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Educação politécnica no Brasil e formação omnilateral

EDUCAÇÃO POLITÉCNICA NO BRASIL E FORMAÇÃO OMNILATERAL

Susana Schneid Scherer*

Susana Schneid Scherer – Mestre em Educação Física pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (PPGEF/UFPel); Especialista em Educação (IFSul/RS, Pelotas) Licenciada em Educação Física pela Escola Superior de Educação Física (ESEF/UFPel).

Resumo: Este ensaio busca desvelar o caminho educacional brasileiro de ordem politécnica e omnilateral, caminhando pela sua inauguração no seio de estruturação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN) na entrada da Democracia nacional, perpassando pela sua refutação na LDBEN levada a cabo em 1996, até chegar ao século XXI, aonde a politecnia e a omnilateralidade resurgem nas políticas brasileiras.

Palavras-chave: Politecnia, omnilateralidade, políticas educacionais.

Abstract: This essay reveals the Polytechnical and omnilateral conceptions path in Brazilian educational, walking for their inauguration in the Law of Education Guidelines and Bases (LDBEN), in the period Democracy National bulge, passing through the refutation in the LDBEN carried out in 1996, until reach in the twenty-first century where the polytechnic and the omnilaterality have resurfacing in Brazilian policies.

Keywords: Polytechnic, omnilaterality, educational policies.

Com a queda ditatorial e a ascensão das discussões para consolidação da nova Constituição Federal (BRASIL, 1988) e dos seus, consecutivos, desmembramentos, como no caso da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, BRASIL, 1996). Saviani, motivado pelo cenário democrático emergente buscou fontes basilares críticas, sistematizando, conforme Rodrigues (2008), o que consolidou numa concepção educacional com vista à politecnia.  Esta ideia foi apresentada em texto explicitando como o “início de conversa” para construir a nova LDBEN (SAVIANI, 1988); também foi encabeçado por ele, Saviani, um Grupo de estudos para aprofundamento da questão educativa nacional de mote politécnica[i], outro sim, deu-se, na mesma época, em 1988, a consolidação do primeiro curso técnico em nível de 2º grau brasileiro, na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).

Pelas mãos de Saviani, em dezembro de 1988, foi entregue, à Câmera de deputados, um documento síntese de corte politécnico enquanto projeto para a nova LDBEN. Neste programa, traçava-se como objetivo central, “[…] propiciar aos adolescentes a formação politécnica necessária à compreensão teórica e prática dos fundamentos científicos das múltiplas técnicas utilizadas no processo produtivo” (FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS, 2005, p.25). O horizonte metodológico para consolidação de tal emblema refutava o modelo formativo encaminhado pelo modo de produção capitalista, de mote especificamente unilateral, pressupondo, “[…] práticas pedagógicas concretas que rompam com a profissionalização estreita, por um lado, e com uma educação geral e propedêutica descolada da vida real” (RODRIGUES, 1998).

Na LDBEN, levada a cabo em 1996, ficaram “[…] apenas menções genéricas e inconsistentes à politecnia” (RODRIGUES, 1998, p. 3).  O projeto consolidado foi o peticionado por Darcy Ribeiro, tendo ideal, essencialmente, neoliberalista[ii]. Nela, por exemplo, a defesa do grupo de Saviani pelo financiamento da União para “exclusivamente” ao sistema público se apresentava substituído por “preferencialmente”, o que abriu margem para o investimento privado na educação pública, tudo em conformidade à ideologia neoliberal (SAVIANI, 2011). Segundo Lima Filho e Campello (2008), esta Lei vivificou um dos primeiros momentos efetivos de alocação da acepção tecnológica nas discussões e propostas governamentais educativas do país, porém, sua essência ficou esvaziada das anunciações marxistas enquanto concepção pedagógica, aproximando-se a uma “estratégia econômica” (p. 195).

A alusão mercadológica educativa neoliberalista foi inaugurada por Milton Friedman (BROOKE,[iii] 2012), aludida almejando a liberdade de mercado permeando todos os campos, minimizando o papel do Estado de provedor público e, diminuindo os gastos para com a sociedade. No campo da educação, estes indicativos, deram vazão a preceitos tais que: defesa da descentralização intuindo maior autonomia escolar e, incentivo ao provimento de escolarização por outras vias que não aquelas governamentais, dando direto aos pais, enquanto consumidores, de escolher o melhor para seus filhos. Foram alunos de Friedman que promoveram no Chile a primeira neoliberal com um “modelo de financiamento e gestão do sistema escolar no principio da década de 1980[iv]” (BROOKE, 2012, p. 203). Este experimento foi cabal para dez anos mais tarde influir no aporte desta filosofia pelo governo Thatcher no Reino Unido, impulsionando-a daí para nível mundial, até a sistematização da Declaração do Receituário neoliberal na Conferência Mundial de Educação da União das Nações Unidas (UNESCO) em Jomtien na Tailândia, em 1990, ficando esta instituição, assim como outras de mesmo caráter social, imbuída de propagação dos ideais e, os bancos do provimento monetário.

Em nível brasileiro documentos suplantares da LDBEN/1996 como as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM, BRASIL, 1998) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, BRASIL, 2000) seguiram os meandros neoliberalistas. Tais materiais tiveram como referencial principal a obra de Perrenoud (1999), tendo seu alicerce em cinco pontos (RAMOS, 2011): 1) Reiteração das finalidades na LDBEN/1996 e regulamentação efetiva de uma parte curricular diversificada; 2) Sistematização curricular a partir da “[…] a organização dos conteúdos de ensino em estudos ou áreas interdisciplinares e projetos” (p.773); 3) Desenvolvimento de competências de caráter geral, cedendo, as disciplinas e conteúdos específicos, espaço para a capacidade de aprender, tendo como componentes curriculares, “um conjunto contextualizado de situações voltadas para a geração de competências” (p. 774.); 4) Fixação de quatro princípios axiológicos: aprender a aprender, aprender a ser, aprender a conhecer e aprender a viver, e; 5) Sedimentação do slogan “Ensino médio agora é para a vida” tendo com orientação pedagógica a valorização da interdisciplinaridade, enquanto “recurso didático” para relacionar atividades de ensino, disciplinares e práticas, e da contextualização embasada no trabalho e na cidadania.

Para a efetivação das idealizações dos PCN/2000 e das DCNEM/1998, com a não inexistência de recursos constitucionalmente previstos para o EM se criou o Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio (PROMED), para assistência financeira aos estados através de empréstimos com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ficando o Ministério da Educação (MEC), simplesmente, com a parte assessorial, essencialmente, ligada à formação docente, estudo e pesquisa a fim de operacionalizar as DCNEM. Para Ramos (2011), esta modelagem desencadeou um trabalho curricular em que foram enunciados temas e sequências de atividades para guiar o processo de ensino e aprendizagem, incluindo-se “situações de contextualização” e a “interdisciplinaridade”, anunciando um trabalho para fixação de competências; tendo grades curriculares com disciplinas estruturadas em áreas dos conhecimentos, e delimitação de carga horária e disciplinas e/ou atividades em um núcleo de ensino diversificado.  O projeto ruiu, contudo, desconsiderando que os problemas a serem resolvidos não são exclusivamente de nível pedagógico, possuindo, antes, determinações políticas e conceituais de acesso à ciência e ao conhecimento.

A chegada do Brasil ao século XXI elegeu Lula (Gestão PT 2003-2006; 2007-2010), e sua postergação por Dilma (Gestão PT 2011-2014; 2015-2018), o que prosperou ideais progressistas, em substituição às gestões neoliberais antecedentes (Collor de Melo, Gestão PRN 1990-1992; Itamar Franco, Gestão PRN 1992-1995; Fernando Henrique, Gestão PSDB 1995-2002). No seio governante petista, ainda que seja verificada continuidade do modelo neoliberal (ANTUNES, 2004; SADER, 2009), foi consolidado no Decreto 5.154/2004 rearticulador do EM com a formação profissional, assim como, subsequentemente, a Lei 11.741/2008 normalizadora da forma integrada de EM e educação profissionalizante. Mesmo com a manutenção da possibilidade de oferta de cada uma das formas em separado (NOSELLA, 2009), estas legislações foram importantes passos para revogação do Decreto nº. 2.208 de 1997, que decretava o total afastamento entre formação acadêmica e técnica. Ramos (2011) entende estas petições como condições socio-históricas necessárias para um programa de ordem politécnica, afora das fluências de duas ações importantes: o Programa Ensino Médio Inovador (PROEMI, BRASIL, 2015), Portaria nº 971 de 2009 e; As novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM, BRASIL, 2012).

O PROEMI, estratégia do Governo Federal, integra o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), para induzir a reestruturação curricular. As secretarias estaduais e distritais candidatam-se a ele por meio de processos seletivos, e após a aprovação recebem apoio técnico e financeiro. O programa tem como objetivo promover uma formação integral, dentro das expectativas dos estudantes e das demandas sociais contemporâneas, via dois pilares: 1) Oferta de mais disciplinas, projetos curriculares e atividades integradoras entre trabalho, ciência, cultura e tecnologia[v] e; 2) Dilatação da jornada escolar em 600h (totalizando 3.000h totais em 1mil/h anuais), predizendo, no mínimo, cinco horas de atividades diárias em substituição às quatro horas diárias (e 800h anuais e 2.400 totais do EM), até então em voga (BRASIL, 2015).  As DCNEM (BRASIL, 2012), por sua vez, preconizam espectros, tais quais: Integração disciplinar; Privilégio à construção do conhecimento e à historicidade; Consolidação de relação entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura como eixo curricular; Adoção do trabalho como principio educativo; Efetivação de uma base curricular unitária provedora de uma parte curricular diversidade; Sendo a interdisciplinaridade adotada como necessidade e como problema educativo já que metodologicamente possibilita “a reconstituição da totalidade pela relação entre os conceitos originados a partir de distintos recortes da realidade; isto é, dos diversos campos da ciência representados em disciplinas” (RAMOS, 2011, p. 776).   Enfim, vê-se que, ambos as políticas apresentadas – PROEMI e DCNEM – englobam princípios de um programa escolar omnilateral, erigindo como desafio central a execução efetiva das proposições teorizadas.

Uma vez a história nacional, sobretudo, no que tange os desdobrados da LDBEN/1996 no correr dos anos 1990, afastando o interesse do EM deixando-o sem sentido aos alunos, não integrando trabalho e escola; desconsiderando situações e conflitos de classe; com excludentes condições escolares e curriculares, principalmente aos trabalhadores que cumprem jornadas duplas; com disciplinas sem ligação com a vida e pautadas na memorização; afora da criação de modalidades especiais, como a Educação de jovens e Adultos (EJA), cujas quais afastam a juventude da forma regular e acadêmica (KUENZER, 2001).  Para Saviani (2011), no Brasil tem-se desvelado um tipo de escolarização que foca currículos, métodos e procedimentos a partir de conhecimentos do tipo espontâneo e cotidiano, em detrimento a formas científicas e sistematizadas, o que impele de “[…] propiciar aos alunos o domínio do fundamento das técnicas diversificadas utilizadas na produção e não o mero adestramento em técnicas produtivas” (p. 289).

Logo, depreende-se que se as perspectivas educativas do momento conclusivo da Educação básica brasileira, iminente ao mundo do trabalho, que é o EM, não têm se centrado no desenvolvimento dos estudantes como sujeitos de necessidades, de desejos e de potencialidades. Assim, surge como necessidade pedagógica, em uma sociedade imbuída da democratização da educação em níveis de justiça social, um modelo escolar de colisão. Cujo qual, só pode ser de molde politécnico, em grau omnilateral, opostos, respectivamente, às formas tecnicistas e unilaterais, que promova, através do acesso à cultura, ciência e trabalho, articulação, profícua, entre educação básica e profissional, garantindo, em suma, direito e acesso, plenos, aos conhecimentos sistematizados pela humanidade.

 

 

[i] Foram partícipes do grupo orientandos de Saviani do curso de Doutorado em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), além de outros interessados pelos assuntos em consonância, sendo alguns: Gaudêncio Frigotto, Acácia Kuenzer, Lucília Machado, Carlos Roberto Cury, Antônio Chizzotti, José Libâneo, Paolo Nosella, etc. (RODRIGUES, 1998).

[ii] O advento do neoliberalismo é exposto por Antunes (2009), como uma resposta à crise econômica da queda de lucros de modelo capitalista liberal Taylorfordista, aclarando “um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho” (p. 33), com formas coalisivas ao liberalismo, através de privatização acelerada, enxugamento do papel do estado e execução de políticas fiscais e monetárias em sintonização com organismos mundiais de capital hegemônico como o Fundo Monetário Internacional (FMI).

[iii] Usa-se a obra deste autor, pois enfoca uma série de textos sobre o certame ora explanado, mas reconhece-se sua linha de estudos, de caráter, essencialmente, tradicionalista.

[iv] O ideário de Friedman, digno de um advogado liberalista econômico, posiciona-se “pela redução das funções do estado e a favor das regras do mercado livre e da devolução ao indivíduo do direito de escola” (BROOKE, 2012, p. 202). No campo escolar isso prepõe que o estado fiscalize, mas, permitindo alternativas aos pais todas as vantagens do livre mercado. Na educação neoliberal chilena isso foi alicerçado através de volchers, vales-educação, dados pelo Estado aos pais de alunos a partir dos quais se pode escolher subsidiar a escolarização dos filhos conforme preferirem. Para saber mais sobre o tema vide Carnoy (2009) e Ravitch (2011).

[v] São explicitados oito macrocampos para guiar os projetos de pesquisas: Acompanhamento Pedagógico; Iniciação Científica e Pesquisa; Cultura Corporal; Cultura e Artes;  Comunicação e uso de Mídias; Cultura Digital; Participação Estudantil e; Leitura e Letramento (BRASIL, 2015).

Referências:

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf.

BRASIL. Resolução nº 3. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/res0398.pdf.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais, Ensino Médio – PCNEM. 2000. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf.

BRASIL. Resolução nº 2, de 30 de janeiro de 2012: Define Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php? option=com_content&view=article&id=17417&Itemid=866.

BRASIL. Programa Ensino Médio Inovador – PROEMI. Acesso 20/04/2015. Disponível em: http://portal.mec.gov.br.

CARNOY, M. A vantagem acadêmica de Cuba: por que seus alunos vão melhor na escola. São Paulo: Ediouro, 2009.

FRIGOTTO, G; CIAVATTA, M; RAMOS, M. Ensino Médio Integrado: concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005.

LIMA FILHO, D. e CAMPELLO, A. Educação Tecnológica Dicionário da Educação Profissional em Saúde. In: Dicionário da educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: EPSJV, p.190-196, 2008.

MANACORDA, M. Marx e a pedagogia moderna. São Paulo: Cortez, Autores associados, 1991.

NOSELLA, P. Trabalho e perspectivas de formação dos trabalhadores: para além da formação politécnica. In: Anais. Encontro Internacional de Trabalho e perspectivas de Formação dos Trabalhadores. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2009.

RAMOS, M. O currículo para o Ensino Médio em suas diferentes modalidades: Concepções, propostas e problemas. In: Educação e Sociedade. Campinas, v.32, n.116, p.771-788, 2011. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br.

RAVITCH, D.  Vida e morte do grande sistema escolar americano. Porto Alegre: Sulina, 2011.

RODRIGUES, J. A educação politécnica no Brasil. Niterói: Editora UFF, 1998.

SADER, E. A nova toupeira: Os caminhos da esquerda latino-americana. São Paulo: Boitempo, 2009.

SAVIANI. D. Sobre a concepção de politecnia. Rio de Janeiro: Fundação Osvaldo Cruz, 1989.

SAVIANI, D. Educação em Diálogo. Campinas: Autores Associados, 2011.

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*Mestre em Educação Física pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (PPGEF/UFPel); Especialista em Educação (IFSul/RS, Pelotas)  Licenciada em Educação Física pela Escola Superior de Educação Física (ESEF/UFPel).

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