Entretanto, com o decorrer dos anos, percebeu que as palavras “obrigado” e “por favor”, acompanhada de um sorriso, causam um efeito maior que as palavras consideradas belas. Recorreu ao dicionário para encontrar um sinônimo para obrigado, avaliou a palavra como muito simplória. Não encontrou outra palavra para substituir. Percebeu que qualquer expressão usada para agradecer causa boa impressão.

Assim, manteve o uso constante de “obrigado” e “por favor”, convenientemente substituída por “obséquio”, mais bela. Essas foram as palavras mais poderosas que ele encontrou.

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