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Teóricos e suas influências na constituição da Educação Infantil…

Comenius

Teóricos e suas influências na constituição da Educação Infantil…

Fernanda Duarte Araújo Silva¹

Fernanda Duarte Araújo Silva. Doutora em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professora Adjunta do Curso de Pedagogia na Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (FACIP/UFU). Possui experiência na Educação Infantil e Ensino Fundamental como docente e coordenadora pedagógica. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Infâncias (GEPI). Coordenadora do I Curso de Especialização em Educação Infantil da FACIP/UFU.
Doutora em Educação. Professora do Curso de Pedagogia pela Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (FACIP) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista em Docência no Ensino Superior (UFU-2004) e graduada em Pedagogia (UFU-2003). Possui experiência na Educação Infantil e Ensino Fundamental como Docente e Coordenadora Pedagógica. Atuou como Professora Assistente da Universidade Federal do Tocantins e atualmente é Professora da Universidade Federal de Uberlândia, Campus do Pontal. fernandaduarte.facip@gmail.com

  Sabemos que as práticas pedagógicas desenvolvidas nas instituições escolares se modificam a partir do contexto histórico, político, social e econômico que vivemos, da mesma forma, as políticas públicas também sofrem transformações de acordo com o esse meio. Dessa forma, entendemos que o trabalho na Educação Infantil é influenciado por concepções políticas que enfatizam qual deve ser a função desse nível de ensino.

         Estudos sobre a História da Educação demonstram que a família foi historicamente assumindo responsabilidades diferenciadas no cuidado e educação das crianças. Nessa linha, Oliveira (2010) destaca que arranjos alternativos para prestar esse cuidado às crianças pequenas foram culturalmente construídos, e envolveram usos diversificados de redes de parentesco nas sociedades primitivas, desde “mães mercenárias” presentes desde a Idade Antiga, além de arranjos mais formais realizados em instituições construídas para este fim, e que delineavam as condições para o desenvolvimento infantil segundo a forma como entendiam este desenvolvimento, a partir das concepções existentes sobre a maneira como o destino social da criança atendida era pensado.

         Dessa forma, era na relação com a família e demais adultos que conviviam com as crianças, que essas aprendiam a se tornar membro deste grupo, a participar das tradições que eram importantes para ele e a dominar os conhecimentos que eram necessários para a sua sobrevivência material e para enfrentar as exigências da fase adulta, como afirma Bujes (2001):

Por um bom período da história da humanidade, não houve nenhuma instituição responsável por compartilhar esta responsabilidade pela criança com seus pais e com a comunidade da qual faziam parte. Isso nos permite dizer que a Educação Infantil, como nós a conhecemos hoje, realizada de forma complementar à família, é um fato muito recente. Nem sempre ocorreu do mesmo modo, tem, portanto, uma história. (BUJES, 2001, p.13)

Segundo Kuhlmann (2010) essa história da Educação Infantil é desvalorizada nas pesquisas educacionais, que privilegiam muitas vezes a área psicológica, o que gera consequências nos trabalhos desenvolvidos:

Quando se desvaloriza a história por ela ocupar do que já passou, o risco está na ilusão de se inventar a roda novamente. Atribui-se a inauguração do novo pode até ser motivo para obter altos rendimentos vendendo a novidade no mercado. Mas também é motivo do rápido desvanecer de propostas mirabolantes, ou mesmo do ridículo diante da falta de seriedade e de consistência. (KUHLMANN, 2010, p.6)

         No intuito de buscar uma consistência nesse trabalho, é que contemplamos algumas discussões sobre a história da Educação Infantil e o surgimento das instituições escolares para crianças pequenas, demonstrando que todo o movimento político ocorrido nesse nível de ensino possui concepções históricas, sociais, culturais e econômicas que as nortearam.

         Existe uma diversidade de opiniões sobre as causas e temas que poderiam ter influenciado a constituição das instituições para atender crianças pequenas. Nosso foco será a ênfase dada ao assistencialismo à infância. Vale mencionar que a história das instituições de Educação Infantil não é uma sucessão de fatos que se somam, mas a interação de tempos, influências e temas, em que o período de elaboração da proposta educacional assistencialista se integra aos outros tempos da história dos homens. (KUHLMANN, 2010)

         Os séculos XVI e XVII marcam o nascimento da escola e do pensamento pedagógico moderno, fatos que influenciaram na educação das crianças pequenas.  Segundo Bujes (2001) a escola, nesse momento, era muito parecida com a que conhecemos atualmente e organizou-se porque ocorreu uma série de possibilidades, entre elas: a sociedade na Europa mudou significativamente com a descoberta de novas terras, com o surgimento de novos mercados e com o desenvolvimento científico, mas também com a invenção da imprensa, que permitiu que muitos tivessem acesso à leitura, da Bíblia, em especial.

Outros fatores também influenciaram no delineamento da escola moderna, entre eles, um novo olhar sobre a infância; a organização de espaços propícios para a educação das crianças, ou seja, a construção das escolas, com horários, ambientes, especialistas, métodos de ensino e importantes teorias.

Um desses estudos foi o de Comenius, pedagogo tcheco, considerado o fundador da didática moderna, publicou em 1628 um livro intitulado: The school of infancy, com intuito de abordar a questão da educação de crianças pequenas. Esse foi considerado o primeiro estudo sistematizado que reconhecia a criança como um sujeito de necessidades e cuidados específicos.  Segundo ele, as crianças aprendem pelos sentidos, dessa forma, as impressões sensoriais oriundas da experiência com manuseio de objetos seriam internalizadas e futuramente interpretadas pela razão. Segundo Comenius (2011) a educação dessas crianças deveria então contemplar a utilização de materiais e atividades diversificados, com intuito de garantir as aprendizagens abstratas, que ocorrerão no futuro.

Mas segundo Oliveira (2010), a maior preocupação dos pioneiros do século XVIII, referia-se às questões metodológicas. A partir da influência da revolução protestante, era necessário identificar como conciliar novas formas disciplinadoras da criança que extinguisse punições físicas. Assim, havia um consenso entre os estudiosos, que as crianças nascidas sob o pecado, cabia à família e, na ausência desta, à sociedade, corrigir a criança desde pequena.

Rousseau (1712-1778), considerado um dos principais filósofos do Iluminismo, também contribui para a construção do pensamento sobre a educação de crianças pequenas, na medida em que destacava a necessidade da considerarmos os ritmos e maturidade das mesmas. Rousseau destacava em seus trabalhos a questão da liberdade e da necessidade que cada criança vivesse cada fase da infância na plenitude de seus sentidos. Para Rousseau o ser humano, até os 12 anos eram sentidos, emoções e corpo físico, enquanto a razão ainda estava em processo de formação.

Pestalozzi, pedagogo, colocou em prática ideias elaboradas por Rousseau com intuito, segundo Oliveira (2009), de contemplar o desenvolvimento harmônico do aluno. Segundo Oliveira (2010), Pestalozzi começa trabalhando com órfãos em ensino industrial e, posteriormente criou um orfanato para crianças pobres em Stanz, segundo ele a Educação Infantil deveria ser desenvolvida a partir de um ambiente o mais natural possível e com uma disciplina amorosa. Pestalozzi também se preocupava com uma educação pelos sentidos e dessa forma a música, arte, atividades que contemplavam a linguagem oral e o contato com natureza eram estimulados.  Vale destacar que Rousseau e Pestalozzi eram contra o sadismo pedagógico e a crueldade contra as crianças, atos até então considerados “naturais”.

Pestalozzi foi então um educador moderno, marcado em seu pensamento pelo Iluminismo e pelo Romantismo. No entanto, segundo Lima (2010) a influência romântica foi maior do que a do Iluminismo no pensamento pestalozziano. O Iluminismo se desenvolve como tradição filosófica no esteio do século XVIII, ancorado na tradição humanista que remonta ao movimento renascentista e reformista do século XVI. Já o Romantismo, foi um movimento artístico que se desenvolveu na Europa no fim do século XVIII, começando na Alemanha e estendeu-se pelo século XIX.

Oliveira (2009) destaca que para Pestalozzi a árvore inicia sua existência pela semente e pela raiz, formando um todo conexo de elementos orgânicos. Nesse contexto, “o professor corresponde ao jardineiro que fornece as condições necessárias para o crescimento das plantas e, assim, possui a função de impedir que obstáculos e dificuldades prejudiquem o desenvolvimento natural do ser humano”. (OLIVEIRA, 2009, p. 39)

Outro teórico que contribuiu para pensar a educação de crianças pequenas foi o discípulo de Pestalozzi, o alemão Froebel (1782-1852).  Em junho de 1840, Froebel fundou o Primeiro Jardim de Infância (Kindergarten), segundo seus princípios e destinado a crianças menores de 6 anos. Segundo Arce (2002) não é muito difícil adivinhar por que Froebel denominou assim as instituições voltadas para o trabalho educativo com crianças em idade pré-escolar. Seguindo Pestalozzi, ao comparar o trabalho do professor com o do jardineiro, para Froebel, a infância, assim como uma planta, deveria ser objeto de cuidado atencioso.

Segundo Kullmann (2010), Froebel ao abrir o primeiro jardim de infância não tinha como objetivo apenas reformar a educação para crianças, mas por meio dela, repensar a estrutura familiar e os cuidados dedicados infância, contemplando a relação entre esferas pública e privada. Segundo o estudioso, as energias humanas não estavam sendo desenvolvidas, pois a educação que era ministrada no lar ou na escola estimulava o desenvolvimento da preguiça e da indolência nas crianças.

No jardim de infância predominavam atividades práticas autogeradas pelos interesses e desejos da criança. As atividades de cooperação e o jogo livre deveriam ser uma constante nesses espaços educativos, além disso o manuseio de objetos e a participação em atividades diversas de livre expressão através da música, de gestos, de construções com papel, argila, blocos, ou da linguagem, possibilitariam que o mundo interno da criança se exteriorizadas, podendo ela então ver-se objetivamente e modificar-se.  (OLIVEIRA, 2010)

Esse modo que Froebel pensava a educação de crianças pequenas, ainda têm sido foco de inúmeros estudos nos meios escolares. A proposta pedagógica froebeliana foi uma das mais importantes tendências a embasar os fundamentos pedagógicos que passaram a orientar as práticas educacionais dirigidas às crianças pequenas. (STEMMER, 2012)

Outra estudiosa que contribuiu para a construção de ideias sobre a educação de crianças pequenas foi a educadora italiana Montessori (1870-1952), influenciada por ideias de Pestalozzi e Froebel. Para além de outros pesquisadores educacionais, Montessori desenvolveu um método pedagógico para colocar sua filosofia em prática. Na sua concepção a formação da estrutura do ser humano seria fruto de uma força interior; que se realizaria sob a influência do meio e dos períodos de desenvolvimento, que possuíam características próprias. Quanto ao desenvolvimento infantil, Montessori enfatizou a necessidade da utilização de materiais pedagógicos diversificados com intuito de contemplar a exploração sensorial das crianças, tendo como objetivo desenvolver as funções psicológicas.

Entre os materiais desenvolvidos por Montessori, estão: letras móveis, letras recortadas em cartões lixas, contadores como o ábaco. Também enfatizou a necessidade de diminuir o mobiliário para a Educação Infantil e dos objetos domésticos para serem utilizados pelas crianças para brincar de casinha. Assim, o ambiente para crianças pequenas deveria ser adequado, com recursos que pudessem estimular o desenvolvimento da criança.

De acordo com Oliveira (2010) as principais críticas feitas ao trabalho de Montessori, diziam respeito à ausência de preocupação com a formação do ser social, além da rigidez com que os exercícios com os materiais eram realizados e a ênfase no método alfabético, em detrimento de outros métodos de alfabetização.

A expansão das instituições de Educação Infantil, especialmente no final do século XIX na Europa e mais para a metade do Século XX no Brasil, também foi fortemente influenciado por ideias médicos higienistas e dos psicólogos, que delineavam de forma bastante estrita o que constituía um desenvolvimento normal e as condutas das crianças e de suas famílias que deveriam se normais ou patológicas.  (OLIVEIRA, 2010)

Dessa forma, muitos médicos participaram da discussão sobre as instituições de Educação Infantil, propondo serviços de inspeção médico-escolar para esses espaços.

Segundo Kuhlmann (2010) as instituições pré-escolares se difundiram internacionalmente a partir da segunda metade do século XIX, como parte de um conjunto de medidas que apresentam uma nova concepção assistencial, a assistência científica, por se sustentar na fé no progresso e na ciência característica daquela época.

Nesse contexto, as instituições escolares para crianças pequenas foram divulgadas pelo movimento de progresso e pelas indústrias como espaços que contemplavam propostas modernas e científicas.

Ainda para Kuhlmann (2010) a creche que atendia crianças de zero a três anos, não foi percebida meramente como um aperfeiçoamento das Rodas de Expostos, que recebiam as crianças abandonadas pelas famílias, afinal, foi apresentada como uma possibilidade para que as mães não abandonassem seus filhos.

Em contrapartida, os jardins de infância foram construídos a partir de uma preocupação do desenvolvimento daqueles que se vinculavam ás instituições pré-escolares de fundarem suas próprias escolas. Nesse movimento de criação de Jardins de Infância o termo pedagógico foi utilizado como uma estratégia de propaganda mercadológica para atrair as famílias ricas e dessa forma, esses espaços não seriam confundidos com os asilos e creches destinados à atender à população pobre.

Assim, podemos afirmar que no Brasil a Educação Infantil possuía duas vertentes de atendimento, que são: os intitulados jardins de infância, que atendiam, preferencialmente, em meio período as crianças a partir dos três anos e estavam subordinados às Secretarias de Educação e as creches, que atendiam as crianças em período integral, desde o nascimento e que estavam subordinados aos órgãos de saúde pública ou de assistência.  (CAMPOS, 2009)

Vale mencionar que tanto as creches como os jardins de infância possuíam caráter educativo. Segundo Kuhlmann (2003) no jardim de infância a preocupação era o desenvolvimento de habilidades e prontidão para a escolarização futura, já os currículos das creches eram portadores de uma violência simbólica, de uma série de atitudes ligadas à racionalidade do trabalho, à submissão da hierarquia e da obediência das regras.  Dessa forma, essa dicotomia entre assistência e educação não existe, pois ambos os espaços possuíam o intuito de educar e o que as diferenciavam eram o público e a faixa etária à qual se destinavam.

Para Kramer (2011) a Educação Infantil pensada como uma estratégia civilizatória e assistencial possui como principal função suprir carências, já que busca agir sobre os efeitos da pobreza e não suas causas.

         Em linhas gerais, percebemos que as instituições de Educação Infantil foram pensadas em um clima de mudanças sociais, políticas e de concepções diversas, que em alguns momentos se contrapunham e em outros se convergiam.

 

Referências

ARCE, Alessandra. Lina, uma criança exemplar! Friedrich Froebel e a pedagogia dos jardins-de-infância. Revista Brasileira de Educação. Maio/Jun./Jul./Ago. 2002 Nº 20. p.107-120.  Disponível em: http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE20/RBDE20_10_ALESSANDRA_ARCE.pdf Acesso em 25 jul. 2013.

BUJES, Maria Isabel E. Infância e maquinarias. Tese de doutorado. Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2001.

CAMPOS, Rosânia. A formação de professores para a educação infantil: nova legislação, antigos dilemas. In: BASSI, Marcos Edgar; AGUIAR, Letícia Carneiro (orgs.). Políticas públicas e formação de professores. Ijuí: Ed. Unijuí, 2009. p.73-96.

COMENIUS, Jan Amos. A escola da Infância. São Paulo: Ed: Unesp, 2011.

KRAMER, Sonia. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. São Paulo: Cortez, 2011.

KUHLMANN JR, Moysés. Educando a infância brasileira. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autentica, 2003.p.469-496.

________. Infância e educação: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Editora Mediação, 2010.

LIMA, João Francisco Lopes de. Pestalozzi: o Romantismo e o nascimento da Pedagogia Social. Ciências & Letras. Porto Alegre, n. 47, p. 123-135, jan. /jun. 2010. Disponível em: <http://seer1.fapa.com.br/index.php/arquivos>

OLIVEIRA, Rosa Maria Moraes Anunciato de. Ensino e aprendizagem escolar: algumas origens das ideias educacionais. EDUFSCAR, São Carlos, 2009.

OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. Apresentação. In: OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. Educação Infantil: muitos olhares. São Paulo: Cortez, 2010.p.9-24.

STEMMER, Márcia Regina Goulart. Educação Infantil: gênese e perspectivas. In: ARCE, Alessandra; JACOMELI, Mara Regina Martins. Entre a (des) escolarização e a precarização do trabalho pedagógico nas salas de aula. Campinas, SP: Autores Associados, 2012. p.5-32.

 

Contato: fernandaduarte@pontal.ufu.br

 

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